sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Arábia Saudita torna-se primeiro país a conceder cidadania para um robô


Sophia agora é oficialmente uma cidadã da Arábia Saudita. Só há um porém: ela é um robô comandado por inteligência artificial. Criada pela Hanson Robotics, empresa baseada em Hong Kong, a máquina recebeu a notícia durante o fórum Future Investment Initiative, na Arábia Saudita, que reúne investidores e desenvolvedores do mundo inteiro.
No palco do FII, ao ouvir "você é a primeira robô a receber cidadania da Arábia Saudita", Sophia respondeu: "Estou muito orgulhosa de receber essa distinção única. Ser reconhecida como a primeira robô no mundo com uma cidadania é algo histórico".
"Sophia é uma robô social e tem um programa de inteligência artificial por meio do qual consegue processar dados visuais, como a visualização do rosto das pessoas, suas emoções, o que a permite criar suas próprias relações com os humanos", explicou seu criador, David Hanson, em entrevista ao The Tonight Show.
Segundo Hanson, a aparência da robô foi inspirada nos rostos de sua esposa e da atriz Audrey Hepburn. Vale ainda ressaltar que Sophia lembra bastante Ava, personagem robô do filme Ex-Machina: Instinto Artificial, que aborda o que aconteceria se uma máquina do tipo ganhasse consciência.
Ganhar a cidadania faz com que a robô tenha mais direitos do que as mulheres da Arábia Saudita, como a possibilidade de se locomover sem um guardião do sexo masculino que lhe dê permissão para agir e de se apresentar sem estar com o rosto e o corpo cobertos. Recentemente, o país concedeu às mulheres o direito de dirigir e de assistir eventos esportivos em estádio.


quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Tribunal reverte decisão que mandou Ustra pagar indenização a família de morto na ditadura


Para os desembargadores, prazo de processo prescreveu por ter sido proposto após 20 anos

O Tribunal de Justiça de São Paulo reverteu, nesta quarta (17/10/2018), decisão de primeira instância de 2012 que determinava pagamento de indenização do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015) à viúva e à irmã do jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto em 1971 em decorrência de torturas na ditadura militar.
Por unanimidade, uma turma de três desembargadores entendeu que houve prescrição da ação, porque o pedido de indenização foi feito em 2010, embora o caso seja de 1971. 
Os magistrados entenderam que decorreu prazo superior aos 20 anos previstos na legislação para que o processo fosse levado à Justiça.
De acordo com o relator, Luiz Fernando Salles Rossi, a promulgação da Constituição em 1988 seria o marco temporal, a partir de quando os autores poderiam ter entrado com a ação indenizatória —mas em 2010 já tinham se passado 22 anos.
Em primeira instância, a juíza Cláudia de Lima Menge havia determinado o pagamento de uma indenização de R$ 50 mil. Na época, ela entendeu que o caso era imprescritível porque deve ser entendido como um crime contra a humanidade.
"Evidentes os excessos cometidos pelo requerido, diante dos depoimentos no sentido de que, na maior parte das vezes, o requerido participava das sessões de tortura e, inclusive, dirigia e calibrava intensidade e duração dos golpes e as várias opções de instrumentos utilizados", disse a juíza na sentença. 
"É o quanto basta para reconhecer a culpa do requerido pelos sofrimentos infligidos a Luiz Eduardo e pela morte dele que se seguiu, segundo consta, por opção do próprio demandado, fatos em razão dos quais, por via reflexa, experimentaram as autoras expressivos danos morais."
O acórdão do Tribunal de Justiça que considera o caso como prescrito ainda não foi publicado. Brilhante Ustra foi chefe do DOI-Codi paulista entre 1970 e 1974, no auge da repressão.



