quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Crise evidencia as contradições da construção da União Europeia

A crise econômica e financeira que inicialmente afundou a Islândia e a Irlanda para depois enterrar Portugal, Grécia e, muito provavelmente, Itália e Espanha, já não é mais um fenômeno regional provocado pela voracidade de um grupo de especuladores. Primeiramente, a crise foi atribuída à insolvência de bancos. Agora, é a vez dos Estados europeus à beira da bancarrota por causa de um excesso de dívidas acumuladas e renegociadas que nunca foram pagas.
Dívidas que o Banco Central Europeu pretende que sejam liquidadas em três anos, obrigando os governos a imporem mais taxas e impostos às populações. Medidas que não têm nada a ver com os investimentos para fazer crescer a economia e que alimentam uma crise sistêmica que, para o professor Marcos Del Roio, “evidencia todos os problemas e as contradições da construção da própria União Europeia”.
Brasil de Fato – Depois de três anos, você está de volta à Itália para o lançamento do seu livro sobre Gramsci. Que tipo de sensação teve ao viver de perto os efeitos da crise capitalista?
Marcos Del Roio – Foi possível averiguar in loco a falência do modelo institucional e a incapacidade da classe política, seja a maioria da direita de Silvio Berlusconi, seja a oposição de centro-esquerda liderada por Pier Luigi Bersani e Antonio Di Pietro. Tratase, então, de uma incapacidade de definir um projeto político sem que o país, depois de 150 anos de unidade constitucional, continue ainda dividido em dois, entre norte e sul. Por isso tudo, eu tive a sensação de que a Itália está vivendo uma profunda decadência política, institucional, cultural e, sobretudo, do modelo econômico. Nesse contexto, o que é mais grave, a meu ver, é que a maioria dos italianos aceitou e se adaptou a viver nessa decadência.
BF – Dizem que a crise começou por um excesso especulativo na Islândia, entretanto, quem entrou em crise não foram somente os bancos, mas também os Estados europeus, cujas economias – excluindo os três grandes (Alemanha, França e Grã Bretanha) – não crescem mais e vivem a realidade da depressão. Afinal, que crise é essa que a União Europeia vive hoje?
MDR – Acredito que a crise que a Europa vive não é apenas europeia ou italiana, grega ou portuguesa. É um capítulo da crise geral que, desta vez, atingiu todo o sistema capitalista e que, neste momento, ataca em particular os países europeus. Com esta crise, evidenciam-se todos os problemas e as contradições da construção da União Europeia. O principal elemento de crise é que o bloco europeu foi criado para ter uma moeda única sem, porém, gerar um projeto de política econômica para a própria União Europeia. De fato, a contradição principal é que não há um governo europeu para fixar as regras do desenvolvimento dos Estados do bloco. Cada um governa com plena autonomia usando uma moeda comunitária que dificulta a valorização dos parâmetros econômicos de cada país. Por sua parte, o BCE [Banco Central Europeu], além de gerenciar os fundos para o desenvolvimento, não tem nenhum controle sobre as decisões financeiras dos governos europeus, de forma que quando o perigo do default aparece, logo impõe aos Estados pacotes econômicos que impedem a bancarrota, mas os empurram em direção a uma plena depressão socioeconômica.
BF – Além disso, há a contradição institucional relacionada às fronteiras, pois, até onde vai a União Europeia e até onde esse bloco multinacional pretende chegar à Europa Oriental?
MDR – Nesse contexto, o resultado mais evidente e mais forte dessa crise é que os países mais débeis da periferia europeia, localizados na região mediterrânea e, em particular, os países da nova periferia, situados na Europa Oriental – que, na prática, foram colonizados pela União Europeia a partir de 1991 – não conseguem mais crescer. Excluindo os poucos países ricos da Europa, os outros estão economicamente estagnados e à beira da depressão.
BF – Além das históricas contradições, pode-se apontar o principal fator dessa estagnação?
MDR – Será muito difícil para a União Europeia sair dessa crise porque sua economia, que não é planejada e uniforme, sofre uma grande pressão com o crescimento da China e da Índia, que praticamente produzem tudo o que era produzido nos países periféricos do bloco, oferecendo produtos a preços menores que os europeus. Isso explica porque certos ramos industriais de países como Grécia, Portugal, Itália e até Espanha estão fechando as portas, multiplicando o número dos desempregados. Por exemplo, a Itália era um campeão mundial na produção de motores elétricos para os eletrodomésticos brancos, isto é, geladeiras, máquina de lavar etc. Hoje, a maior parte desses motores e dos próprios eletrodomésticos é fabricada na Índia e na China.
MF – O cenário de crise européia evidencia cada vez mais a divisão entre os países ricos e poderosos do ponto de vista militar e os pobres que correm risco de falência. Foi o grupo dos ricos, nomeadamente Alemanha, França e Grã Bretanha, que usaram a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para atacar a Líbia e criar um “regime amigo” que entregará grande parte das reservas de petróleo e de gás nas mãos das transnacionais francesas e britânicas. As consequências dessa guerra podem aumentar o processo de desintegração da União Europeia?
