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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Reforma trabalhista: OIT solicita ao Governo brasileiro revisão de pontos da Lei 13.467/2017

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) cobrou do Governo Federal a revisão de pontos da Lei nº 13.467/2017 (reforma trabalhista), que tratam da prevalência de negociações coletivas sobre a lei (negociado sobre o legislado). Relatório do Comitê de Peritos da OIT, divulgado na última semana, solicita que o Governo adeque a referida legislação à Convenção nº 98, ratificada pelo Brasil, que trata do direito de sindicalização e de negociação coletiva.
Após a publicação do relatório, o presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano, registrou que a Associação já havia apontado as dissonâncias entre o texto da Lei 13.467/2017 e convenções internacionais da OIT, como as Convenções 98, 135 e 155, entres outras. “O relatório agora divulgado, pela terceira vez, apenas confirma que os alertas feitos pela Anamatra seguiam rigorosamente as pautas técnicas da OIT. É importante, ademais, que esses apontamentos sejam recebidos, assimilados e tomados com a devida credibilidade pelas atuais autoridades governamentais. Resta claro que qualquer aprofundamento da reforma trabalhista, na mesma linha adotada pela Lei 13.467/2017, respondendo as oscilações do mercado com precarização dos contratos e enfraquecimento dos sindicatos, não terá boa recepção perante a comunidade internacional. É necessário lidar com isso e equilibrar as pautas políticas programadas com os vínculos programáticos aos quais o Brasil se submete no plano do Direito Internacional Público, ressalta.
A juíza Noemia Porto, vice-presidente da Anamatra, explica que o entendimento do Comitê de Peritos com relação ao Brasil não é fato novo. “Em 2017, o Brasil figurou na lista de casos que o Comitê considerou graves (‘long list’). O fato se repetiu no ano seguinte, dessa vez com observações bastante claras quanto à aparente inconvencionalidade de dispositivos da Lei 13.467/2017 (‘short list’)”, recorda a magistrada. Esse processo pode se repetir: o relatório será submetido a representantes de trabalhadores e empregadores que decidirão pela nova inclusão do Brasil no rol de países suspeitos de incorrerem em violações do Direito Internacional do Trabalho.
As violações apontadas no novo relatório são semelhantes àquelas que levaram o Brasil à “short list”. O documento aponta, especialmente, para a necessidade de revisão dos arts. 611-A e 611-B da CLT. No primeiro dispositivo, os peritos alertam para a "amplitude das exceções permitidas", o que pode afetar a finalidade e a capacidade da negociação coletiva, o que significa, na prática, "uma redução significativa da liberdade sindical, negociação coletiva e das relações de trabalho".
O relatório também alerta para a previsão da Lei 13.467/2017 que possibilita a renúncia a direitos previstos em leis e convenções coletivas a trabalhadores que recebam duas vezes o teto do Regime Geral de Previdência, permitindo a livre estipulação das condições contratuais. Nesse ponto, o Comitê alerta que os contratos individuais não podem conter cláusulas contrárias à legislação vigente, apenas ampliar direitos. Outra violação apontada diz respeito à categoria de “trabalhador autônomo”, denegando a esses trabalhadores direitos como o de sindicalização e o de negociação coletiva. Ainda nesse ponto, o relatório aponta que a Convenção nº 98 aplica-se a todos os trabalhadores, inclusive aos autônomos, sendo as únicas exceções possíveis os policiais, membros das Forças Armadas (art. 5) e servidores públicos que atuam na administração do Estado (art. 6).


Fonte: Anamatra

terça-feira, 26 de junho de 2018

PGR defende inconstitucionalidade de dispositivo de lei que ampliou competência da Justiça Militar

Para Raquel Dodge, julgamento de militares que comerem crimes dolosos contra a vida de civis fere a Constituição, além de violar tratados de direitos humanos
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que seja declarada a inconstitucionalidade de dispositivo incluído no Código Penal Militar. Trata-se do artigo 9º da Lei 13.491/2017, que desloca para a Justiça Militar da União a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida praticados por militares das Forças Armadas no casos em que as vítimas são civis. O assunto é objeto de Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). No documento, encaminhado à Corte nesta segunda-feira (25), a PGR ressalta que a norma amplia de forma permanente e substancial a competência da Justiça Militar, ao mesmo tempo em que reduz as atribuições constitucionalmente reservadas ao Tribunal do Júri. O entendimento é que a alteração legislativa contraria diversos preceitos constitucionais e viola tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.
De acordo com o parecer, tanto a Constituição Federal (CF) quanto os tratados, restringem a jurisdição penal militar ao julgamento de crimes envolvendo violação à hierarquia, disciplina militar ou outros valores tipicamente castrenses. “Qualquer tentativa de ampliação da competência da Justiça Militar da União que desconsidere tal essência será indevida e inconstitucional, porque rompe a lógica da especialidade que a justifica”, frisa Raquel Dodge, completando que ampliar a atuação da Justiça traz impactos sobre a organização constitucional de órgãos do Judiciário e, de modo mais grave, resulta na mitigação da garantia constitucional do Júri.
Em outro trecho do documento, a PGR ressalta o princípio da igualdade como mais um indicativo da inconstitucionalidade do dispositivo. Segundo ela, a mesma lógica, que expressamente impôs a competência do Tribunal do Júri para os crimes dolosos contra a vida praticados por militares dos estados contra civis, deve ser aplicada aos militares federais. A procuradora-geral enfatiza que o tratamento diferenciado – sem fundamento constitucional – institui uma espécie de “foro privilegiado” em razão da natureza do cargo do agente e não do caráter militar da função exercida. “O caráter da atividade define-se pelo que ela de fato é, e não por quem a exerce, sendo ofensivo ao princípio republicano garantir privilégio de foro nessa situação, em que ausente motivação constitucional ou de qualquer outra ordem para tanto”, destacou.
Direitos da vítima - No parecer, Raquel Dodge também destacou que as vítimas de ação militar têm direito à investigação pronta e justa, por órgão independente e imparcial. Esses fatores são considerados fundamentais para evitar a impunidade e para que seja assegurado o devido processo legal para todos os envolvidos. A premissa, que inclui o julgamento justo conduzido pelo juiz natural, está prevista na Constituição, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos.
No parecer, a procuradora-geral requereu, também, o aditamento da ADI para que seja considerado inconstitucional o dispositivo que transferiu para a Justiça Militar a competência para julgar acusados de crimes contra a vida praticados por militares da Aeronáutica durante ações específicas. Neste caso, a exceção foi incorporada ao Código Penal Militar pela Lei 12.432, aprovada em 2011, pelo Congresso Nacional.
ADI 5032 - A PGR também enviou, nesta segunda-feira (25/06/2018), memorial referente à ADI 5032, apresentada em 2013 pelo Ministério Público Federal (MPF). Nesse caso, o questionamento é quanto à constitucionalidade de norma que inseriu na competência da Justiça Militar o julgamento de crimes cometidos no exercício das atribuições subsidiárias das Forças Armadas. Trata-se da atuação militar na chamada Garantia da Lei e Ordem (GLO), na defesa civil, no patrulhamento de áreas de fronteira e quando requisitadas pelo Tribunal Superior Eleitoral. Utilizando os mesmos argumentos, Raquel Dodge aponta a inconstitucionalidade da atuação da justiça militar nesses casos. De acordo com a PGR, nessas situações específicas, a atividade não é tipicamente militar, mas está relacionada à segurança pública, não cabendo a atuação da Justiça Militar.
Fonte: MPF

terça-feira, 7 de novembro de 2017

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Manual para la aplicación del control de convencionalidad

