quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Alvo de disputa no Brasil, prisão após condenação em 2ª instância é permitida nos EUA e em países da Europa


Depois de autorizar em 2016 que réus condenados em segunda instância fossem presos, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode rever essa decisão em julgamento iniciado nesta quinta-feira. Se isso acontecer, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e alguns milhares de outros presos no Brasil podem vir a ser soltos.

Na primeira sessão, a corte ouviu advogados que apresentaram os argumentos contrário e favoráveis à prisão antecipada. O julgamento será retomada na quarta e pode se estender por alguns dias.
Como os ministros Dias Toffoli, atual presidente da corte, e Gilmar Mendes indicaram ter mudado de posição, a expectativa é que agora o STF volte a autorizar o cumprimento da pena apenas depois do fim do processo (quando todos os recursos se esgotam), ou adote uma posição intermediária, permitindo a prisão após condenação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), terceira instância. Lula já foi condenado no STJ, mas ainda tem recursos pendentes no tribunal.
Para os contrários à possibilidade de prisão antecipada, a Constituição é clara ao estabelecer que ninguém pode ser considerado culpado antes da conclusão do processo. Já os favoráveis dizem que o sistema brasileiro oferece recursos demais aos réus, prolongando processos demasiadamente e favorecendo a impunidade. Eles dizem que o Brasil seria um ponto fora da curva, já que a maioria dos países permitiria a prisão após decisão em segunda instância.
O argumento foi citado pelo falecido ministro Teori Zavascki, no voto vencedor em 2016, que citou a legislação de nações como Estados Unidos, França, Alemanha e Portugal. Já o ministro Celso de Mello rebateu, na ocasião, dizendo ser inadequada tal comparação, já que esses países não trariam, como a Constituição brasileira, uma previsão expressa de que o réu deve ser considerado inocente até que o processo transite em julgado, ou seja, que se esgotem os recursos em todas as instâncias.
A BBC Brasil ouviu juristas brasileiros e estrangeiros para entender como se dá a prisão em outros países, após a condenação em segunda instância. A apuração indica que de fato o cumprimento da pena, em geral, ocorre antes do esgotamento dos recursos em diversos países. Há casos, porém, de sistemas similares ao brasileiro.
Alguns dos entrevistados fizeram a ressalva de que comparar sistemas penais é algo complexo e, algumas vezes, indevido, já que as premissas legais podem diferir muito entre os países.
Confira a seguir como o cumprimento da pena funciona em outros países.
Nos EUA, maioria dos réus faz acordo e abre mão de recursos
Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de 90% das pessoas processadas criminalmente vão presas já na primeira instância, mas não porque foram condenadas, e sim porque aceitaram acordo para se declararem culpadas, explica à BBC Brasil James B. Jacobs, professor de direito penal na NYU (Universidade de Nova York). Com isso, abrem mão de recursos.
Já os condenados em primeira instância, em geral, aguardam presos pelo julgamento em instâncias superiores. "Podem solicitar suspensão da sentença enquanto seu recurso é julgado, mas raramente isso é atendido", ressaltou.

Isso ocorre porque lá esses julgamentos são sempre feitos com júri popular, enquanto no Brasil isso acontece apenas para crimes intencionais contra a vida.
O modelo é sujeito a críticas. O juiz federal e professor da Universidade de Columbia Jed Rakoff, por exemplo, diz em artigo sobre o tema que o sistema americano tem penas altas e dá poder desproporcional à acusação em relação aos defensores. Com isso, pessoas inocentes acabam aceitando se declarar culpadas por temer julgamentos longos que podem acabar em graves condenações.
O problema se agrava pelo fato de que muitos não respondem ao processo em liberdade. Os EUA têm 490 mil presos provisórios, o que o coloca como quarto país do mundo que mais mantém pessoas detidas sem condenação em proporção a sua população, segundo estudo da Open Society Foundation. Já o Brasil aparece em 11º nesse ranking, com cerca de 220 mil presos provisórios (40% do total de detidos no país).
O jovem negro nova-iorquino Kalief Browder virou símbolo desse problema nos EUA – acusado de roubo, se recusou a aceitar se declarar culpado e pegar 2,5 anos de prisão. Após três anos detido, quando chegou a ser torturado, foi solto por falta de provas. Dois anos depois, se matou.
James Jacobs defende o modelo americano e diz que pessoas inocentes também podem ser condenadas erroneamente em julgamentos.