MDR – A agressão à Líbia para destruir o governo de Muamar Kadafi foi realizada sob o pretexto de cumprir uma resolução do Conselho de Segurança da ONU. Na realidade, na Europa todos sabem que o verdadeiro objetivo dessa guerra foi reformular as relações de compra e venda fixadas pelo governo da Líbia. Para alcançar esse objetivo, era necessário criar um novo governo e inviabilizar a empresa estatal petrolífera do país que regulamentava os contratos petrolíferos com as multinacionais do Ocidente. A França foi a principal mentora dessa guerra que, certamente, vai acelerar a progressão interna da crise no bloco da União Europeia. De fato, não podemos esquecer que em 2009 o presidente francês, Nicolas Sarkozy, tentou criar um sub-bloco econômico regional dos países do mar Mediterrâneo, que, na realidade, era uma aliança entre França e Israel para controlar a região. Por outro lado, essa guerra de agressão terá consequências políticas e geopolíticas no seio da União Europeia. Antes de tudo, porque a Líbia empregava um milhão de trabalhadores africanos e magrebinos que, agora, com o país destruído, perderam o trabalho e a confiança de permanecerem no país; e, por isso, querem emigrar para a Europa, que não os quer. A Itália, que tinha uma grande participação na exploração petrolífera e que participou ativamente na guerra contra Kadafi , emprestando à Otan todas suas bases aéreas e navais, nem sequer foi mencionada por Barack Obama no discurso de agradecimento a todos os países que apoiaram materialmente o ataque. A Alemanha, depois dos primeiros dias de guerra, optou por ficar como observadora para não impressionar seu eleitorado, enquanto a Grã Bretanha se situou ao lado do intervencionismo francês unicamente para representar os Estados Unidos, que não queriam se envolver oficialmente em uma terceira guerra no Oriente Médio. Na realidade, esta guerra – ainda não concluída – evidenciou a existência de contradições interimperialistas dentro da União Europeia, e entre o bloco europeu e os Estados Unidos, no que diz respeito ao futuro geopolítico do continente africano e, em particular, da região mediterrânea da África do Norte.
BF – A Líbia foi conquistada pela Otan depois das rebeliões populares na Tunísia e no Egito. Na primeira, o drama da crise econômica e o desemprego massivo continuam, enquanto no Egito o exército, quando a revolução começou a ganhar uma tonalidade de esquerda, logo mostrou a cara de guardião da ordem capitalista. Você acredita que a Primavera Árabe pode alcançar níveis de ruptura revolucionária ou tudo vai ficar tal como está hoje?
MDR – Essa Primavera Árabe ou Revolução Árabe que se iniciou em vários países com uma rebelião popular de conteúdo bastante genérico contribui, bastante, para confundir a análise desses fenômenos. Diferentemente do que a mídia disse, trata-se de fenômenos políticos muitos distintos que ocorreram concomitantemente, mas com desdobramentos ainda indefinidos. A Tunísia, que foi o primeiro a promover a revolução democrática expulsando o presidente- ditador Ben Ali, silenciou as demandas populares no parlamento, cujo sistema político é muito próximo do modelo europeu, com partidos de direita e reformistas e muitos sindicatos bem estruturados. Eles circunscreveram a disputa política nos corredores do parlamento. No Egito, houve de fato uma aliança secreta entre o exército e a Irmandade Muçulmana não só para expulsar do poder o velho presidente Hosni Mubarak e seu clã, mas também para evitar que a rebelião popular se transformasse em revolução contra o sistema. Nesse âmbito, prevaleceu a aliança estratégica com os Estados Unidos e, consequentemente, o exército foi restabelecer a ordem nas ruas do Cairo, reprimindo como nos velhos tempos de Mubarak. É claro que essa situação está aproximando o governo militar do Egito com o islâmico da Turquia, criando, assim, um outro quadro político, que é ruim em termos de política interna, porém, pela primeira vez, é muito perigoso para Israel. Um quadro político que rejeita os acordos de Mubarak, que havia garantido a Israel uma série de benefícios econômicos e geoestratégicos que, agora, todo mundo quer rediscutir. Mais complexa é a situação que se vive no Iêmen, que, por sua vez, é totalmente diferente do que está ocorrendo na Síria, onde os EUA querem a todo custo a renúncia do presidente Bashar al-Assad, enquanto, apesar dos mortos e da repressão, quase nada dizem sobre o futuro do Iêmen. Portanto, a Primavera Árabe continua uma incógnita em função dos desdobramentos políticos que podem acontecer, simultaneamente ou não, em cada país.
Marcos Del Roio é professor titular de Ciências Políticas da Universidade Estadual Paulista (Unesp). É mestre em Ciência Política na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutor na mesma disciplina na Universidade de São Paulo (USP). É presidente do Instituto Astrogildo Pereira e desenvolve pesquisas sobre teoria política do socialismo e política operária. Possui livros, capítulos de livros e artigos publicados sobre o movimento operário no Brasil, marxismo brasileiro e autores clássicos do marxismo, em particular, Gramsci.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Programa Jovens Embaixadores Ambientais seleciona líderes para apresentar soluções sustentáveis na Alemanha