Manual auto-formativo para la aplicación del control de convencionalidad dirigido a operadores de justicia
Para descargarlo gratuitamente, por favor llene el formulario disponible aquí
Fonte: IIDH

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

O poder/dever de realizar controle de convencionalidade

Os tratados internacionais de direitos humanos que integram o bloco de constitucionalidade — e não apenas os tratados com força expressa de Emenda Constitucional (art. 59-, § 29, da CF) — exercem força normativa capaz de controlar as demais espécies normativas.
Este sistema adquire especial relevo no que se refere ao sistema interamericano, cujos órgãos centrais são a Comissão (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Este sistema consolida uma espécie de constitucionalismo regional que tutela os direitos humanos das populações da região com os propósitos de (a) promover os direitos humanos no plano interno dos Estados e (b) prevenir recuos e retrocessos no regime de proteção de direitos.
O Estado brasileiro, em função do ingresso no sistema, passou a aceitar o monitoramento internacional sobre o respeito dos direitos humanos em seu território, com responsabilidade de tutela originária, sendo a ação internacional suplementar, adicional e subsidiária.
Atribuir o sentido hermenêutico adequado às normas internas aos tratados de direitos humanos constitui parte da importante função de controle de convencionalidade das leis, o que se pode fazer, também de forma difusa (todos os integrantes do Judiciário), emprestando o conteúdo adequado e recusando normas por anticonvencionais. Isto tem o significado de se reforçar um sistema que coloca o homem como centro do ordenamento.
Os tribunais locais, de acordo com Mazzuoli, não requerem qualquer autorização internacional para fazer tal controle. Isto significa que os tratados internacionais podem ter eficácia paralisante das demais espécies normativas domésticas “cabendo ao juiz coordenar essas fontes (internacionais e internas) e escutar o que elas dizem”.
Por outro lado, cabe ao STF realizar um controle concentrado de convencionalidade, em função de que os tratados de direitos humanos agora podem ser aprovados pelo rito do art. 59, § 39- da Constituição (uma vez ratificados pelo Presidente, após esta aprovação qualificada).
Podem-se citar dois julgamentos paradigmáticos em que esta técnica foi utilizada no STF: a questão do diploma de jornalista e a impossibilidade de prisão civil do depositário infiel. No primeiro caso, decidiu-se pela invalidade da exigência do diploma de jornalismo e registro profissional no Ministério do Trabalho como condição para o exercício da profissão de jornalista. Segundo o STF, estas exigências contrariam a liberdade de imprensa e o direito à livre manifestação do pensamento inscrita no artigo 13 do Pacto de São José da Costa Rica. No segundo caso, com base no Artigo VI do mesmo Pacto, o STF decidiu que é ilícita a prisão civil do depositário, qualquer que seja a modalidade do depósito.
Os magistrados estaduais do Rio Grande do Sul, considerando a importância da afirmação deste sistema regional de direitos humanos, aprovaram no último congresso estadual, realizado em Santana do Livramento, uma tese que contemplou esta preocupação e estimula o estudo e o debate da jurisprudência da Corte Interamericana:
Todo o magistrado, além do poder/dever do controle de constitucionalidade, tem o poder/dever de realizar o controle de convencionalidade, especialmente aplicando a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, tendo como parâmetro a jurisprudência desenvolvida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Por Gilberto Schäfer, Juiz de Direito e vice-presidente Administrativo da AJURIS.

Para acessar a publicação, clique AQUI.
Fonte: AJURIS

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Controle de convencionalidade deve ser do Estado, diz vice da Corte IDH

O vice-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Eduardo Ferrer, disse nesta terça-feira (7/6) que o controle de convencionalidade de tratados internacionais assinados pelo Brasil, especialmente os de direitos humanos, é tarefa de todo o Estado Brasileiro, e não apenas do Judiciário. Ele fez a afirmação durante o evento “O Direito Internacional dos Direitos Humanos em Face do Poderes Judiciais Nacionais”, realizado conjuntamente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na sede do Conselho.
De acordo com Ferrer, embora a figura do controle de convencionalidade tenha se consolidado nos cenários nacionais a partir das cortes supremas de Justiça, ela deve ter sua extensão e cultura ampliadas, não se limitando ao poder judicial, mas alcançando outros órgãos que integram a estrutura de um Estado. “Todas as autoridades podem, senão devem, exercer o controle de convencionalidade”, afirmou.

O controle de convencionalidade é a forma de garantir a aplicação interna das convenções internacionais das quais os países são signatários, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada em 1969 e ratificada pelo Brasil em 1992. Em 2008, o STF entendeu que os tratados internacionais sobre matéria de direitos humanos assinados pelo Brasil têm natureza supralegal – em 2004, a Emenda Constitucional 45 havia estabelecido que esses tipos de tratados teriam valor de emenda à Constituição, caso aprovados em dois turnos de votação por três quintos dos membros de cada uma das casas do Congresso Nacional (Art. 5º, §3º).

O vice-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos lembrou que a doutrina do controle de convencionalidade vem sendo reiterada pelo colegiado há 10 anos, e está detalhada em sentenças e consultas opinativas. Ele destacou que o controle não se restringe, portanto, aos casos contenciosos, mas também está presente em opiniões consultivas, tendo como uma de suas principais consequências os efeitos de interpretação que assinalam para os demais estados sob jurisdição da Corte. 

Ele ainda observou que, entre os objetivos do controle de convencionalidade, está o de garantir a efetividade de direitos e prevenir que normas internas sejam incompatíveis com o Pacto de San José. “Há vários precedentes nesse sentido, pois (o controle) serve como uma ponte que permite que as autoridades de todos os países atuem protegendo os direitos humanos. E a doutrina busca fomentar a complementariedade entre os sistemas nacionais e o interamericano compondo um sistema capaz de assegurar a proteção dos direitos fundamentais”, destacou. 

Eduardo Ferrer divulgou a importância de os Estados sob jurisdição do órgão consultarem os Cadernos de Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Publicados em 2015, os nove volumes dos Cadernos reúnem 37 anos de jurisprudência em 201 casos resolvidos e 21 opiniões consultivas em temas como gênero, migrantes e desaparecimento forçado. A jurisprudência sobre controle de convencionalidade está reunida no sétimo caderno.
Tradução - Atualmente, o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema Socioeducativo do CNJ está traduzindo a jurisprudência e as opiniões consultivas da Corte IDH do ano de 2014. A ação, que deve ser concluída até agosto, concretiza acordo assinado recentemente pelo presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, e pelo presidente da Corte IDH, Roberto Caldas.
Acesse aqui o álbum de fotos do evento.