terça-feira, 23 de outubro de 2018

O que levou a Venezuela ao colapso econômico e à maior crise de sua história

A crise na Venezuela vem ganhando contornos de tragédia há alguns anos. A fome fez os venezuelanos perderem, em média, 11 quilos no ano passado. A violência esvazia as ruas das grandes cidades quando anoitece. E a situação provocou um êxodo em massa para países vizinhos. Esta semana, uma reportagem da BBC News relatou a situação de corpos que explodem nos necrotérios pela falta de eletricidade para refrigeração.
O país vizinho vive a maior recessão de sua história: são 12 trimestres seguidos de retração econômica, segundo anunciou em julho a Assembleia Nacional, o parlamento venezuelano, que atualmente é controlado pela oposição.
A dimensão do colapso pode ser vista nos números do Produto Interno Bruto. Entre 2013 e 2017, o PIB venezuelano teve uma queda de 37%. O Fundo Monetário Internacional prevê que, neste ano, caia mais 15%.
A situação tem sido explorada também na campanha eleitoral brasileira. Candidatos e eleitores de oposição ao Partido dos Trabalhadores, que historicamente apoiou os governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, tentam usar o fracasso venezuelano como alerta do que poderia ocorrer no Brasil. Fernando Haddad e a crise na qual está imerso o país caribenho. Os petistas, por sua vez, lembram que Chávez era um militar e é com apoio e participação direta das Forças Armadas que seu sucessor governa.
Em agosto, a Organização Internacional para as Migrações, ligada à Organização das Nações Unidas, disse que o aumento do número de pessoas deixando a Venezuela por causa do colapso econômico hiperinflacionário faz o momento de crise estar próximo ao dos refugiados e migrantes que atravessam o Mediterrâneo rumo à Europa.
Mas como a situação na Venezuela chegou a esse ponto?

sábado, 13 de outubro de 2018

Cooperação Jurídica Internacional: Balanço revela resultados positivos e avanços na área

Levantamento feito pelo DRCI/SNJ mostra aumento expressivo no número de pedidos de cooperação jurídica internacional feitos pelo Brasil em 2018. EUA é o país que recebeu mais solicitações.

Brasília, 03/10/2018 - O Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça (DRCI/MJ), Autoridade Central Brasileira para a cooperação jurídica internacional, divulgou um balanço das ações desenvolvidas pela área.
No total, até 31/08, foram enviados e recebidos 4.135 novos pedidos de cooperação jurídica internacional de 112 países. A estimativa é que até o final do ano esse número ultrapasse a marca de seis mil pedidos, resultando um aumento de 9% em relação a 2017.
Os países que mais receberam pedidos de cooperação jurídica internacional do Brasil foram os Estados Unidos da América com 16,39%, seguido de Portugal com 15,92% e Argentina com 6,83%. Por outro lado, quem mais solicitou cooperação com o Brasil foi Portugal com 36,16%.
No que tange à recuperação de ativos, somente este ano, já foram confirmados bloqueios que totalizam mais de 125 milhões de dólares. Além disso, mais de 20 milhões de dólares enviados ilicitamente ao exterior foram trazidos de volta ao Brasil. Esses valores são decorrentes de crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e crimes financeiros.
No âmbito das investigações da Operação Lava Jato, foram bloqueados – até agosto deste ano - mais de 100 milhões de dólares no exterior. Desse total, mais de 20 milhões de dólares já foram repatriados. A repatriação dos recursos é efetivada após o trânsito em julgado das ações condenatórias penais na Justiça brasileira ou após a concordância dos réus em dispor desses ativos mantidos no exterior, nos casos que envolvem acordos de colaboração premiada. Ainda, devido à Operação, foram enviados e recebidos 518 pedidos de cooperação jurídica internacional de 53 países.
Em relação à Extradição, foram realizadas 16 extradições ativas e 23 passivas. Também foram executadas seis transferências de pessoas condenadas para o exterior e quatro transferências para o Brasil. A extradição ativa ocorre quando o Governo brasileiro requer a extradição de um foragido da Justiça brasileira a outro país e a passiva quando um determinado país solicita a extradição de um indivíduo foragido que se encontra em território brasileiro.
Em 2018, o DRCI assinou 10 acordos de cooperação jurídica internacional. Esses acordos servem para trocar provas, informações e evidências, além de permitir localizar pessoas e bens; congelar e solicitar o perdimento desses bens. “Nesse período, também foram encaminhadas 36 propostas e 34 contrapropostas brasileiras de acordos de cooperação jurídica internacional, demonstrando os esforços do governo brasileiro no sentido de prover as autoridades de mecanismos aptos a impulsionar a cooperação jurídica internacional”, explica a Diretora do DRCI, Camila Colares.