Começa nesta segunda-feira (17/10) o Programa PNUMA-Bayer Jovens Embaixadores Ambientais. 47 ativistas ambientais de 18 países em desenvolvimento — incluindo quatro brasileiros — se reúnem na Alemanha nesta semana para apresentar suas soluções em desenvolvimento sustentável. O Programa Jovens Embaixadores Ambientais, lançado na Ásia em 1998, é uma das principais iniciativas no âmbito da parceria entre a Bayer e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
Por meio de workshops interativos e passeios de campo, o Programa busca fornecer conhecimento, suporte e abrir caminhos para novas ideias. O objetivo final é estimular os jovens embaixadores a implementar e expandir seus projetos ao retornarem para casa. Para marcar a abertura oficial da semana de intercâmbio técnico-cultural dos jovens na Alemanha, o PNUMA liderou hoje (17/10) um painel de debate sobre Economia Verde.
Para mais informações, clique aqui.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Evento: Jurisprudência nos Processos de Integração Regional: União Européia e Mercosul

O Ius Gentium - Grupo de Pesquisa em Direito Internacional UFSC/CNPq, coordenado pelo Prof. Arno Dal Ri Júnior - convida a toda comunidade acadêmica para participar do Congresso Internacional: "Jurisprudência nos Processos de Integração Regional: União Européia e Mercosul", a ser realizado nos dias 31 de outubro e 01 de de novembro de 2011 no Auditório do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina.