Deborah Zampier 
Agência CNJ de Notícias
Fonte: CNJ

sexta-feira, 22 de abril de 2016

O STF pode lançar mão de normas internacionais para julgar os crimes da ditadura

A Convenção Americana de Direitos Humanos, além de seus protocolos e as sentenças da Corte IDH, forma o que se denomina “bloco de convencionalidade [1]”, que se faz paradigma de controle de validade de atos em sentido lato (sentenças, leis, atos administrativos, constituições) expedidos pelos estados nacionais e submetidos ao sistema americano de direitos humanos.
O controle de convencionalidade tem fundamento jurídico nos artigos 1.1º, 2º e 63 da CADH, visto que se baseia na condição obrigatória que assumem os Estados-partes do SIDH de fazer com que o seu direito interno esteja de acordo [2].
Compõem também o bloco de convencionalidade as demais convenções interamericanas, bem como tratados internacionais que, pela cláusula de interpretação do art. 29, podem ser invocados e aplicados, desde que mais favoráveis à pessoa ou menos restritivos em direitos.
No HC 91657, em caso envolvendo o direito à liberdade provisória com revogação de prisão preventiva para extradição, o STF, aplicou o art. 7º, n. 5, da Convenção Interamericana em interpretação conjugada com o art. 5º, LXVI, da Constituição Federal, conforme ementa:
“Em nosso Estado de Direito, a prisão é uma medida excepcional e, por essa razão, não pode ser utilizada como meio generalizado de limitação das liberdades dos cidadãos.
E não vejo razão, tanto com base em nossa Carta Magna, quanto nos tratados internacionais com relação ao respeito aos direitos humanos e dignidade da pessoa humana de que somos signatários, para que não apliquemos tal entendimento no que concerne àquelas prisões preventivas para fins de extradição.
O pacto de San José da Costa Rica, celebrado com a finalidade de evitar a perpetuação da cultura da impunidade quanto à violação de direitos e garantias fundamentais nos âmbitos nacionais, e ratificado pelo Governo Brasileiro, proclama a liberdade provisória como direito fundamental da pessoa humana, e, como tal, tem caráter de universalidade e transnacionalidade”. [3]
O STF utiliza-se do bloco de constitucionalidade para aplicar ou referir a Convenção Americana de Direitos Humanos, nem sempre se prestando a reverenciar a jurisprudência interamericana, mas pode-se dizer que no caso referido houve controle de convencionalidade concomitante à interpretação constitucional.
Noutros casos, alguns julgados e opiniões consultivas da Corte IDH apareceram na jurisprudência do STF, sempre no bojo ou em meio à interpretação de direitos e garantias constitucionais, como ocorreu na dispensa de exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista (RE 511.961), em que é feita menção a uma Opinião Consultiva (OC-5/85, de 13 de novembro de 1985), posto que esta declarou incompatibilidade entre o art. 13 da Convenção Americana e a obrigatoriedade de diploma de jornalista.
Por fim, diga-se que além dos tratados internacionais, da jurisprudência interamericana, incluídas aí as Opiniões Consultivas, integram também o bloco de convencionalidade as chamadas normas de ius cogens.
A noção de norma imperativa de direito internacional geral está no art. 53 da Convenção de Viena (Decreto 7.030 de 14 de dezembro de 2009):
“É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.”
Para que uma norma internacional seja considerada de ius cogens, imperativa, deve assim ser reconhecida pela comunidade internacional (“um conjunto qualificado de Estados”), o que implica sua aceitação sem acordo em contrário e que esta norma só pode ser modificada por norma da mesma natureza, remanescendo a discussão se as normas ius cogens são costumeiras, ou se também encontradiças em tratados, e em que medida estas normas também possam ser consideradas por ius cogens regionais [4].
No caso Masacre Plan de Sánchez vs. Guatemala, Sentença de 29 de abril de 2004, no voto razonado de Antonio Cançado Trindade, parágrafo 14, extrai-se que:
“Violaciones graves de los derechos humanos, actos de genocidio, crímenes contra la humanidad, entre otras atrocidades, son violadores de prohibiciones absolutas, del jus cogens.” [5]
Portanto, se houve violações de tais normas de ius cogens, mesmo que ausente convenção ou tratado específico, dado se tratar, em grande maioria, de costumes internacionais, por parte do Estado Brasileiro durante o regime militar, é o que o STF deverá dizer a respeito, enfrentando o tema do ius cogens, quando do julgamento da ADPF 320 e dos embargos da ADPF 153, sobre a convencionalidade da lei de anistia brasileira.
Sobre o tema, ainda que na esfera da responsabilidade civil, não ainda na criminal, o STJ já declarou ser imprescritível a ação declaratória de “relação jurídica de responsabilidade do réu por danos morais decorrentes da prática de tortura”, afirmando que “deve ser reconhecido também o direito individual daqueles que sofreram diretamente as arbitrariedades cometidas durante o regime militar de buscar a plena apuração dos fatos, com a declaração da existência de tortura e da responsabilidade daqueles que a perpetraram” [6].
Luiz Guilherme Arcaro Conci é professor da Faculdade de Direito da PUC-SP, onde coordena o curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Constitucional. Professor Titular de Ciência Política e Teoria do Estado da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo – Autarquia Municipal. Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP, com estágio pós-doutoral na Universidade Complutense de Madri (2013-2014). Foi Presidente da Coordenação do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (2013-2015). Tem participado de cursos, publicações, pesquisas e eventos acadêmicos na América Latina e na Europa discutindo temas ligados aos direitos humanos no espaço latino-americano. É Advogado e Consultor Jurídico.
Konstantin Gerber é advogado Consultor em São Paulo, mestre e doutorando em filosofia do direito pela PUC-SP, onde integra o grupo de pesquisas em direitos fundamentais. É professor convidado do curso de especialização em Direito Constitucional da PUC-SP.