Europa
Especialista em direito penal comparado, o professor da London School of Economics, no Reino Unido, Auke Willems disse à BBC Brasil que o sistema britânico também costuma resolver a maioria dos casos com "acordos de confissão", que concedem aos condenados descontos de cerca de 30% nas penas.
"É um modelo altamente eficiente para lidar com sistemas legais sobrecarregados de processos, ao mesmo tempo em que levanta questões sobre imparcialidade e presunção de inocência, pois esses casos nunca chegarão à fase de julgamento", nota ele.
"Na Inglaterra, as punições são imediatamente efetivas, mesmo quando o réu entra com um recurso. Seu status é o de um prisioneiro condenado", ressalta ainda.
Já nos sistemas penais da Europa continental, observa, é comum que o condenado possa recorrer em liberdade e a pena só seja cumprida depois de esgotados os recursos. No entanto, segundo pesquisa da BBC News Brasil, os réus, em geral, têm direito a menos graus de apelação do que no sistema brasileiro.
Aqui, há quatro instâncias possíveis de julgamento. Primeiro, nas varas criminais e, depois, nos tribunais estaduais ou regionais federais, em que são analisados os fatos concretos e provas. Já o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o STF julgam se a lei foi corretamente aplicada nas instâncias inferiores, podendo absolver condenados se houver ilegalidades no processo.
A Itália também oferece quatro instâncias, destaca o professor da LSE. Já no caso da Holanda, país de origem de Willems, ele explica que há três instâncias, sendo que a última, a Suprema Corte, só julga aplicação de lei e não é acionada com frequência. Lá, a pessoa só pode ser presa depois de esgotada a possibilidade de recursos,.

Aqui, o acesso às cortes superiores é mais comum porque nossa Constituição prevê competência mais ampla ao Supremo do que a de outros países. Isso se agrava pelo fato de que tribunais de segunda instância com frequência ignoram a jurisprudência do STJ e do STF e julgam contrariando a orientação dessas cortes, conforme mostra levantamento da FGV de 2014.
Já na França, onde também há três instâncias, recursos para a Suprema Corte, em geral, não têm efeito suspensivo sobre a pena, o que significa que condenações em segunda instância já levam à prisão, indicou pesquisa de Willems feita para essa reportagem.
Em Portugal, por sua vez, a Constituição prevê que "o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa".
Lá, apenas crimes graves, com pena superior a oito anos, são julgados em quatro instâncias, explicou à BBC News Brasil Maria João Antunes, ex-ministra do Tribunal Constitucional português e professora de Ciências Criminais da Universidade de Coimbra. Os demais crimes são analisados em três instâncias.

Muitas instâncias ou muitos recursos?
Na Alemanha, o Código de Processo Penal prevê que só se pode cumprir pena após esgotadas as possibilidades de recurso, observa Luís Henrique Machado, criminalista com mestrado na Universidade Humboldt de Berlim, onde agora cursa o doutorado.
De modo geral, porém, ele diz que é comum que o processo transite em julgado após julgamento em apenas dois graus. Isso porque crimes considerados graves, como homicídio, já começam a ser julgados na segunda instância, cabendo apenas recurso para a corte superior.
Machado considera positivo o Brasil ter quatro níveis de julgamento. Contra a morosidade da Justiça, defende mais investimento em número de magistrados, tecnologia e uma reforma que reduza a possibilidade de recursos, mas não o número de instâncias.
"No Brasil, as pessoas só olham para o copo meio vazio. Se por um lado temos um número maior de instâncias, temos também um número maior de juízes analisando o caso. Com isso, você reduz sensivelmente a possibilidade de erro judicial", defendeu.