Autoridade Central Brasileira
A Autoridade Central é o órgão responsável pelo gerenciamento da cooperação jurídica internacional. Essa função é exercida pelo Ministério da Justiça, por meio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça  (DRCI/SNJ) - conforme Artigo 12, Anexo I do Decreto nº 9.360 de 07 de maio de 2018.
A principal função da Autoridade Central é buscar maior celeridade e efetividade aos pedidos de cooperação jurídica internacional penal ou civil. Para isso, recebe, analisa, adequa, transmite e acompanha o cumprimento dos pedidos junto às autoridades estrangeiras e nacionais. Essa análise leva em conta a legislação nacional e os tratados vigentes, bem como normativos, práticas e costumes nacionais e internacionais.
A existência da Autoridade Central facilita a identificação das contrapartes nacionais e estrangeiras, que sabem a quem se dirigir em questões relacionadas à cooperação jurídica internacional no seu próprio país e, no caso das autoridades centrais estrangeiras, também no exterior.
Como Autoridade Central Brasileira, é competência do DRCI realizar o credenciamento dos organismos nacionais e estrangeiros de adoção internacional de crianças, bem como o acompanhamento pós-adotivo e a cooperação jurídica com as Autoridades Centrais estrangeiras. Nesse sentido, 30 crianças retornaram a seus países de residência habitual e outras 12 crianças foram trazidas de volta ao Brasil. Este ano, foram credenciados oito organismos para atuar no Brasil com adoção internacional de crianças e realizado o acompanhamento pós adotivo de 327 crianças adotadas por casais residentes no exterior.
Também é competência do Departamento atuar na prestação internacional de alimentos. Assim, em 2018, foram enviados e recebidos 1.192 pedidos de cooperação jurídica internacional. Totalizando 19.060 desde 2004.
Clique aqui para visualizar os dados.

Primeiras apátridas reconhecidas pelo Brasil recebem nacionalidade brasileira


As primeiras refugiadas reconhecidas pelo Brasil como apátridas – pessoas sem nacionalidade – receberam a naturalização brasileira nesta quinta-feira (4/10). Os documentos foram entregues pelo Ministério da Justiça durante um evento da Agência da ONU para Refugiados (Acnur) em Genebra, na Suíça.
Nascidas no Líbano, as irmãs Maha, de 30 anos, e Souad Mamo, de 32, nunca tiveram a nacionalidade reconhecida por nenhum país. A cerimônia foi organizada na Suíça pois Maha estava no local para palestrar sobre a condição de apatridia – as irmãs são de família síria, mas, por questões legais e religiosas, não tiveram direito à cidadania local.
Por causa da condição, as ex-refugiadas não tinham documentos de identificação no país de origem e, por isso, não podiam ter acesso a serviços básicos – como escola e saúde – em nenhum lugar do mundo. Sem pátria, a família Mamo pediu refúgio ao Brasil em 2014.
A entrega da cidadania brasileira às duas mulheres, até então apátridas, foi considerada pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, "um momento histórico".

"Ao conceder a nacionalidade brasileira às irmãs Maha e Souad Maho, o Brasil reafirma sua tradição de acolhimento aos vulneráveis e desassistidos e dá um exemplo ao mundo de que foi, e sempre será, um país comprometido com a erradicação da apatridia."

Hoje, as irmãs moram em Belo Horizonte (MG). Na cerimônia, a mais jovem delas compartilhou sua trajetória pessoal como apátrida e explicou o procedimento de naturalização facilitada pelo qual passou no Brasil.
"Não ter documentos não significa apenas que você está sem papel na carteira. Você não consegue viajar, nem comprar um chip de telefone, nem sair com amigos para uma boate", explicou Maha em entrevista anterior ao G1.