O evento tem como finalidade discutir os procedimentos jurisdicionais presentes em distintos processos de integração regional, mormente União Européia e Mercosul, possibilitando o aprofundamento prático-teórico de pesquisadores da área, assim como de estudantes de graduação e de pós-graduação da Universidade Federal de Santa Catarina. Questões como jurisdição, uniformização normativa, sistemática de internalização de normas internacionais ou comunitárias, jurisdição supranacional ou interestatal são apenas alguns importantes assuntos que serão discutidos dentro da temática, contextualizando a realidade em busca da definição de alguns problemas e soluções que possam surgir dentro do delicado âmbito da jurisdição integracionista.

Segue abaixo a Programação do Evento, bem como Edital para Envio de Artigos acadêmicos, que serão publicadas nos anais do evento, mediante apresentação.

As inscrições são gratuitas e serão realizadas no local.

Maiores informações em nosso site: www.iusgentium.ufsc.br

Potências são "inoperantes" na questão palestina, diz Patriota


O Conselho de Segurança da ONU precisa assumir a responsabilidade pela resolução do conflito entre Israel e Palestina porque o Quarteto formado por Estados Unidos, União Europeia, Rússia e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, se mostrou "inoperante" em promover negociações, afirma o chanceler Antonio Patriota.
Patriota diz que o Quarteto se mostrou "inoperante" em promover negociações para a criação do Estado palestinoEm entrevista à Folha, o ministro das Relações Exteriores disse que o Brasil se absteve na última resolução sobre a Síria para evitar a "dinâmica de polarização" entre os membros permanentes do CS e manter um espaço de negociação. Também criticou os países que lideram a força de intervenção na Líbia por tomarem decisões que não lhe cabem, como o envio de armas aos rebeldes.

"Passaram a se reunir em várias capitais pelo mundo afora, na Europa ou no golfo Pérsico, deliberando sobre assuntos que são da competência estrita do Conselho de Segurança. Por exemplo, levantar ou não o embargo, armar ou não os rebeldes. Isso é um problema sistêmico, e apontá-lo não deve ser interpretado como simpatia pelos métodos de Mummar Gaddafi", afirmou.
Abaixo, a íntegra da entrevista à Folha.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Japão vai contestar elevação de IPI para carro importado na OMC


O Japão vai contestar a elevação de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para carros importados na OMC (Organização Mundial do Comércio) nesta sexta-feira, segundo o "Valor Econômico".
De acordo com o jornal, a ofensiva contra a medida para proteger a indústria nacional vai começar pelo Comitê de Acesso ao Mercado, que periodicamente examina novas barreiras comerciais.
No dia 15 de setembro, o governo federal anunciou a elevação de 30 pontos percentuais nas alíquotas de IPI para veículos que tenham menos de 65% de conteúdo nacional. Antes, o tributo variava de 7% a 25% e, com a medida, passou para 37% a 55%.
As montadoras instaladas no país, vale lembrar, respondem por mais de 75% dos carros importados, mas apenas uma pequena parte desses veículos terá aumento de preço devido à elevação na alíquota do imposto.
Já a empresa importadora da coreana Kia Motors anunciou que foi "obrigada" a reajustar os preços de dez modelos que vende atualmente no Brasil por causa do aumento de IPI. O acréscimo médio foi de 8,41%, mas uma das versões do Picanto, por exemplo, subiu 14,33%, de R$ 34.900 para R$ 39.900.
ESTOQUES
Apesar da medida, os estoques de veículos ainda equivaliam a 36 dias de vendas em setembro, apenas um a menos do que o período registrado em agosto, de acordo com a Anfavea (associação das montadoras com fábrica no Brasil). O patamar alto foi um dos motivos que levou o governo federal a elevar a alíquota de IPI.
Com as férias coletivas concedidas pelas montadoras para tentar reduzir esse patamar, aprodução de veículos montados em setembro no Brasil recuou 19,7% na comparação com o mês anterior e 6,2% ante igual período no ano passado.