REFERÊNCIAS
1 FERRER-MAC GREGOR, Eduardo. Interpretación conforme y control difuso de convencionalidad. El nuevo paradigma para el juez mexicano. Disponívelem http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/7/3033/14.pdf
2 Sobre os dois artigos da CADH, vale lembrar voto dissidente do Juiz Cançado Trindade em Caballero Delgado y Santana versus Colombia (Sentencia sobre reparações de 29.01.1997) em que trata da interrelação entre os artigos 1.1 e 2 da CADH: "En realidad, estas dos obligaciones generales, - que se suman a las demás obligaciones convencionales, específicas, en relación con cada uno de los derechos protegidos, - se imponen a los Estados Partes por la aplicación del propio Derecho Internacional, de un principio general (pacta sunt servanda) cuya fuente es metajurídica, al buscar basarse, mas allá del consentimiento individual de cada Estado, en consideraciones acerca del carácter obligatorio de los deberes derivados de los tratados internacionales. En el presente dominio de protección, los Estados Partes tienen la obligación general, emanada de un principio general del Derecho Internacional, de tomar
todas las medidas de derecho interno para garantizar la protección eficaz (effet utile) de los derechos consagrados. Las dos obligaciones generales consagradas en la Convención Americana - la de respetar y garantizar los derechos protegidos (artículo 1.1) y la de adecuar el derecho interno a la normativa internacional de protección (artículo 2) - me parecen ineluctablemente interligadas. (...) Como estas normas convencionales vinculan los Estados Partes - y no solamente sus Gobiernos, - también los Poderes Legislativo y Judicial, además del Ejecutivo, están obligados a tomar las providencias necesarias para
dar eficacia a la Convención Americana en el plano del derecho interno. de las obligaciones convencionales, como se sabe, compromete la responsabilidad internacional del Estado, por actos u omisiones, sea del Poder Ejecutivo, sea del Legislativo, sea del Judicial. En suma, las obligaciones internacionales de protección, que en su amplio alcance vinculan conjuntamente todos los poderes del Estado (...)"
3 BRASIL. STF. HC 91.657/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 13/09/07, pp. 312-313.
4 ALVARADO, Paola Andrea Acosta. El derecho de acceso a la justicia em la jurisprudencia interamericana. Universidad Externado de Colombia, Bogotá: 2007, pp. 91-95
5 CIDH, Masacre Plan de Sánchez vs. Guatemala, Sentença de 29 de abril de 2004, p. 6
6 STJ, REsp 1434498/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, julgado em 09/12/2014.

Fonte: Justificando

terça-feira, 22 de março de 2016

O dever do STF de controlar a convencionalidade

Em seu último livro “A Corte Suprema americana, o direito americano e o mundo” [1], Stephen Breyer, juiz desse Tribunal, diz que se houve tempo em que a Suprema Corte dos EUA inclinou-se às violações de direitos fundamentais, como ocorreu com relação às liberdade públicas ordinárias durante a primeira guerra mundial, tal posição mudou ao longo do Século XX.
Especialmente a partir do final da Segunda Guerra Mundial, segundo Breyer, a Corte Suprema daquele País passou a reconhecer a necessidade de controlar os poderes do Presidente da República, como ocorreu no julgamento de vários casos relativos à detenção dos “inimigos combatentes ilegais” de Guantânamo.
Sem desconhecer que as ameaças globais, como a do terrorismo, têm poucas chances de se manifestar por uma declaração de guerra, Breyer afirma que a Corte Suprema americana deve adquirir conhecimento de tais ameaças e de como os outros Países respondem a tais problemas. E remarca: “O desejo de estar à altura dos problemas constitucionais inéditos nos obriga a melhor compreender e a ter em conta o mundo e o direito para além das nossas fronteiras”.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Pacto de San José impõe limites à regressão prisional ao regime mais gravoso