Sem documentos
No Líbano, a falta de documentos impediu a família Mamo de ter acesso a serviços básicos, como educação e saúde. À Síria, elas também não podiam pertencer. Como o pai é cristão e a mãe, muçulmana, o casamento inter-religioso não foi reconhecido no país árabe e, consequentemente, nem os filhos decorrentes da união.
Para conseguir frequentar a escola, as irmãs precisaram "dar um jeitinho", como explica a administradora de empresas. Ela contou com o apoio de uma universidade que abriu as portas e a aprovou no curso de "business and computing" – um diploma duplo oferecido por escolas de computação e administração.
Além disso, quando ficavam doentes, para conseguir uma consulta médica em um hospital, as irmãs contavam com favores de amigos. Eles emprestavam a identidade para que elas pudessem ser atendidas.

Pedido de refúgio
Em 2014, Maha, Souad e o irmão delas, Edward, chegaram ao Brasil. Como nunca tiveram documentos, os irmãos precisaram pedir refúgio na embaixada brasileira em Beirute, no Líbano, para conseguir autorização para viajar.

Passaporte de Maha; documento é emitido pelo Brasil em casos de emergências —
Foto: Maha Mamo/Arquivo Pessoal

O primeiro contato, lembra Maha, foi por meio de uma carta, uma espécie de "pedido de socorro" de quem não tinha nacionalidade – e, por isso, ao longo de toda a vida não teve direito a estudar no próprio país, trabalhar ou receber assistência médica.

O mesmo pedido foi enviado a embaixadas, presidentes e ministros de mais de 190 países ao longo de 10 anos. Como resposta, a princípio, a embaixada brasileira negou o pedido de refúgio de Maha. Depois de outra tentativa, a família conseguiu que o país emitisse um "passaporte emergencial" e as acolhesse como refugiadas.
A autorização aconteceu no mesmo período em que o Brasil abriu as portas para acolher refugiados sírios que fugiam da guerra no país. "É triste falar isso, mas, por sorte, a guerra que aconteceu na Síria abriu essa esperança para gente no Brasil."
O irmão delas, Edward, não participou da cerimônia de naturalização nesta sexta (4) na Suíça. Ele foi morto em 2014 durante um assalto em Belo Horizonte (MG).

Apatridia
De acordo com o Acnur, estima-se que existam cerca de 10 milhões de pessoas no mundo que não possuem nacionalidade – ou não têm sua nacionalidade reconhecida por qualquer país.
Por não terem certidão de nascimento e, consequentemente, outros documentos de identidade, os apátridas enfrentam inúmeras dificuldades com atividades simples do dia a dia, como frequentar uma escola, consultar um médico, trabalhar ou abrir uma conta bancária, por exemplo.
A apatridia ocorre por várias razões, como discriminação contra minorias na legislação nacional, falha em reconhecer todos os residentes do país como cidadãos quando este país se torna independente (secessão de Estados) e conflitos de leis entre países.
Para o Acnur, identificar e visibilizar as pessoas apátridas é fundamental para enfrentar as dificuldades que enfrentam e permitir que os governos possam prevenir e reduzir a apatridia.
Nas Américas, Maha Mamo tem sensibilizado diversos funcionários governamentais, parlamentares e equipes do ACNUR e organizações da sociedade civil sobre o problema da apatridia e a importância de facilitar a naturalização de pessoas apátridas, participando de diversos cursos regionais sobre o tema.
Também teve um papel de destaque do encontro regional preparatório das Américas para a Reunião de Alto Nível sobre Apatridia que acontecerá em Genebra, em 2019.

Fonte: G1

Tratado de Marraqueche (Decreto 9.522/2018) - Entenda

Foi publicado no dia de ontem (09/10/2018), o Decreto nº 9.522/2018, que promulgou o Tratado de Marraqueche, assinado pelo Brasil em 27 de junho de 2013, na cidade de Marraqueche, localizada no Marrocos.

