segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Mães brasileiras não conseguem registrar filho na França em nome das duas e expõem impasse no Itamaraty

Antonio nasceu há mais de duas semanas, mas até agora sua certidão de nascimento está incompleta: só consta o nome de uma de suas mães.
Ele é filho de Letícia Novak, de 33 anos, e de Natalia Loureiro Parahyba, de 34 anos, brasileiras que moram na França e tiveram o bebê lá após um procedimento de reprodução assistida feito na Espanha.
Na certidão de nascimento de Antonio, contudo, só Letícia consta como mãe.
O problema é resultado de um imbróglio com o Itamaraty que já afetou outros casais homoafetivos brasileiros: apesar de o casamento entre pessoas do mesmo sexo ser permitido no Brasil, assim como o registro no nome dos dois pais ou das duas mães em casos de geração de filhos por meio de reprodução assistida, os consulados brasileiros nem sempre podem fazer o registro do bebê como filho do casal.
Isso porque devem espelhar os documentos nacionais na hora de gerar a certidão de nascimento da criança – e às vezes as leis locais têm menos garantias de direitos que a brasileira. O Itamaraty segue seu manual, de 2010, e a Convenção de Viena, tratado internacional dos anos 1960 que estabelece regras para diplomatas e consulados, entre outros.
No Brasil, desde 2016, quando o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) regulamentou a emissão das certidões de filhos de casais homoafetivos gerados por reprodução assistida, os cartórios são obrigados a registarem o filho no nome dos dois pais ou das duas mães.
A impossibilidade de os consulados darem ao bebê e aos pais brasileiros as mesmas garantias que teriam no Brasil faz com que alguns juristas e até o próprio Itamaraty defendam uma mudança no procedimento do órgão.
Letícia e Natalia, juntas desde 2013 e casadas no papel (no Brasil) desde 2016, fizeram o procedimento de reprodução assistida na Espanha porque na França é proibido. Não feriram a legislação. Mas, por causa dela, a certidão francesa só teria o nome de Letícia, e Natalia teria que passar por um processo para adotar Antonio no país e se tornar mãe dele também.
A esperança das duas, no entanto, era que pudessem ao menos ter o registro correto no consulado brasileiro, considerando as leis brasileiras. Isso não só significaria que os documentos brasileiros estariam corretos, mas possivelmente ajudaria no registro francês ou no processo de adoção, mostrando que o Brasil reconhece a parentalidade das duas sobre Antonio
Não foi o que aconteceu.
No início da gestação, Natalia conta ter entrado em contato com o consulado brasileiro em Paris para esclarecer essa dúvida.
Após estudar questões jurídicas, a vice-cônsul teria afirmado a Natalia que daria, sim, para registrar o filho no nome das duas mães no documento brasileiro, driblando o problema da cópia do registro original. Bastava que o registro fosse feito em primeiro lugar no consulado brasileiro —assim não haveria documento de onde copiar.
Mas ela saiu de férias, deixando o assunto para quem a substituísse.
Foi quando Antonio nasceu.
Seu substituto, segundo Natalia, disse que seria impossível fazer o registro no nome das duas mães, alegando que o procedimento para gerar o bebê é ilegal na França, e o Brasil estaria desrespeitando leis locais ao registrar o bebê como filho de ambas —avaliação que o próprio consulado já havia descartado antes.
Cinco dias passaram, e elas foram obrigadas a registrar o filho na França, onde há uma norma que exige o registro dentro desse período, em nome de uma só mãe. Isso acabou atrapalhando também o registro no consulado brasileiro, obrigado a copiar o documento local pelo Manual do Itamaraty e a Convenção de Viena.
"É como se eu não fosse nada dele. Não tenho autoridade parental sobre o Antonio. Nenhum trâmite que eu precise fazer por ele eu posso fazer. Eu não sou nada para ele", lamenta Natalia.
O Ministério das Relações Exteriores reconhece que errou na condução final desse caso.
"Tivemos um problema de timing", diz Luiza Lopes da Silva, diretora do Departamento Consular e de Brasileiros no Exterior do Itamaraty. Segundo ela, "houve hesitação" no consulado brasileiro na França sobre como proceder e, enquanto esperavam resposta do Itamaraty, o prazo de cinco dias da França passou, "atropelando aquela solução simples". "O posto pecou um pouco pelo zelo excessivo. Foi uma infelicidade", afirma.
Para Erik Gramstrup, professor de direito civil da PUC-SP, o Itamaraty não está errado, só adotou "uma postura excessivamente cautelosa".
"Eles cumpriram a lei de maneira literal, mas por questão de direitos humanos, poderiam interpretá-la de maneira mais flexível. O direito internacional tem os direitos humanos também, que estão por cima do direito internacional", afirma.