Fonte: Folha UOL

Procuradoria questiona visto e pede deportação de Battisti


O Ministério Público Federal no Distrito Federal pede, em uma ação civil pública, a anulação da concessão do visto de permanência no Brasil ao italiano Cesare Battisti e a sua consequente deportação. O caso será julgado pela 20ª Vara Federal.
Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália por quatro assassinatos cometidos na década de 1970, quando militava no grupo de extrema-esquerda PAC (Proletários Armados pelo Comunismo). Ele nega as acusações e afirma sofrer perseguição política.

A Procuradoria alega que o ato de concessão do visto ao italiano é ilegal e contraria "expressamente" o Estatuto do Estrangeiro --de acordo com a lei, é proibida a concessão de visto a estrangeiro condenado ou processado em outro país por crime doloso, passível de extradição segundo a lei brasileira.

Procuradoria questiona visto e pede deportação de Cesare Battisti
Procuradoria questiona visto e pede deportação de Battisti
Segundo o procurador Hélio Heringer, ao analisar o processo de extradição de Battisti, o STF (Supremo Tribunal Federal) concluiu que os delitos cometidos pelo italiano têm natureza comum, e não política. São, portanto, passíveis de extradição, segundo a Constituição brasileira.
Na mesma decisão, porém, o STF decidiu que cabe ao chefe do Poder Executivo, em ato político, a palavra final quanto à entrega do estrangeiro reclamado. No caso de Battisti, o ex-presidente Lula decidiu, no último dia de seu governo, pela não extradição do italiano.
Para Heringer, a decisão política do ex-presidente não muda a natureza dos crimes imputados a Battisti. "Tal competência é exclusiva do STF e foi exercida para declarar os crimes praticados como sujeitos à extradição. Desse modo, sendo os crimes dolosos e sujeitos à extradição segundo a lei brasileira, não há que ser concedido visto de estrangeiro a Cesare Battisti."
DEPORTAÇÃO
O procurador destacou que não se cogita a hipótese de entregar Battisti à Itália, país de sua nacionalidade, o que, indiretamente, violaria decisão do ex-presidente da República.
O Ministério Público defende, segundo o procurador, a deportação do italiano para o país de procedência --França ou México, onde Battisti viveu antes de mudar para o Brasil-- ou para outro país que concorde em recebê-lo.
OUTRO LADO
O advogado de Battisti, Luiz Eduardo Greenhalgh, afirmou à reportagem que ainda não foi informado sobre a ação, mas que, assim que for intimado, fará a contestação.
A defesa, no entanto, destacou que o visto de permanência no Brasil ao italiano é legal.

Fonte: Folha UOL

"Americanos não são hipócritas e usam TPI a seu favor"


Os países em desenvolvimento, como a África do Sul, devem aprender com os países desenvolvidos, como os Estados Unidos, a promover ou rejeitar o Tribunal Penal Internacional (TPI), de acordo com suas próprias conveniências, diz o jornal The Southern Times, da África do Sul.
Em um artigo intitulado "Os americanos não são hipócritas", o jornal diz que os EUA estão certos em usar o TPI a seu favor, exigindo que o tribunal processe seus inimigos e bloqueando qualquer processo contra seus próprios acusados e de seus aliados mais próximos. Os outros é que estão errados, por não fazer a mesma coisa, diz o jornal.
Com a autorização por e-mail do editor do The Southern Times, Mabasa Sasa, a revista Consultor Jurídico traduz e reproduz, abaixo, o artigo do jornal sul-africano:
"Americanos não são hipócritas!"
"Em um lado da moeda, o mundo é informado diariamente sobre a natureza universal da lei internacional, a santidade de suas instituições como o Tribunal Penal Internacional, a necessidade de responsabilização perante os tribunais internacionais.
O código jurídico internacional é amplamente imposto pelos países ocidentais, em grande medida pela NATO e pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas e com a aceitação da África. No outro lado da moeda, os mesmos "fiadores" da Justiça internacional não se sentem obrigados a esses mesmos preceitos.
Essa é a razão porque há tantos líderes de nações em desenvolvimento acusados perante o TPI, enquanto nenhum de um país ocidental tenha sido processado até agora por crimes contra a humanidade no Iraque, Afeganistão, Costa do Marfim, Líbia, Guantánamo Bay e muitos outros lugares. Mas a maior tragédia é que alguns líderes de nações africanas e em desenvolvimento parecem pouco informados sobre uma peça jurídica chamada "American Service Members Protection Act" [Lei de Proteção aos Membros (dos órgãos) de Serviços Americanos].
Essa lei foi aprovada em 2002, ao mesmo tempo em que o Estatuto de Roma, que confere ao TPI seus poderes, foi adotado. Em poucas palavras, a lei "American Service Members Protection Act" proíbe que qualquer cidadão americano seja levado perante o TPI, apesar de Washington se posicionar na linha de frente, quando se trata de processar pessoas de outra nacionalidade naquele tribunal.
A lei "American Service Members Protection Act" foi apresentada pelo senador dos EUA Jesse Helms, como uma emenda à "National Defence Authorization Act" (Lei de Autorização da Defesa Nacional).