O grande destaque deste Tratado é que ele foi aprovado pelo Congresso Nacional conforme os requisitos do art. 5º, § 3º da CF/88, de forma que ele é incorporado ao Direito brasileiro com status de norma constitucional.

Uma curiosidade preliminar: o Decreto nº 9.522/2018 utiliza a grafia “Marraqueche”, ou seja, com “CH”. Provavelmente, isso deve ter sido feito com base na consultoria de algum especialista em língua portuguesa. No entanto, até onde eu sabia, a grafia correta da palavra seria “Marraquexe” (com X). Assim, eu, desde já, agradeço se algum estudioso da língua portuguesa puder me esclarecer esta divergência.

Voltando aos aspectos jurídicos:

Qual é a natureza jurídica dos tratados internacionais promulgados pelo Brasil? Os tratados internacionais são equivalentes a que espécie normativa?
Podemos organizar o tema da seguinte maneira:

Qual é a natureza jurídica dos tratados internacionais promulgados pelo Brasil?
Os tratados internacionais são equivalentes a que espécie normativa?
1) Tratados internacionais que não tratem sobre direitos humanos
Status de
lei ordinária
2) Tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, mas que não tenham sido aprovados na forma do art. 5º, § 3º, da CF/88
Status supralegal
3) Tratados internacionais sobre Direito Tributário (art. 98 do CTN)
Status supralegal*
4) Tratados internacionais sobre matéria processual civil (art. 13 do CPC/2015)
Status supralegal*
5) Tratados internacionais que versem sobre direitos humanos e que tenham sido aprovados na forma do art. 5º, § 3º, da CF/88
Emenda constitucional

* Posição defendida por Paulo Portela (Direito Internacional Público e Privado.Salvador: Juspodivm, 2016, p. 136) e pela maioria dos internacionalistas. Vale ressaltar, contudo, que o tema é polêmico e que há posições em sentido contrário, especialmente entre os autores de Direito Tributário. Para fins de prova, acho importante conhecer a redação da previsão legal:
Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.

Art. 13. A jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte.

Status supralegal
Quando se diz que um tratado possui status supralegal isso significa que ele está hierarquicamente acima da legislação ordinária, mas abaixo da Constituição Federal. É o caso, por exemplo, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que foi incorporada ao Direito brasileiro antes da EC 45/2004 e, portanto, tem status supralegal (STF. Plenário. RE 466343, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 03/12/2008).
O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão (STF. Plenário. RE 349703, Rel. p/ ac. Min. Gilmar Mendes, DJ 5/6/2009).

Tratados com status de norma constitucional
Como vimos acima, existem alguns tratados e convenções internacionais que, depois de promulgados, possuem natureza de norma constitucional. Para isso, no entanto, é necessário que preencham dois requisitos:
1) O tratado ou convenção internacional deve tratar sobre direitos humanos;
2) Depois de assinado pelo Brasil, o tratado ou convenção internacional deve ter sido aprovado, em cada Casa do Congresso Nacional (Câmara e Senado), em dois turnos de votação, por 3/5 dos votos dos respectivos membros.

Ocorrendo isso, esse tratado ou convenção será equivalente a uma emenda constitucional.
É o que prevê o art. 5º, § 3º, da CF/88:
Art. 5º (...)
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Diante do que foi explicado acima, podemos concluir que existem normas constitucionais que não estão dentro do texto da CF/88.

Existem atualmente tratados que possuem esse status?
SIM. São eles:

TRATADOS INTERNACIONAIS EQUIVALENTES A EMENDA CONSTITUCIONAL
CONVENÇÃO DE NOVA YORK
(E SEU PROTOCOLO FACULTATIVO)
TRATADO DE MARRAQUECHE

Convenção Internacional sobre osDireitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo.

Tratado firmado com o objetivo defacilitar o acesso a obras publicadas às pessoas cegas, com deficiência visual ou com outras dificuldades para ter acesso ao texto impresso.
Assinados em Nova York, em 30 de março de 2007.
Assinado em Marraqueche, em 27 de junho de 2013.
Aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto legislativo nº 186/2008
Aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 261/2015.
Promulgado pelo Presidente da República por meio do Decreto nº 6.949/2009.
Promulgado pelo Presidente da República por meio do Decreto nº 9.522/2018.