Legislação
Outros casais brasileiros passaram por situações semelhantes e tiveram que entrar na Justiça para solucionar o problema.
Em 2016, Armênio Lobato e Luís Cláudio Oliveira não conseguiram colocar o nome dos dois no registro de seus filhos gêmeos no consulado brasileiro da Cidade do México. Seus filhos haviam nascido no México após um processo de barriga de aluguel.

Provimento 63, do Conselho Nacional de Justiça,
garante que pais homoafetivos no Brasil que
geraram filhos por reprodução assistida possam
constar no registro de nascimento dos filhos

Os gêmeos, que precisaram de atendimento médico no México, acabaram ficando sem acesso ao plano de saúde de um dos pais, que não constava em sua certidão de nascimento. Os pais só conseguiram registrar os filhos em nome de ambos depois de entrar com um processo administrativo em um cartório no Rio, e a Justiça deu decisão favorável a eles.
"É difícil ter que lidar com as limitações advindas deste registro incompleto, como dificuldades no registro em plano de saúde, viagens, acesso a direitos, enfim, nos direitos mais básicos dos pais no dia a dia", diz Lobato.
Outro casal, que teve filhos em 2017 no México e que não quis ser identificado na reportagem, passou pela mesma situação, tendo que entrar na Justiça para registrar os bebês como filhos dos dois pais.
Segundo Lopes da Silva, do Itamaraty, desde o primeiro caso no México o Ministério das Relações Exteriores está buscando uma solução para o problema. "Vamos aprendendo com os casos que vão surgindo. Aprendemos agora o procedimento francês. Mas não conseguimos ainda satisfatoriamente espelhar no exterior a facilidade que existe no Brasil", afirma.
Segundo ela, o órgão procurou em 2016 o CNJ e a Defensoria Pública para tentar achar uma saída definitiva, além de solicitar consultoria jurídica do próprio Itamaraty. Sem sucesso, no entanto. "Não vemos outra alternativa a não ser alguma medida no Brasil que nos dê um sinal verde para adotar um procedimento específico."
"O Brasil tem que atualizar seu manual", opina o advogado Juliano Trindade, especialista em direito internacional de família e sucessões e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família. Ele, no entanto, diz entender que a postura oficial do Itamaraty seja a de "não desrespeitar a regra da casa" e que, portanto, não está errada.
Gramstrup, da PUC-SP, afirma sugerir o mesmo. E adiciona: "A própria Convenção de Viena precisa ser atualizada. Eles nem sonhavam com uma situação dessas".
Trindade explica que, nesses casos, o casal deve apelar para a Justiça: fazer o registro em um cartório no Brasil e entrar com uma ação judicial de reconhecimento de multiparentalidade. Depois, um promotor e juiz analisam o caso. Não deve haver complicações, mas "o ruim é que uma burocracia chata, que o casal heterossexual não passa", diz ele.
O Itamaraty se dispôs a ajudar Natalia e Letícia depois da confusão, enviando a documentação para cartório no Brasil por mala diplomática e provavelmente sem necessidade de ação judicial.
Natalia, a mãe que terá que passar pelo procedimento para ter um papel dizendo que é mãe de Antonio, fala sobre o desgaste emocional pelo qual passou nos últimos dias. "Espero que o Itamaraty leve esse acontecimento de agora em consideração para os próximos casais que estiverem na mesma situação no futuro, ao redor do mundo."

Fonte: BBC








sábado, 17 de agosto de 2019

STF lança Convenção Americana de Direitos Humanos anotada

Está disponível para consulta no portal do STF a Convenção Americana de Direitos Humanos anotada, contendo trechos de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Com o objetivo de facilitar a pesquisa, a obra apresenta a jurisprudência dos órgãos sistematizada por artigo, em um documento comum.
Produzida pela Secretaria de Documentação do STF, a publicação selecionou, inicialmente, a primeira parte do Pacto de San José da Costa Rica (artigos 1 ao 32). Para compor as anotações, na triagem de decisões do STF, foi adotado como critério a citação expressa de dispositivo da Convenção. Também levou-se em conta a pertinência temática com o dispositivo.
Em relação à Corte IDH, são destacados trechos relativos ao artigo que melhor representa a hipótese em discussão. Além disso, alguns casos foram indicados em mais de um artigo, considerada a usual impugnação e a análise da Corte sobre a violação de diversos dispositivos em uma mesma decisão.
A obra está disponível no portal do STF, no menu jurisprudência internacional, e será atualizada periodicamente, uma vez que não esgota a análise dos casos apreciados por ambas as Cortes.
Fonte: STF