Motivado pela decisão do Doutrinador (e Juiz do TJSC) Alexandre Morais da Rosa, a respeito do controle de convencionalidade realizado sobre o crime de desacato[1], previsto no art. 331, do CP (clique aqui); motivado, ainda, pela fundada crítica do Doutrinador (e Promotor de Justiça do Estado de Goiás) Haroldo Caetano, a respeito do verbete de nº 534[2], da Súmula do STJ (clique aqui), exponho, singelamente e sem a pretensão de apresentar qualquer versão definitiva sobre a temática, uma preocupação no tocante à aplicação da regressão de regime de cumprimento da pena, prevista no art. 118, I, da Lei nº: 7.210/1984[3], diante do art. 9º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos[4].
A questão que se coloca é:
Realizado juízo de convencionalidade, ainda é possível, ante a prática de falta disciplinar de natureza grave, regredir o apenado para regime mais gravoso do que aquele estabelecido na sentença condenatória exequenda?
No STF a jurisprudência dominante é no sentido de que a regressão, ainda que para regime mais gravoso, é possível (a título exemplo cito: HC nº: 85.49 e HC nº: 83.506).
A propósito, embora vencida, a Ministra Ellen Gracie, ao proferir voto no HC de nº: 93.761 (aqui utilizado como paradigma[5]), revelou as razões jurídicas pelas quais a indagação inicial, no seu ponto de vista, mereceria resposta afirmativa, valendo registrar, nessa toada, que os fundamentos utilizados pela d. Ministra servem de base até hoje para a formação do entendimento majoritário no Supremo, no STJ e em vários Tribunais locais.
Em resumo, Sua Exa. declinou que a regra do art. 118, I, da LEP, não é obstáculo à alteração do regime de cumprimento de pena privativa de liberdade, ainda que para regime mais gravoso do que aquele fixado na sentença condenatória, desde que verificado alguns dos pressupostos lá previstos. Ou seja, havendo falta grave (conforme anota o nº: I, do art. 118, por exemplo), é possível a regressão para regime mais austero que o inicialmente estabelecido na condenatória.
Utiliza-se, para a conclusão acima, o critério de interpretação sistemática entre o art. 33[6], do CP e o art. 118, LEP. Assim, uma vez que o Código Penal autoriza expressamente, mesmo nos casos de detenção (onde o regime mais gravoso, de regra, é o semiaberto), a transferência para o regime fechado, tal interpretação, analogicamente (?), deve(ria) ser aplicada à Lei de Execuções Penais.
Fala-se, então, que, no âmbito penal, a sentença condenatória transita em julgado com cláusula rebus sic stantibus. Assim, para essa corrente, a sentença será imutável enquanto os fatos permanecerem como se encontravam no início da execução. Portanto, a alteração da situação inicial impõe ao juiz da execução a adoção de medidas necessárias de modo a adaptar o pronunciamento judicial à nova realidade e aqui se inclui, então, a modificação gravosa do regime inicialmente fixado.
Em conclusão, afirmou a emitente Ministra Ellen, o fato de ter sido estabelecido inicialmente um determinado regime de cumprimento da pena privativa de liberdade não é obstáculo para que, seja para fins de progressão ou regressão, haja alteração.
Verifica-se, pois, que a intepretação sistemática citada pela Ministra Ellen tem por base norma infraconstitucional, isto é, os arts. 33, do CP, e 118, da LEP. Assim, renovo a indagação introdutória: ante o status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil (e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos é um desses tratados – Decreto nº: 678/1992), é possível continuar afirmando que, em razão do cometimento de falta disciplinar de natureza grave, o condenado pode sofrer regressão para regime mais gravoso do que aquele estabelecido na sentença condenatória?
A propósito do tema controle de convencionalidade, DA ROSA[7] afirma que“o controle de compatibilidade das leis não se trata de mera faculdade conferida ao julgador singular, mas sim de uma incumbência, considerado o princípio da supremacia da Constituição” (...). Portanto, segue o eminente Professor, “cabe ainda frisar que, no exercício de tal controle, deve o julgador tomar como parâmetro superior do juízo de compatibilidade vertical não só a Constituição da República (no que diz respeito, propriamente, ao controle de constitucionalidade difuso), mas também os diversos diplomas internacionais, notadamente no campo dos Direitos Humanos, subscritos pelo Brasil, os quais, por força do que dispõe o art. 5º, §§ 2º e 3º, da Constituição da República, moldam o conceito de “bloco de constitucionalidade” (parâmetro superior para o denominado controle de convencionalidade das disposições infraconstitucionais)”.
Sob essa perspectiva é que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário de nº: 349.703, confirmou a superioridade dos Tratados de Direitos Humanos em relação à legislação infraconstitucional. Vejamos (apenas na parte que interessa):
“PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002). [...]. Destaquei.
- Ementa do RE 349703. Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008.
Pois bem. Se é verdade, como afirma o STF, que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos está em posição de superioridade em relação à legislação infraconstitucional, portanto, prevalece sobre o Código Penal e sobre a Lei de Execuções Penais, a regressão para regime mais severo, com base na interpretação sistemática dos arts. 33, do CP e 118, I, da LEP, perde força.
Ora, o art. 9º da Convenção é expresso ao proibir a imposição de pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Assim, se na sentença condenatória transitada em julgado foi estabelecido, por exemplo, o regime semiaberto, ao juiz da execução penal, realizado o devido controle de convencionalidade do art. 118, I, da LEP, não seria mais possível regredir o apenado para o regime fechado. Prevê o art. 9º do Pacto de San José da Costa Rica:
Artigo 9º - Princípio da legalidade e da retroatividade
Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o direito aplicável. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o deliquente deverá dela beneficiar-se. (Destaquei)
E não cabe aqui o argumento simplório de que o art. 9º acima citado fala em “pena mais grave” e não em “regime mais grave”. Primeiro, porque a fixação do regime de resgate da pena está no Capítulo III, do Código Penal, na parte que trata da APLICAÇÃO DA PENA; segundo, porque a hipótese do nº I, do art. 118, da LEP, nada mais é do que sanção em razão do reconhecimento da falta disciplinar grave, conforme referido no parágrafo único, do art. 48, da Lei nº 7.210/84 e reconhecida como tal pelo próprio STF (HC nº: 93.782).
Ainda a respeito da superioridade dos tratados internacionais de direitos humanos sobre a legislação infraconstitucional que com eles conflitem, vale citar a audiência de custodia, prática que tem como um dos principais fundamentos a letra do art. 7.5[8] da Convenção Americana sobre Direitos Humanos que, no caso, prepondera sobre as disposições do Código de Processo Penal referente à apresentação do preso em flagrante delito. Não por outra razão, portanto, é que o CNJ pretende transformar tal prática em política institucional do Poder Judiciário (clique aqui).
Nesse caminhar, ganha fôlego a tese do Ministro Eros Grau, também exposta no HC nº: 93.761 acima mencionado.
Segundo Sua Exa. o regime de cumprimento fixado na sentença é o parâmetro para a progressão ao regime mais benéfico, desde que cumpridos os requisitos estabelecidos no art. 112, da LEP. Caso o condenado obtenha progressão de regime e, em seguida, pratique falta grave, deve regredir para o regime anterior, nos termos do art. 118, I, também da LEP.
Destarte, fixado determinado regime na sentença e esta tendo transitado em julgado, afirma o Min. Eros, não é permitida a regressão a regime mais gravoso. Não é lógico, continua o Ministro, admitir que a condenação do réu se torne mais severa, na fase de execução da pena, por ter ele praticado falta grave. A falta grave, nessa situação, serviria para determinar-se a recontagem do prazo necessário à progressão; não para impor regressão a regime mais gravoso que o fixado na sentença. É ilógico, concluiu Sua Exa., que o apenado possa regredir de regime sem ter progredido.
A respeito do tema, porém com outro fundamento, assim já decidiu o TJRS:
“Ementa: REGRESSÃO DE REGIME. FALTA GRAVE. PROCEDIMENTO DISCIPLINAR HOMOLOGADO. AUDIÊNCIA PREVISTA NO ART. 118, § 2º, DA LEP NÃO DESIGNADA. DESNECESSIDADE. REGRESSÃO INCABÍVEL. IMPOSSIBILIDADE DE CONDUZIR O APENADO A REGIME MAIS RIGOROSO DO QUE O ESTABELECIDO NA SENTENÇA. LIMITES OBJETIVOS DA PENA. Agravo improvido. (Agravo Nº 70017949884, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Bandeira Scapini, Julgado em 12/04/2007).”
Destarte, à guisa de conclusão, se o Pacto de São José da Costa Rica, como reconhecido pelo STF, é superior à legislação infraconstitucional, o seu conteúdo (do Tratado), obrigatoriamente, deve ser levado em consideração pelo julgador no momento de proferir qualquer decisão, principalmente quando essa decisão for restritiva de direitos.
Assim, a resposta que tenho para a indagação inicial é negativa!
Gleucival Zeed Estevão é juiz de direito substituto pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia e membro do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário no âmbito do Poder Judiciário do Estado de Rondônia – GMF/RO; já ocupou o cargo de juiz de direito pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará.

[1] No processo de nº: 0067370-64.2012.8.24.0023, da Comarca de Florianópolis, DA ROSA absolveu um cidadão acusado da prática do crime de desacato, concluindo, após realizar juízo de convencionalidade a respeito do art. 331, do Código Penal, que a conduta imputada é atípica.
[2] “A prática de falta grave interrompe a contagem do prazo para a progressão de regime de cumprimento de pena, o qual se reinicia a partir do cometimento dessa infração” (REsp 1.364.192).
[3] Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:
I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave; (Destaquei).
II - sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime (artigo 111).
§ 1° O condenado será transferido do regime aberto se, além das hipóteses referidas nos incisos anteriores, frustrar os fins da execução ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta.
§ 2º Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior, deverá ser ouvido previamente o condenado.
[4] Artigo 9º - Princípio da legalidade e da retroatividade
Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o direito aplicável. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o deliquente deverá dela beneficiar-se.
[5] “EMENTA: HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. SENTENÇA DETERMINANDO O INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME SEMI-ABERTO. FALTA GRAVE. REGRESSÃO DE REGIME. IMPOSSIBILIDADE. Sentença transitada em julgado determinando o início do cumprimento da pena em regime-semi-aberto. Regressão de regime em razão da prática de falta grave [o paciente foi beneficiado com a saída temporária e não retornou]. Impossibilidade da regressão de regime do cumprimento da pena: a regressão de regime sem que o réu tenha sido beneficiado pela progressão de regime afronta a lógica. A sanção pela falta grave deve, no caso, estar adstrita à perda dos dias remidos. Ordem concedida.” (HC 93761, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 05/08/2008, DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-05 PP-01061).
[6] Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. (grifei).
[7] Idem nota 1 (disponível em http://emporiododireito.com.br/desacato-nao-e-crime-diz-juiz-em-controle-de-convencionalidade/).
[8] Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal
[...]
5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

Fonte: Justificando

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Desacato não é crime, diz Juiz em controle de convencionalidade

O Juiz Alexandre Morais da Rosa, no julgamento dos autos n. 0067370-64.2012.8.24.0023da comarca da Capital de Santa Catarina – Florianópolis -, efetuando controle de convencionalidade, reconheceu a inexistência do crime de desacato em ambiente democrático. Invocando a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, afastou a incidência do disposto no art. 331 do CP. A íntegra da decisão segue abaixo. Confira

Autos n. 0067370-64.2012.8.24.0023
Ação: Ação Penal – Procedimento Sumário/PROC
Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Acusado: A. S. dos S. F.