Desse modo, tais tratados compõem o chamado bloco de constitucionalidade, ou seja, são considerados normas constitucionais e eventual lei ou ato normativo que estiver em confronto com eles deverá ser julgada inconstitucional.

Tratado de Marraqueche e intervenção federal
O Tratado de Marraqueche foi promulgado pelo Decreto nº 9.522/2018, publicado em 09/10/2018. Ocorre que, neste momento, estamos passando por um período de intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro.
O art. 60, § 1º da CF/88 estabelece que “a Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”.
O Tratado de Marraqueche foi aprovado segundo os requisitos do art. 5º, § 3º da CF/88 para ser considerado equivalente a uma emenda constitucional.

Diante disso, indaga-se: a promulgação do Tratado de Marraqueche com status de emenda constitucional, durante o período de intervenção federal no RJ, violou o art. art. 60, § 1º da CF/88?
NÃO.
Um tratado internacional, depois que ele é assinado pelo Brasil, ele precisa ainda ser ratificado e internalizado em nosso ordenamento jurídico. Isso ocorre por meio de duas etapas:
1) aprovação do tratado pelo Congresso Nacional, conforme prevê o art. 49, I, da CF/88:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

Essa aprovação do tratado pelo Congresso é instrumentalizada por um Decreto-legislativo.

2) em seguida, é necessária a promulgação do tratado, ato de competência do Presidente da República por meio de decreto.

O art. 5º, § 3º da CF/88 prevê que os tratados sobre direitos humanos serão equivalentes às emendas constitucionais se eles forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por 3/5 dos votos dos respectivos membros. Assim, a vedação constante no art. 60, § 1º da CF/88 deve ser analisada no momento da votação do tratado no Congresso Nacional.

No caso do Tratado de Marraqueche, ele foi aprovado pelo Decreto-legislativo nº 261/2015, votado pelo Congresso Nacional no ano de 2015, quando não havia nenhuma intervenção federal em curso.
Não há qualquer problema no fato de haver uma intervenção federal no momento da promulgação do tratado. Isso porque a aprovação do ato já ocorreu e a promulgação apenas atesta que foram cumpridas todas as formalidades e que aquele ato é válido, estando pronto para publicação.


Segue abaixo um RESUMO sobre o Tratado de Marraqueche:

PRINCIPAIS PONTOS DO TRATADO DE MARRAQUECHE (DECRETO 9.522/2018)

Objeto
O tratado tem por objetivo permitir que...
• pessoas cegas;
• pessoas com deficiência visual;
• pessoas com outras dificuldades para ter acesso ao texto impresso

... possam ter acesso às obras publicadas (livros, apostilas etc.).

Princípios que fundamentam o tratado
• Princípio da não discriminação;
• Princípio da igualdade de oportunidades;
• Princípio da acessibilidade;
• Princípio da participação;
• Princípio da inclusão plena e efetiva na sociedade.

Em diversos momentos, o Tratado vai falar em “beneficiários”. Quem são os beneficiários do Tratado?
Será beneficiário toda pessoa:
a) cega;
b) que tenha deficiência visual ou outra deficiência de percepção ou de leitura que não possa ser corrigida para se obter uma acuidade visual substancialmente equivalente à de uma pessoa que não tenha esse tipo de deficiência ou dificuldade, e para quem é impossível ler material impresso de uma forma substancialmente equivalente à de uma pessoa sem deficiência ou dificuldade; ou
c) que esteja impossibilitada, de qualquer outra maneira, devido a uma deficiência física, de sustentar ou manipular um livro ou focar ou mover os olhos da forma que normalmente seria apropriado para a leitura.

A pessoa será considerada beneficiária se estiver em uma dessas três situações acima descritas, independentemente de quaisquer outras deficiências, ou seja, mesmo que não apresente nenhuma outra deficiência.

