quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Rússia retira a sua assinatura do Estatuto de Roma do TPI

Ontem (16), a Rússia anunciou que está retirando a sua assinatura do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI). O país assinou o Estatuto em 13 de setembro de 2000, mas não o ratificou. A medida foi noticiada no dia seguinte em que a Procuradora do TPI, Fatou Bensouda, anunciou que a Crimeia é uma área militarmente ocupada pela Rússia.
O Ministro das Relações Exteriores russo justificou a retirada da assinatura alegando que o TPI fracassou em atingir as expectativas da comunidade internacional quanto à realização de justiça e ao combate a impunidade, já que suas atividades são realizadas de forma parcial e ineficiente. O decisão da Rússia não é um ato isolado, pois, nos últimos meses, África do Sul, Burundi e Gâmbia manifestaram a sua intenção de retirar-se do Estatuto de Roma alegando o excessivo número de casos envolvendo países africanos. A África do Sul, inclusive, deu início ao procedimento formal de retirada.
Dois principais pontos de tensão existem entre a Rússia e o TPI: a Geórgia e Ucrânia, países que estão sendo objeto de investigação ou análise preliminar pela Promotoria do Tribunal. No dia 27 de janeiro deste ano, a Câmara de Instrução I autorizou que a Promotoria iniciasse uma investigação dos possíveis crimes cometidos na Ossétia do Sul, localizada na Geórgia, entre 1 de julho e 10 de outubro de 2008, período em que os georgianos e os russos se envolveram num conflito armado internacional (decisão disponível aqui). Já no tocante à Ucrânia, esse país, que não é parte do Estatuto de Roma, protolocou declarações perante o TPI dando jurisdição a esse Tribunal para investigar, julgar e punir os crimes ocorridos no território ucraniano desde 21 de novembro de 2013. A análise preliminar do caso foi iniciada pela Promotoria em 25 de abril de 2014 e se prolonga até o presente momento.  Em seu Relatório de 2016 sobre as Atividades de Exame Preliminar (disponível aqui), a Promotoria atestou o seguinte:
“As informações disponíveis sugerem que a situação no território da Crimeia e de Sevastopol constitui um conflito armado internacional entre a Ucrânia e a Federação Russa. Este conflito armado internacional começou, no mais tardar, em 26 de fevereiro [de 2014], quando a Federação Russa enviou membros das suas forças armadas para obter o controle de partes do território ucraniano sem o consentimento do Governo da Ucrânia. O direito dos conflitos armados internacionais continua a ser aplicável após o dia 18 de março de 2014, na medida em que a situação no território da Crimeia e de Sevastopol factualmente constitui um estado de ocupação ainda em andamento. Não é necessário determinar se a intervenção inicial russa que conduziu à ocupação é ou não considerada lícita. Para efeitos do Estatuto de Roma, um conflito armado pode ser de natureza internacional se um ou mais Estados ocupam parcial ou totalmente o território de outro Estado, independentemente de a ocupação encontrar ou não resistência armada.”
Em sentido contrário, a Rússia insiste que Crimeia e Sevastopol se uniram voluntariamente ao seu território após um referendo legítimo. Contudo, observadores internacionais alegam que o referendo foi realizado em desacordo com as normas internacionais e foi conduzido enquanto as tropas russas estavam na península. Nesse mesmo sentido, em 27 de março de 2014, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Resolução 68/262 (disponível aqui), que reconheceu a invalidade do referendo e a obrigação de se respeitar a integridade territorial da Ucrânia.
Outro fator preocupante para a Rússia é o conflito da Síria, no qual suas forças armadas têm sido repetidamente acusadas de crimes de guerra. Um projeto de resolução francês submetendo a situação da Síria ao TPI, co-patrocinado por 65 Estados-Membros da ONU, foi proposto no Conselho de Segurança da ONU, mas a China e a Rússia o vetaram em 22 de maio de 2014. Todos os outros membros do Conselho votaram a favor da resolução.
Destaca-se, por fim, que não há nenhuma ilegalidade no ato da Rússia de denunciar a sua assinatura. Salvo quando possui outro efeitos, a assinatura é uma manifestação pública do Estado de que ele possui a intenção de futuramente se vincular ao tratado. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969) afirma que apesar da assinatura não vincular o Estado a todas as obrigações contidas no tratado, ela cria ao Estado assinante o dever de abster-se da prática de atos que frustrariam o objeto e a finalidade do tratado em questão, enquanto não tiver manifestado sua intenção de não se tornar parte no tratado (artigo 19). Com isso, até a emissão de sua declaração retirando a assinatura, a Rússia tinha a obrigação de não frustrar o objeto e o propósito do Estatuto de Roma.
Apesar de sua conformidade com o Direito Internacional, a medida russa representa um sério repúdio ao TPI, constituindo-se em um novo retrocesso nos esforços para estabelecer uma ordem normativa global eficiente para julgar e punir os responsáveis por genocídios, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
Fonte: CEDIN

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