Vistos para sentença.
I – Relatório.
O representante do Ministério Público em exercício nesta Unidade ofereceu denúncia contra A. S. dos S. F., já qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do art. 329 e 331, tendo em vista os atos delituosos assim narrados na peça acusatória (fls. 02-03):
No dia 15 de janeiro de 2012, por volta das 04h48min, na Avenida das Nações, em frente à Base de Canasveiras, nesta Capital, policiais militares encontravam-se em policiamento ostensivo quando avistaram uma briga generalizada, envolvendo diversas pessoas, e que, diante da intervenção policial, a contenda foi apaziguada, acalmando-se os ânimos de todos, com exceção do denunciado A. S., que mostrava-se ainda agressivo e gritando muito. Ao ser-lhe solicitado que se acalmasse, o denunciado, em tom de deboche, afirmou “que não gostava de polícia e que eram todos lotes de bichos, arrogantes e que não serviam para nada”, negando-se a prestar qualquer esclarecimento sobre a briga, “muito menos para uma policial feminina, porque mulher era para estar em casa dormindo”. Ao ser informado de que estava preso em razão do desacato proferido, o denunciado tentou fugir, mas mesmo detido em seguida, resistiu fortemente à prisão, com socos e empurrões, sendo necessária a atuação de quatro policiais para contê-lo. Mesmo após detido e algemado, o denunciado apresentou resistência e continuou a ofender os policiais militares, tudo na presença de diversas pessoas que acudiram ao acontecimento.
Certificados os antecedentes criminais do acusado (fls. 10-11).
A denúncia foi recebida em 29 de abril de 2013.
Citado (fl. 43), o acusado, por meio de defensor público, apresentou resposta à acusação (fl. 50-51).
Recebida a resposta à acusação e, não sendo o caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento para o dia 10/09/2013, às 15h30min (fls. 53).
Realizada a instrução, foram ouvidas testemunhas e foi realizado o interrogatório do acusado, sendo os depoimentos gravados em meio audiovisual (fls. 74 e 86).
O Ministério Público, em alegações finais, requereu a condenação do acusado nas sanções dos art. 331 e absolvição da imputação do crime de resistência previsto no art. 329 do Código Penal (fls. 95-101 ). A defesa, por sua vez, postulou pela absolvição do acusado, aduzindo ausência de dolo (fls. 103-113).
Os autos vieram conclusos.
É o breve relatório.
II – Fundamentação
Trata-se de ação penal de iniciativa pública incondicionada promovida pelo Ministério Público em desfavor de A. S. dos S. F., na qual lhe é imputada a prática do crime de desacato, assim descrito no art. 331 do Código Penal: “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela”; trata-se, conforme assinala a doutrina, de crime formal, comum, unissubjetivo, unissubsistente e de menor potencial ofensivo, tendo como fundamento teleológico a proteção da dignidade da Administração Pública e do exercício do Serviço Público.
Isso posto, importa destacar, de início, que o controle de compatibilidade das leis não se trata de mera faculdade conferida ao julgador singular, mas sim de uma incumbência, considerado o princípio da supremacia da Constituição (http://www.conjur.com.br/2015-jan-02/limite-penal-temas-voce-saber-processo-penal-2015). Cabe ainda frisar que, no exercício de tal controle, deve o julgador tomar como parâmetro superior do juízo de compatibilidade vertical não só a Constituição da República (no que diz respeito, propriamente, ao controle de constitucionalidade difuso), mas também os diversos diplomas internacionais, notadamente no campo dos Direitos Humanos, subscritos pelo Brasil, os quais, por força do que dispõe o art. 5º, §§ 2º e 3º[1], da Constituição da República, moldam o conceito de “bloco de constitucionalidade” (parâmetro superior para o denominado controle de convencionalidade das disposições infraconstitucionais).
Nesse sentido, como bem anota Flavia Piovesan[2]:
O Direito Internacional dos Direitos Humanos pode reforçar a imperatividade de direitos constitucionalmente garantidos – quando os instrumentos internacionais complementam dispositivos nacionais ou quando estes reproduzem preceitos enunciados na ordem internacional – ou ainda estender o elenco dos direitos constitucionalmente garantidos – quando os instrumentos internacionais adicionam direitos não previstos pela ordem jurídica interna.
No que concerne especificamente ao chamado controle de convencionalidade das leis, inarredável a menção ao julgamento do Recurso Extraordinário 466.343, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, no qual ficou estabelecido o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal no que diz respeito à hierarquia das normas jurídicas no direito brasileiro. Assentou o STF que os tratados internacionais que versem sobre matéria relacionada a Direitos Humanos têm natureza infraconstitucional e supralegal – à exceção dos tratados aprovados em dois turnos de votação por três quintos dos membros de cada uma das casas do Congresso Nacional, os quais, a teor do art. 5º, §3º, CR, os quais possuem natureza constitucional.
Trata-se de entendimento pacífico do Pretório Excelso, como se pode inferir do seguinte julgado:
PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5o DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988.POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002). […] (RE 349703. Relator: Min. Carlos Ayres Britto) – grifo nosso.
Por conseguinte, cumpre ao julgador afastar a aplicação de normas jurídicas de caráter legal que contrariem tratados internacionais versando sobre Direitos Humanos, destacando-se, em especial, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de São José da Costa Rica), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 (PIDESC), bem como as orientações expedidas pelos denominados “treaty bodies” – Comissão Internamericana de Direitos Humanos e Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, dentre outros – e a jurisprudência das instâncias judiciárias internacionais de âmbito americano e global – Corte Interamericana de Direitos Humanos e Tribunal Internacional de Justiça da Organização das Nações Unidas, respectivamente.
Nesse sentido, destaque-se que no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos[3] foi aprovada, no ano 2000, a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, tendo tal documento como uma de suas finalidades a de contribuir para a definição da abrangência do garantia da liberdade de expressão assegurada no art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos. E, dentre os princípios consagrados na declaração, estabeleceu-se, em seu item “11”, que “as leis que punem a expressão ofensiva contra funcionários públicos, geralmente conhecidas como ‘leis de desacato‘, atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação.”
Considerada, portanto, a prevalência do art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos sobre os dispositivos do Código Penal, é inarredável a conclusão de Galvão[4] de que a condenação de alguém pelo Poder Judiciário brasileiro pelo crime de desacato viola o artigo 13 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, consoante a interpretação que lhe deu a Comissão Interamericana de Direitos Humanos”.
Em que pese reconhecer-se a inexistência, a priori, de caráter vinculante na interpretação do tratado operada pela referida instituição internacional, filio-me ao entendimento apresentado, considerando, antes de tudo, os princípios da fragmentariedade e da interferência mínima, os quais impõem que as condutas de que deve dar conta o Direito Penal são essencialmente aquelas que violam bens jurídicos fundamentais, que não possam ser adequadamente protegidos por outro ramo do Direito. Nesse prisma, tenho que a manifestação pública de desapreço proferida por particular, perante agente no exercício da atividade Administrativa, por mais infundada ou indecorosa que seja, certamente não se consubstancia em ato cuja lesividade seja da alçada da tutela penal. Trata-se de previsão jurídica nitidamente autoritária – principalmente em se considerando que, em um primeiro momento, caberá à própria autoridade ofendida (ou pretensamente ofendida) definir o limiar entre a crítica responsável e respeitosa ao exercício atividade administrativa e a crítica que ofende à dignidade da função pública, a qual deve ser criminalizada. A experiência bem demonstra que, na dúvida quanto ao teor da manifestação (ou mesmo na certeza quanto à sua lidimidade), a tendência é de que se conclua que o particular esteja desrespeitando o agente público – e ninguém olvida que esta situação, reiterada no cotidiano social, representa infração à garantia constitucional da liberdade de expressão.
É certo que, paulatinamente, o entendimento emanado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos deverá repercutir na jurisprudência interna dos Estados americanos signatários do Pacto de São José da Costa Rica – sobretudo em Estados que, como o Brasil, são também signatários da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, cujo art. 27 prescreve que “uma Parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o descumprimento de um tratado.” A título de exemplo, destaco que, precisamente pelos fundamentos alinhavados pela Comissão, a Suprema Corte de Justiça do Estado de Honduras, em 19 de maio de 2005, e a Corte de Constitucionalidade da República de Guatemala, em 1º de Fevereiro de 2006, julgaram inconstitucionais os tipos penais dos respectivos ordenamentos jurídicos correlatos ao crime de desacato previsto na legislação brasileira.