Cuadernillo de Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos

Cuadernillos de Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos:
*1.- Pena de muerte:* https://bit.ly/2UMPsJW   
*2.- Migración:* https://bit.ly/2Vh0Ahq 
*3.- Desplazamiento:* https://bit.ly/2PkSgYK 
*4.- Género:* https://bit.ly/2VbjUgg 
*5.- Niñas/os y adolescentes:* https://bit.ly/2Gs2ZwB 
*6.- Desaparición forzada:* https://bit.ly/2IvKYkj 
*7.- Control de Convencionalidad:* https://bit.ly/2IJROCc 
*8.- Libertad personal:* https://bit.ly/2Gmoqz0 
*9.- Personas privadas de libertad:* https://bit.ly/2IOUVbI 
*10.- Integridad personal:* https://bit.ly/2IIS9oD 
*11.- Pueblos indígenas:* https://bit.ly/2UQlHrP 
*12.- Debido proceso:* https://bit.ly/2PmDVuP 
*13.- Protección judicial:* https://bit.ly/2PjA1Tr  
*14.- Igualdad y no discriminación:* https://bit.ly/2Xslesu 
*15.- Justicia transicional:* https://bit.ly/2GuCshU 
*16.- Libertad de pensamiento:* https://bit.ly/2DrWMA2 
*17.- Derecho Internacional:* https://bit.ly/2QBDtg4
*18.- El Salvador:* https://bit.ly/2BndHlf
*19.- Personas LGTBI:* https://bit.ly/2EA1caj
*20.- Derechos Políticos:* https://bit.ly/2S6HYfw
*21.- Derecho a la vida:* https://bit.ly/2EpEBft
*22.-Derechos Económicos, Sociales, Culturales y Ambientales: http://www.corteidh.or.cr/sitios/libros/todos/docs/cuadernillo22.pdf

Fonte: Corte IDH

Como a lei brasileira define o trabalho análogo ao escravo

Expor qualquer pessoa a condições de trabalho análogo ao escravo é crime previsto no Código Penal


A assinatura da Lei Áurea, em 1888, aboliu formalmente no Brasil a possibilidade de um ser humano ter a posse de outro, mas os reflexos desses quase 400 anos são sentidos ainda hoje e explicam a História contemporânea.
Quando o presidente Jair Bolsonaro afirma que é “muito tênue” a linha que separa o trabalho escravo do trabalho análogo ao escravo, ele confunde conceitos e ignora políticas construídas desde a década de 1940 no sentido de combater estas formas de exploração do trabalho.
Se por um lado o trabalho escravo não existe no Brasil desde 1888, expor qualquer pessoa a condições análogas ao escravo é crime previsto no Código Penal. A lei brasileira ainda é bastante clara em definir o que se considera trabalho análogo ao escravo.
Vamos então entender melhor os conceitos sobre esse tema?
Qual a diferença entre “trabalho escravo” e “trabalho análogo ao escravo”?
Formalmente, o trabalho escravo está abolido no Brasil desde 1888. Modelo adotado durante o período colonial e monárquico, a escravidão era permitida e apoiada pelo Estado. O termo correto a se usar é “análogo ao escravo”, exploração da mão de obra que ainda acontece em áreas rurais e urbanas do país. Calcula-se que mais de 53 mil pessoas já foram resgatadas de situações análogas à escravidão desde que o Brasil passou a tomar medidas para combatê-lo.
Como a lei define a “condição análoga à de escravo”?
O Artigo 149 do Código Penal define trabalho análogo ao escravo como aquele em que seres humanos estão submetidos a trabalhos forçados, jornadas tão intensas que podem causar danos físicos, condições degradantes e restrição de locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto. A pena se agrava quando o crime for cometido contra criança ou adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
O trabalho análogo ao de escravo é crime?
Sim. Desde a sua criação, em 1940, o Código Penal brasileiro criminaliza a conduta de reduzir alguém à condição análoga à de escravo. A atual redação do artigo 149 do Código Penal foi formulada por uma alteração legislativa de dezembro de 2003, que serviu para delimitar em que consiste o trabalho análogo ao de escravo no Brasil. Os conceitos determinados no artigo são interpretados pelos tribunais e pelos fiscais do trabalho à luz do conjunto da legislação brasileira e dos tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário, o que dá maior concretude aos termos da lei e traz mais segurança jurídica para todos os envolvidos.
Usar trabalho análogo ao de escravo pode levar alguém a perder sua terra?
Em 2014, o Congresso adotou uma Emenda Constitucional ao Artigo 243 que inclui a utilização de trabalho escravo como um motivo para expropriação de terras. No entanto, a Emenda Constitucional ainda não foi regulamentada, o que, na prática, impede a expropriação.
É possível que alguém seja punido por infrações menores, como colchão fino e localização da saboneteira?
Não. Uma situação será configurada como trabalho análogo ao escravo apenas se houver restrição de locomoção, jornada exaustiva, servidão por dívidas ou condições degradantes. Para que uma situação seja considerada “degradante”, auditores e tribunais usam critérios rigorosos.
Caso um empregador discorde da caracterização como trabalho escravo, pode utilizar recursos administrativos e judiciais para solicitar que isso seja revisado.
O combate ao trabalho escravo prejudica o empresário e a economia brasileira?
Pelo contrário! O mercado internacional está cada vez mais preocupado com a sustentabilidade em toda sua cadeia de produção, entendendo a sustentabilidade como padrões elevados de respeito ao trabalhador e ao meio ambiente. A OCDE, por exemplo, estabelece que as empresas devem garantir que não há violações de direitos humanos em sua cadeia de produção. A União Europeia também possui normas rigorosas sobre o assunto, e as preocupações socioambientais estão no centro do debate sobre o acordo com o Mercosul. Também a legislação dos Estados Unidos proíbe a importação de qualquer bem produzido com a utlização de escravidão moderna. O enfraquecimento da legislação de combate ao trabalho análogo ao escravo e das políticas de fiscalização e transparência na cadeia de produção desperta a desconfiança desses mercados consumidores e fecha portas para os produtos brasileiros.
Fonte: Conectas