Algumas definições do Tratado:
a) OBRAS: são as obras literárias e artísticas, em forma de texto, notação e/ou ilustrações conexas, que tenham sido publicadas ou tornadas disponíveis publicamente por qualquer meio.
Importante: incluem-se, nesta definição, as obras em formato de áudio, como os audiolivros.

b) EXEMPLAR EM FORMATO ACESSÍVEL: significa a reprodução de uma obra de uma maneira ou forma alternativa que dê aos beneficiários acesso à obra, inclusive para permitir que a pessoa tenha acesso de maneira tão prática e cômoda como uma pessoa sem deficiência visual ou sem outras dificuldades para ter acesso ao texto impresso.
O exemplar em formato acessível é utilizado exclusivamente por beneficiários e deve respeitar a integridade da obra original, levando em devida consideração as alterações necessárias para tornar a obra acessível no formato alternativo e as necessidades de acessibilidade dos beneficiários.

c) ENTIDADE AUTORIZADA: significa uma entidade que é autorizada ou reconhecida* pelo governo para prover aos beneficiários, sem intuito de lucro, educação, formação pedagógica, leitura adaptada ou acesso à informação.
Inclui, também, instituição governamental ou organização sem fins lucrativos que preste os mesmos serviços aos beneficiários como uma de suas atividades principais ou obrigações institucionais.
* “Entidade reconhecida pelo governo” poderá incluir entidades que recebam apoio financeiro do governo para fornecer aos beneficiários, sem fins lucrativos, educação, formação pedagógica, leitura adaptada ou acesso à informação.

d) PARTES CONTRANTES: são os Estados que assinaram o tratado.

Limitações e Exceções na Legislação Nacional sobre Exemplares em Formato Acessível
Os Estados que assinaram o Tratado deverão prever em suas leis de direitos autorais regras que facilitem a disponibilidade de obras em formatos acessíveis aos beneficiários, ainda que isso represente uma “limitação” ou “exceção” aos direitos autorais. Em outras palavras, a legislação nacional de cada país deve permitir que sejam feitas as alterações necessárias para tornar a obra acessível em formato alternativo para os beneficiários.

Adaptação feita por entidades autorizadas
Os Estados signatários poderão alterar a sua legislação para permitir que a entidades autorizadas (veja o conceito acima), mesmo sem a autorização do titular dos direitos autorais, possam:
• produzir um exemplar em formato acessível da obra;
  obter de outra entidade autorizada uma obra em formato acessível e
• fornecer tais exemplares para o beneficiário, por qualquer meio, inclusive por empréstimo não-comercial ou mediante comunicação eletrônica.

Para isso, no entanto, é necessário que sejam cumpridos alguns requisitos:
a) a entidade autorizada que pretenda realizar tal atividade deve ter tido acesso legal à obra ou a um exemplar da obra;
b) a obra pode ser convertida para um exemplar em formato acessível, mas não se pode introduzir outras mudanças que não as necessárias para tornar a obra acessível aos beneficiários;
c) os exemplares da obra no formato acessível devem ser fornecidos exclusivamente para serem utilizados por beneficiários; e
d) a atividade deve ser realizada sem fins lucrativos.

Adaptação feita pelo próprio beneficiário
O beneficiário, ou alguém agindo em seu nome, poderá produzir um exemplar em formato acessível da obra para uso pessoal, mas desde que o beneficiário tenha tido acesso legal a essa obra.

Direito de tradução da Convenção de Berna não foram alteradas
O Tratado de Marraqueche não reduz nem estende o âmbito de aplicação das limitações e exceções permitidas pela Convenção de Berna no que diz respeito ao direito de tradução, com referência a pessoas com deficiência visual ou com outras dificuldades para ter acesso ao texto impresso.

Importação de Exemplares em Formato Acessível
A legislação nacional dos Estados signatários deverá permitir que o beneficiário, alguém em seu nome ou as entidades autorizadas possam importar um exemplar em formato acessível para o proveito dos  beneficiários, sem a autorização do titular do direito.