A respeito, convém destacar as razões invocadas pela Corte de Constitucionalidade da República de Guatemala[5]:
El texto de los artículos 411 y 412 impugnados es el siguiente:
“Artículo 411. (Desacato a los Presidentes de los Organismos de Estado) Quien ofendiere en su dignidad o decoro, o amenazare, injuriare o calumniare a cualquiera de los Presidentes de los Organismos de Estado, será sancionado con prisión de uno a tres años.
Artículo 412. (Desacato a la autoridad) Quien amenazare, injuriare, calumniare o de cualquier otro modo ofendiere en su dignidad o decoro, a una autoridad o funcionario en el ejercicio de sus funciones o con ocasión de ellas, será sancionado con prisión de seis meses a dos años.”
En ambas regulaciones se pueden advertir algunos puntos coincidentes, como lo son: a) sujeto activo o titular: funcionarios públicos, cuya denominación también abarca a los Presidentes de los Organismos de Estado; b) sujeto pasivo: un particular, que ostente capacidad de goce y ejercicio; y c) elemento material: ofensa a la dignidad y decoro, cuya determinación comporta aspectos plenamente subjetivos, sobre todo si el señalamiento o imputación se originan por la crítica política que siempre va a implicar juicios de valor heterogéneos; amenaza, que si se trata de intimación con la realización de un mal directamente a la persona, ya está sancionada como ilícito penal en el artículo 215 del Código Penal; e injuria o calumnia, que si se determina que éstas fueron dirigidas con evidente ánimo dañoso del honor de una persona, también se encuentran sancionadas penalmente en los artículos 159 y 161 del citado Código; y que si son punibles de la manera en la que están regulados en los artículos 411 y 412 antes citados, pueden ser utilizados como un método para reprimir la crítica y los juicios de valores y opiniones de personas que pudiera considerarse como adversarios políticos.
En consecuencia, no existe un bien jurídico que merezca la tutela que se pretende al instituir los tipos penales contenidos en los artículos 411 y 412 antes citados, generando una protección adicional respecto de críticas, imputaciones o señalamientos de la que no disponen los particulares y un efecto disuasivo en quienes deseen participar en el debate público, por temor a ser objeto de sanciones penales aplicadas conforme una ley que carece de la debida certeza entre los hechos y los juicios de valor. Es pertinente acotar que desde mil novecientos sesenta y cuatro la Corte Suprema de Justicia de los Estados Unidos, en su sentencia en el caso New York Times vs Sullivan (376 U.S. 254, 1964) estableció que el Estado debe garantizar la libertad de expresión, incluso en sus leyes penales, por “un compromiso nacional profundo con el principio de que el debate sobre los asuntos de interés público debe ser desinhibido, robusto, y absolutamente abierto, por lo que perfectamente puede incluir fuertes ataques vehementes, casuísticos y a veces desagradables contra el gobierno y los funcionarios públicos”. Dicha Corte sostuvo, en ese fallo, que las leyes que penalicen la difamación no se pueden referir a una crítica general al gobierno o de sus políticas, pues los ciudadanos son libres de divulgar información cierta sobre sus funcionarios, lo cual también es compartido por este Tribunal.
Tampoco es ajeno a esta Corte el que desde mil novecientos noventa y cinco, la Comisión Interamericana de Derechos Humanos haya considerado que las leyes que establecen el delito de Desacato son incompatibles con el artículo 13 de la Convención Americana de Derechos Humanos, al haberse determinado que no son acordes con el criterio de necesidad y que los fines que persiguen no son legítimos, por considerarse que este tipo de normas se prestan para abuso como un medio para silenciar ideas y opiniones impopulares y reprimen el debate necesario para el efectivo funcionamiento de las instituciones democráticas. (Vid. Informe sobre la Incompatibilidad entre las leyes de desacato y la Convención Americana sobre Derechos Humanos, OEA/Ser.L/V/II.88, Doc. 9 Rev. [1995] 17 de febrero de 1995).
Al atender las citas doctrinarias y jurisprudenciales antes citadas, y aplicar lo extraído de ellas en función de lo regulado en los artículos 411 y 412 del Código Penal, este tribunal concluye indefectiblemente que tal regulación no guarda conformidad con el contenido del artículo 35 constitucional; y de ahí que por tratarse aquéllos de normas preconstitucionales, se determina que estos contienen vicio de inconstitucionalidad sobrevenida, por lo cual deben ser excluidos del ordenamiento jurídico guatemalteco y así debe declararse al emitirse el pronunciamiento respectivo.
Por fim, cabe mencionar que a comissão de juristas brasileiros responsável pela elaboração do anteprojeto do Novo Código Penal deliberou, por maioria de votos, em sessão havida em 07 de maio de 2012, por sugerir a revogação do crime de desacato da legislação penal brasileira, ante a sua incompatibilidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos[6].
Em relação ao suposto crime de resistência, previsto no artigo 329 do Código Penal, considerando que a Constituição da República ao organizar a estrutura do Poder Judiciário e acometer ao Ministério Público o lugar de acusador no processo penal, com a defesa no oposto, com a finalidade de garantir o contraditório, deixou o juiz no lugar de espectador, ou seja, descabe qualquer pretensão probatória na gestão da prova[7]. E a realização do Processo Penal acusatório é acolhida como tarefa democrática inafastável, não se confundindo com as meras formas processuais, mas sim como procedimento em contraditório (Cordero eFazzalari), produzindo significativas alterações no modelo utilizado no Brasil[8] Neste pensar, o papel desempenhado pelo juiz e pelas partes deve ser acompanhado de “garantias orgânicas” e “procedimentais”, consistindo na diferenciação marcante entre os modelos, consoante acentua Ferrajoli[9]“pode-se chamar acusatório todo sistema processual que tem o juiz como um sujeito passivo rigidamente separado das partes e o julgamento como um debate paritário, iniciado pela acusação, à qual compete o ônus da prova, desenvolvida com a defesa mediante um contraditório público e oral e solucionado pelo juiz, com base em sua livre convicção. Inversamente, chamarei inquisitório todo sistema processual em que o juiz procede de ofício à procura, à colheita e à avaliação das provas, produzindo um julgamento após uma instrução escrita e secreta, na qual são excluídos ou limitados o contraditório e os direitos da defesa”. A separação das funções do juiz em relação às partes se mostra como exigida pelo ‘princípio da acusação’, não podendo se confundir as figuras, sob pena de violação da garantia da igualdade de partes e armas. Deve haver paridade entre defesa e acusação, violentada flagrantemente pela aceitação dessa confusão entre acusação e órgão jurisdicional. Entendida nesse sentido, a garantia da separação representa, de um lado, uma condição essencial do distanciamento do juiz em relação às partes em causa, que é a primeira das garantias orgânicas que definem a figura do juiz, e, de outro, um pressuposto do ônus da contestação e da prova atribuídos à acusação, que são as primeiras garantias procedimentais da jurisdição, conforme Ferrajoli. Acrescente-se que a acusação precisa ser “obrigatória” no sentido de evitar ponderações discricionárias – condições subjetivas de proceder – do órgão acusador, tutelando o ‘princípio da igualdade de tratamento’ estatal e, ainda, que esse órgão deve ser público e dotado das mesmas garantias orgânicas do julgador. A assunção do modelo eminentemente acusatório, segundo Binder[10], não depende do texto constitucional – que o acolhe, em tese, no caso brasileiro, apesar de a prática o negar –, mas sim de uma “auténtica motivación” e um “compromiso interno y personal” em (re)construir a estrutura processual sobre alicerces democráticos, nos quais o juiz rejeita a iniciativa probatória e promove o processo entre partes (acusação e defesa). Com isto bem posto, descabe qualquer possibilidade de o juiz condenar quando o representante do Ministério Público requer a absolvição. Assim proceder seria uma fraude ao sistema acusatório.
No caso presente, o representante do Ministério Público assim se manifestou (fls. 95-101):
De acordo com o conjunto probatório formado durante a instrução processual, não restou evidenciada prova suficiente para a condenação do acusado pelo crime descrito no artigo 329 do Código Penal.
Isso porque, apesar do termo circunstanciado de fls. 05/09 narrar que o réu resistiu à prisão com socos e empurrões, sendo necessário quatro policiais para contê-lo, F. L. dos S. não menciona nada sobre o ocorrido durante o seu depoimento judicial (CD de fl. 86).
Assim é que, sendo o Ministério Público o dono da ação penal e requerendo a absolvição, descabe qualquer consideração, já que o juiz não pode condenar nesta hipótese, devendo o acusado ser absolvido dessa imputação.
III – Dispositivo.
Por tais razões, JULGO IMPROCEDENTE A DENÚNCIA para ABSOLVER o acusado A. S. dos S. F., já qualificado nos autos, da imputação dos crimes descritos nos artigos 331 e 329, com base no art. 386, inciso III e VII, do Código de Processo Penal.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Transitada em julgado, arquivem-se.
Florianópolis (SC), 17 de março de 2015.
Alexandre Morais da Rosa
Juiz de Direito