Mudança deveria passar por alteração na Constituição?
Mesmo alguns juristas que entendem que pode ser positivo o Brasil convergir para a realidade de outros países ressaltam que isso exigiria alterar a Constituição. Tanto é assim, argumentam, que o ex-ministro Cezar Peluso, em 2011, quando era presidente do STF, propôs ao Congresso uma emenda constitucional que abriria espaço para prisão após condenação em segunda instância.
Para a professora de Direito Penal Econômico da FGV Heloisa Estellita, o Supremo está fazendo uma interpretação inconstitucional do texto e usurpando uma prerrogativa do Congresso, que é eleito para nos representar e alterar as leis.
"É muito grave. Se o Supremo, que deveria ser guardião da Constituição, descumpre uma norma constitucional, por que você ou eu vamos cumprir a lei?", questiona.
Já quem defende que o Supremo pode, sim, tomar essa decisão, como a coordenadora da Câmara Criminal do Ministério Público Federal, subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, argumenta que a análise do fato concreto e das provas é feita até a segunda instância apenas.
Ela destaca que, de 1988, quando a Constituição foi promulgada, até 2009, o entendimento do STF era pela possibilidade de prisão após condenação em segundo grau. Apenas em 2009 isso foi alterado e, em 2016, voltou-se ao primeiro entendimento.
"O que nós argumentamos é que, se houver um excesso, se houver um questionamento cabível, a defesa sempre vai ter a possibilidade de apresentar um pedido de habeas corpus para impedir a prisão", explicou.
Esta reportagem, originalmente publicada em 2018, foi atualizada a partir de novos contatos com os entrevistados.

Fonte: BBC

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Decisão do STF sobre união homoafetiva é reconhecida pela ONU


O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, comunicou na sessão plenária desta quarta-feira, 12, que a Organização das Nações Unidas (ONU) certificou como patrimônio documental da humanidade os processos em que o STF reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo e a garantia dos direitos fundamentais aos homossexuais.
As ações (ADI 4277 e ADPF 132) foram julgadas pela Suprema Corte em maio de 2011. "Esse reconhecimento representa a consolidação dos diretos alcançados pela sociedade e o compromisso do estado brasileiro de construir uma sociedade mais livre, justa e solidária, sem preconceitos de origem, raça, cor ou quaisquer outras formas de discriminação", afirmou Toffoli, anotando que o Brasil foi o primeiro País a reconhecer este direito por decisão judicial.
O reconhecimento será tema de evento nesta quarta-feira, às 18h, quando o Comitê Nacional do Brasil do Programa Memória do Mundo da Unesco entregará o certificado MoWBrasil 2018 ao STF. O ex-ministro Ayres Britto foi o relator das ações julgadas pelo STF, e representará a Corte na cerimônia que será realizada hoje no Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, no Rio de Janeiro (RJ).


Parlamento Europeu aprovou resolução que coloca nazismo e comunismo em pé de igualdade


A União Europeia colocou comunismo e nazismo em pé de igualdade, depois de o Parlamento Europeu ter aprovado em setembro uma resolução que condena os dois regimes ditatoriais.
No passado dia 19 de setembro, a União Europeia colocou comunismo e nazismo em pé de igualdade, depois de aprovar no Parlamento Europeu uma resolução condenando ambos os regimes por terem cometido “genocídios e deportações e foram a causa da perda de vidas humanas e liberdade em uma escala até agora nunca vista na história da humanidade”.
A resolução Importance of European remembrance for thefuture of Europe contou com 535 votos a favor, 66 contra e 52 abstenções, noticia o jornal espanhol ABC esta terça-feira. Apesar do significado histórico, esta resolução passou despercebida pela maioria, ainda que este seja tema de debate recorrente entre os historiadores desde a queda da União Soviética há três décadas.