MPF lança coletânea de artigos sobre direitos humanos

Publicação traz textos que abordam questões normativas e temas relacionados à saúde, educação, trabalho escravo e refugiados

Em comemoração aos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e aos 20 anos do reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o Ministério Público Federal (MPF) lança uma coletânea de artigos sobre a temática. A publicação digital, organizada pela Secretaria de Direitos Humanos e Defesa Coletiva da Procuradoria-Geral da República (PGR), traz dezoito textos escritos por acadêmicos especialistas na área. O objetivo é chamar a atenção para a relevância da proteção dos direitos humanos no país.

Os temas tratados nos artigos ressaltam a importância da reflexão crítica sobre o assunto, trazendo discussões sobre aspectos normativos, como a natureza jurídica da Declaração Universal dos Direitos Humanos, as funções desempenhadas por esse normativo internacional e a hierarquia em relação às legislações locais. Também aborda assuntos específicos como saúde, educação, trabalho escravo, saúde mental, gênero, empresas e direitos humanos, refugiados, defensores e defensoras de direitos humanos. A publicação também traz análises sobre aspectos procedimentais e referentes ao cumprimento no Brasil das deliberações internacionais sobre a proteção dos direitos fundamentais.  

Para o secretário de Direitos Humanos e Defesa Coletiva do Gabinete da PGR, André de Carvalho Ramos, o conteúdo da publicação é extremamente abrangente e deve ser visto como uma contribuição extra para uma reflexão crítica sobre o tema. “Unindo a perspectiva material do conteúdo dos direitos previstos na Declaração, com a perspectiva processual da jurisdição da Corte, a obra reúne artigos que expõem essas duas facetas indispensáveis da internacionalização dos direitos humanos”, destaca.

Declaração Universal dos Direitos Humanos – O documento é um marco do reconhecimento da dignidade da pessoa humana e da igualdade de direitos. Elaborada por representantes de diferentes regiões do mundo, a Declaração foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948, como um ideal comum a ser alcançado por todos os povos e nações. A declaração estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Desde sua adoção, três anos após a criação da Organização das Nações Unidas, a Declaração foi traduzida em mais de 500 idiomas e inspirou as constituições de muitos Estados e democracias recentes.

Corte – A Corte IDH tem sede em São José, Costa Rica e faz parte do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. É um dos três Tribunais Regionais de Proteção dos Direitos Humanos, ao lado da Corte Europeia de Direitos Humanos e da Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos. Ela é composta por sete juízes de diferentes países, que julgam casos envolvendo vítimas de violações de direitos humanos e emitem opiniões consultivas, além de supervisionar a aplicação de suas sentenças e ditar medidas cautelares.

Acesse a íntegra da coletânea! 

Secretaria de Comunicação Social
Procuradoria-Geral da República