 [1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] § 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
[2] PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.p. 170.
[3] A respeito das funções desempenhadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos no mecanismo interamericano de apuração de violação dos direitos humanos, destaca Ramos: A comissão é o órgão ao qual incumbe a promoção e a averiguação do respeito e a garantia dos direitos fundamentais. Pode elaborar estudos e ofertar capacitação técnica aos Estados. Pode também criar relatorias […], dirigidas pelos Comissários, cujos relatórios serão submetidos à Assembleia Geral da OEA. Além disso, pode efetuar visitas de campo, a convite do Estado interessado. Cite-se como exemplo, a visita da Comissão ao Brasil de 1995. Com efeito, a Comissão realizou, pela primeira vez em sua história, missão geral de observação in loco da situação de respeito aos direitos humanos no território brasileiro em 1995. Durante a permanência da missão no Brasil (de 27 de novembro a 9 de dezembro), os integrantes da Comissão reuniram-se com membros do goberno, da sociedade civil organizada, ouvindo depoimentos e coletando dados. A partir desse trabalho de campo, a Comissão elabora um relatório (dito geográfico, por abranger a análise da situação geral dos direitos humanos em um território, no caso, o brasileiro), emitindo suas recomendações para a promoção dos direitos humanos. […] O objetivo desse sistema é a elaboração de recomendação ao Estado para a observância e garantia de direitos humanos protegidos pela Carta da OEA e pela Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013. pp. 210-211)
[4] GALVÃO, Bruno Haddad. O crime de desacato e os direitos humanos. Publicado no site<www.conjur.com.br>, acessado em 14/01/2015.
[5] Julgado extraído do site da Corte de Constitucionalidade da República de Guatemala. Link:<http://www.sistemas.cc.gob.gt/Sjc/frmSjc.Aspx>, expediente nº 1122-2005, acesso em 27/01/2015
[6] Informação extraída da reportagem “Desacato: muito além da falta de educação”, publicada no site do Superior Tribunal de Justiça. Link:
<http://stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106170>, acessado em 23/01/2015
[7] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica à teoria geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
[8] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
[9] Direito e Razão. São Paulo: RT, 2001, p. 452.
[10] BINDER, Alberto M. Iniciación al Proceso Penal Acusatorio. Campomanes: Buenos Aires, 2000, p. 07.