Seu propósito declarado é "proteger o pessoal militar dos Estados Unidos e outras autoridades eleitas ou indicadas do governo dos Estados Unidos contra processo criminal por um tribunal penal internacional, do qual os Estados Unidos não são signatários". Os Estados Unidos não são signatários do Estatuto de Roma, não importa que o país apoie ativamente ações criminais contra seus inimigos no TPI.
A lei autoriza o presidente dos Estados Unidos a usar de "todos os meios necessários e apropriados para viabilizar a liberação de qualquer pessoal dos EUA ou de países aliados, que for detido ou encarcerado pela, em nome de, ou à requisição do Tribunal Penal Internacional". Em essência, o presidente dos EUA está autorizado a enviar os militares para invadir o tribunal de Haia para libertar qualquer americano detido pelo TPI. Por isso, a lei é frequentemente chamada de "The Hague Invasion Act" (A Lei da Invasão e Haia).
Não é apenas o TPI que está sediado em Haia. Outras cortes ou tribunais internacionais também estão lá. E também está lá a sede do governo holandês.
Os Estados Unidos, portanto, estão preparados para declarar guerra contra cada ou todas as pessoas ou instituições que ousarem processar um americano por qualquer crime, com base em legislação internacional.

A lei não permite aos tribunais internacionais a realizar qualquer investigação em solo dos EUA e deixa claro que os EUA não vão cooperar com qualquer investigação, se não quiser. Ela proíbe a extradição de qualquer americano para um tribunal internacional e procura estabelecer acordos bilaterais vinculativos em nações signatárias do Estatuto de Roma, para impedi-los de processar qualquer americano ou de entregá-lo ao TPI ou instituições semelhantes.
No governo Bill Clinton, os EUA assinaram o Estatuto de Roma, mas não o submeteram para ratificação ao Senado. Isso significa que a assinatura foi apenas simbólica. Depois disso, o ex-presidente George W Bush deixou claro que os EUA não iriam aderir ao TPI. E, agora, o presidente Barack Obama diz que os EUA não vão aderir, mas que estabelecerão um "relacionamento de trabalho", para facilitar o processo de inimigos dos Estados Unidos.
Em meio a tudo isso, os países africanos são pressionados a "respeitar" a legislação internacional e submeter aqueles líderes que o Ocidente não gosta ao TPI para serem processados. Embora alguns podem ver isso como um hipocresia americana, a verdade é que os Estados Unidos é mais pragmático e insensível a desculpas sobre seus interesses nacionais do que nós somos, como países em desenvolvimento. Nossa abordagem com relação a relações internacionais e à legislação internacional tem sido ingênua, no melhor das hipóteses, e totalmente negligente, na pior delas.
Não há razão para os países em desenvolvimento se sujeitarem a mandamentos que os próprios americanos consideram inaceitáveis. Por exemplo, os EUA se opõem ao TPI porque ele não oferece um julgamento "por um júri imparcial do estado ou distrito onde o crime teria sido cometido". Por que então deveríamos permitir que sejamos julgados por um grupo de pessoas que não conhecemos e que estão longe do país onde o crime alegado foi cometido?