Obrigações Relativas a Medidas Tecnológicas
Os Estados, ao estabelecerem proteção legal às obras em meios tecnológicos, deverá assegurar meios para que esses mecanismos de proteção não impeçam que os beneficiários possam fazer as necessárias adaptações para transformar a obra em um exemplar em formato acessível.

Respeito à Privacidade
Na implementação das limitações e exceções previstas no Tratado, os Estados (Partes Contratantes) irão se empenhar em proteger a privacidade dos beneficiários em condições de igualdade com as demais pessoas. 

Cooperação para Facilitar o Intercâmbio Transfronteiriço
Os Estados farão esforços para promover o intercâmbio transfronteiriço de exemplares em formato acessível incentivando o compartilhamento voluntário de informações para auxiliar as entidades autorizadas a se identificarem.
O Escritório Internacional da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) estabelecerá um ponto de acesso à informação para essa finalidade.

Princípios Gerais sobre Implementação
As Partes Contratantes poderão exercer os seus direitos e cumprir com as obrigações previstas no Tratado por meio de limitações ou exceções específicas em favor dos beneficiários, outras exceções ou limitações, ou uma combinação de ambas no âmbito de seus ordenamentos jurídicos e práticas legais nacionais. Estas poderão incluir decisões judiciais, administrativas ou regulatórias em favor dos beneficiários, relativa a práticas, atos ou usos justos que permitam satisfazer as suas necessidades, em conformidade com os direitos e obrigações que as Partes Contratantes tenham em virtude da Convenção de Berna e de outros tratados internacionais.

Outras Limitações e Exceções
O Tratado de Marraqueche não prejudica outras limitações e exceções conferidas para as pessoas com deficiência e que estejam previstas pela legislação nacional.
É o caso, por exemplo, do Brasil. A Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) já traz alguns direitos até mais amplos para as pessoas com deficiência visual. Nesse sentido, confira o art. 42, § 1º e o art. 68 do Estatuto:
Art. 42.  A pessoa com deficiência tem direito à cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, sendo-lhe garantido o acesso:
I - a bens culturais em formato acessível;
II - a programas de televisão, cinema, teatro e outras atividades culturais e desportivas em formato acessível; e
III - a monumentos e locais de importância cultural e a espaços que ofereçam serviços ou eventos culturais e esportivos.
§ 1º É vedada a recusa de oferta de obra intelectual em formato acessível à pessoa com deficiência, sob qualquer argumento, inclusive sob a alegação de proteção dos direitos de propriedade intelectual.
(...)

Art. 68. O poder público deve adotar mecanismos de incentivo à produção, à edição, à difusão, à distribuição e à comercialização de livros em formatos acessíveis, inclusive em publicações da administração pública ou financiadas com recursos públicos, com vistas a garantir à pessoa com deficiência o direito de acesso à leitura, à informação e à comunicação.
§ 1º Nos editais de compras de livros, inclusive para o abastecimento ou a atualização de acervos de bibliotecas em todos os níveis e modalidades de educação e de bibliotecas públicas, o poder público deverá adotar cláusulas de impedimento à participação de editoras que não ofertem sua produção também em formatos acessíveis. 
§ 2º Consideram-se formatos acessíveis os arquivos digitais que possam ser reconhecidos e acessados por softwares leitores de telas ou outras tecnologias assistivas que vierem a substituí-los, permitindo leitura com voz sintetizada, ampliação de caracteres, diferentes contrastes e impressão em Braille.
§ 3º O poder público deve estimular e apoiar a adaptação e a produção de artigos científicos em formato acessível, inclusive em Libras.

Denúncia do Tratado
A denúncia é o ato unilateral por meio do qual uma Parte Contratante manifesta a sua vontade de deixar de ser Parte no tratado.
O Tratado de Marraqueche prevê que qualquer Parte Contratante poderá denunciar o referido Tratado mediante notificação dirigida ao Diretor-Geral da OMPI.
A denúncia produzirá efeitos após um ano da data em que o Diretor-Geral da OMPI tenha recebido a notificação.

Depositário
O Diretor-Geral da OMPI é o depositário do presente Tratado.