De acordo com o ABC, o jornalista polaco Ryszard Kapuscinski chegou a essa conclusão em 1995: “Se pudermos estabelecer a comparação, o poder destrutivo de Estaline era muito maior. A destruição levada a cabo por Hitler não durou mais de seis anos, enquanto o terror de Estaline começou na década de 1920 e prolongou-se até 1953.”
O debate alcançou o seu auge em 1997, com a publicação do “Livro Negro do Comunismo” que foi escrito por um grupo de historiadores sob a direção do investigador francês Stéphane Courtois, que se esforçaram por fazer um balanço preciso e documentado das verdadeiras perdas humanas do comunismo. Os resultados foram esmagadores: cem milhões de mortos, quatro vezes mais do que o valor atribuído por esses mesmos historiadores ao regime de Hitler.
Apesar de tudo, estes números não eram uma novidade. Outros investigadores, como Zbigniew Brzezinski, Robert Conquest, Aleksandr Solzhenitsyn e Rudolph Rummel, já se tinham interessado anteriormente pelo Gulag, a fome causada por Estaline na Ucrânia e as deportações em massa dos dissidentes do regime soviético.
Uma das diferenças entre os dois regimes é que o Gulag soviético foi usado para punir e eliminar dissidentes políticos, com o objetivo de transformar as estruturas socioeconómicas do país e promover a coletivização e a industrialização. Os nazis, por seu lado, usavam os campos de concentração principalmente para extermínio de vários grupos étnicos, políticos e sociais.
O regime nazi foi culpado do genocídio de cerca de 6 milhões de pessoas, incluindo judeus, ciganos, homossexuais e comunistas.
A resolução aprovada pelo Parlamento Europeu é bastante incisiva, nela se apelando, nomeadamente “a uma cultura comum da memória que rejeite os crimes dos regimes fascista e estalinista e de outros regimes totalitários e autoritários do passado como forma de promover a resiliência contra as ameaças modernas à democracia, em particular entre a geração mais jovem”. Também se manifesta “profundamente preocupado com os esforços envidados pela atual liderança russa para distorcer os factos históricos e para «branquear» os crimes cometidos pelo regime totalitário soviético, e considera que estes esforços constituem um elemento perigoso da guerra de informação brandida contra a Europa democrática com o objetivo de dividir a Europa”.

Fonte: Observador




terça-feira, 8 de outubro de 2019

Negar Holocausto não é liberdade de expressão, decide corte europeia

Em resposta à queixa de ex-deputado da legenda ultranacionalista de direita alemã NPD, Tribunal Europeu de Direitos Humanos decide que negar extermínio de judeus não está contemplado pelo direto à liberdade de expressão.
O Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) rejeitou nesta quinta-feira (03/10) uma queixa do ex-deputado estadual alemão Udo Pastörs, do partido ultranacionalista de direita NPD.
Conforme decidiram os juízes por unanimidade em Estrasburgo, o fato de Pastörs ter sido condenado por suas declarações sobre o Holocausto não viola seu direito à liberdade de expressão. A sentença europeia confirma decisões anteriores de cortes alemãs.
Segundo o tribunal, durante o seu mandato como deputado no estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, Pastörs expressou inverdades com a intenção de difamar vítimas judias e negar o Holocausto.
Em 28 de janeiro de 2010, Pastörs criticou no parlamento estadual de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental um evento em memória do Holocausto no dia anterior. O então deputado disse que o "chamado Holocausto" estaria sendo usado para fins políticos e comerciais, e falou de um "teatro de consternação" e "projeções de Auschwitz".
Em 2012, o Tribunal da Comarca de Schwerin condenou Pastörs a oito meses de prisão com pena suspensa e uma multa de 6 mil euros por difamação da memória de falecidos e calúnia. O Tribunal Regional de Schwerine e o Tribunal Regional Superior de Rostock confirmaram o veredicto.
Pastörs recorreu então ao Tribunal Constitucional Federal em Karslruhe. Em 2014, a mais alta corte alemã rejeitou sem indicação de motivos a queixa constitucional de Pastörs.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu agora que o direito à liberdade de expressão protegido pela Convenção Europeia de Direitos Humanos não poderia ser invocado se as declarações se direcionam contra os valores da própria convenção.
Isso seria o caso da negação do Holocausto por Pastörs, que mentiu deliberadamente para difamar os judeus e seus sofrimentos, segundo o veredicto do TEDH.


Decisão na íntegra: PASTÖRS v. GERMANY