Heritage Foundation, um instituto de pesquisa interdisciplinar ultra conservadora, que é influente nas definições de políticas em Washington, diz: ‘A participação dos Estados Unidos no regime do tratado do TPI também deve ser considerada inconstitucional, porque ela permitiria o julgamento de cidadãos americanos por crimes cometidos em solo americano, o que, de outra forma, está inteiramente dentro do poder judicial dos Estados Unidos’. ‘A Suprema Corte decidiu há muito tempo que apenas os tribunais dos Estados Unidos, como estabelecido pela constituição, podem julgar tais crimes’.
O que a Heritage Foundation está dizendo — e isso é algo que os governos americanos têm dado importância e que nós deveríamos dar importância também — é que um crime alegado deve ser processado em seu território, no qual ele foi cometido, e que nossos próprios Supremos Tribunais são perfeitamente capazes de lidar com tais crimes, de qualquer forma. E os Estados Unidos estão convencidos de que devem proteger seus cidadãos contra processos por tribunais internacionais.
Outro exemplo: em 2002, os EUA ameaçaram usar seu veto no Conselho de Segurança da ONU para bloquear a renovação de mandatos de missões de paz, a não ser que o pessoal americano fosse certificado como permanentemente isento de processos com base em leis internacionais. Talvez um pouco de história sobre lei internacional seria útil.
Os julgamentos de Nuremberg, que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, constituíram a primeira tentative real de criar um código jurídico mundial e uniforme para lidar com indivíduos, estados e instituições que violaram formas aceitas de comportamento, de uma maneira que ameaçasse a paz e a segurança internacional ou resultasse em violação flagrante de direitos humanos.
A Carta de Nuremberg é mais ou menos o modelo definidor, com o qual crimes e abusos aos direitos humanos internacionais têm sido confrontados.
Depois dessa carta, veio a Convenção de Geneva de 1949 e a Convenção contra a Tortura de 1984, entre outros acordos internacionais. Através desses acordos, dois modelos foram aceitos: tribunais para crimes de guerra e tribunais internacionais.

Os dois modelos foram manipulados pelos países ocidentais, para proteger e promover seus próprios interesses nacionais, enquanto se livravam de seus inimigos. Um tribunal para crimes de guerra foi criado para lidar com Slobodan Milosevic. Esse tribunal não investigou o assassinato de cerca de 20 mil pessoas inocentes pelo Exército de Libertação de Kosovo (KLA), apoiado pelos países ocidentais.
Escrevendo em 1999, Robert Fayden disse que o Tribunal da Iugoslávia julgou ‘as características pessoais e nacionais dos acusados, em vez das evidências disponíveis’. ‘Esse padrão de processo motivado politicamente é acompanhado pelo uso do tribunal como uma ferramenta para os países ocidentais, especialmente os Estados Unidos, perseguirem seus objetivos políticos na Península Balcânica’.
Nenhuma atenção foi dada à destruição de 40 igrejas cristãs ortodoxas da Sérvia, incluindo a Catedral em Pristina, por tropas da KLA, porque eles estavam promovendo um programa da NATO.

O TPI tem sofrido abusos da mesma forma que outros tribunais tem sido utilizados como parte de um arsenal para promover interesses específicos. Qualquer um pode observar como o TPI foi rápido em atacar Charles Taylor e Muammar Gaddafi, entre outros, mas mantém suas mãos nos bolsos, quando se trata de George W Bush e Tony Blair. O ponto fundamental é que os EUA e seus aliados ocidentais não são hipócritas: eles são conscientes de seus interesses nacionais e fazem tudo o que podem para promovê-los. Nós, no outro lado da moeda, somos ingênuos".
Fonte: Conjur