A escalada de violência na Síria, agora classificada pela ONU como estado de guerra civil, deixa cada vez mais aparente a posição quase isolada de Moscou das grandes potências ocidentais. Por que então o Kremlin segue apoiando o governo do presidente Bashar Assad ? O comentarista político Konstantin von Eggert, da rádio Kommersant, analisa as razões do governo Vladimir Putin de seguir dando respaldo a Damasco:
"Analistas tendem a explicar a posição inflexível de Moscou para com a Síria citando o comércio de armas (o regime de Bashar Assad teria encomendado equipamentos militares russos avaliados em cerca de US$ 3,5 bilhões) e a base naval militar russa no porto sírio de Tartus. Mas apenas isso não justifica a aparente indiferença aos efeitos negativos que sua defesa do governo Assad tem nas relações com os EUA, a União Europeia e a maioria dos países árabes.
A explicação tem muito a ver com as políticas domésticas
russas e as obsessões de sua classe política. Ao apoiar Damasco, o
Kremlin diz ao mundo que nem a ONU ou qualquer outro grupo de países tem
o direito de dizer quem pode ou não governar um Estado soberano.
Olhando sob este ângulo, a posição russa ganha novo significado.
Desde a queda de Slobodan Milosevic em 2000, e
especialmente depois da "Revolução Laranja" de 2004 na Ucrânia, a
liderança russa é obcecada com a idéia de que os EUA e a União Europeia
arquitetam a queda dos governos que, por algum motivo, julgam
inconvenientes. Putin e sua equipe parecem convencidos de que algo assim
pode acontecer na Rússia.
Defesa própria
A classe política russa nunca aceitou conceitos como
"responsabilidade de proteger" que limitam a capacidade de governos
reprimirem seu próprio povo. Soberania, para a liderança russa,
significa uma licença sem limites para os governos fazerem o que
quiserem dentro de suas fronteiras nacionais.
Desde a operação da Otan contra a antiga Iugoslávia em
1999, Moscou desconfia profundamente da retórica humanitária ocidental,
considerando-a nada mais do que camuflagem para a troca de regimes. A
crise líbia no ano passado reforçou estes temores. Muitos dirigentes
russos, incluindo Putin, consideram a abstenção do então presidente
Medvedev na votação do Conselho de Segurança que autorizou uma zona de
exclusão aérea sobre a Líbia um desastre.
Na visão de Putin, ela abriu caminho para intervenção
externa em favor de um dos lados e a remoção de Kadafi no que era,
essencialmente, uma guerra civil. Parece que o "novo velho" presidente
russo está decidido a não deixar isso acontecer de novo. Assim, a
posição de Moscou se torna não apenas uma forma de defesa de interesses
particulares, mas uma declaração política.
Nova Líbia?
Moscou sentiria ser possível a formação de uma nova
coalizão para a remoção militar de Assad, ao estilo do que aconteceu na
Líbia?
Acredito que sim. Mas como ouvi recentemente de um alto
diplomata russo: "Não podemos impedi-los (aliados ocidentais e ricos
países do Golfo Pérsico) de tentar. Mas nunca daríamos a eles a
autorização de uma resolução da ONU".
O que se lê nas entrelinhas é que a Rússia também
dificultará a tarefa o máximo possível. Moscou diz ter influência
especial sobre o regime em Damasco mas parece que, em vez de aconselhar
Assad a modificar suas atitudes, os emissários russos diziam, há até
pouco, "deixe-nos ajudar vocês. Use algumas medidas cosméticas criativas
e nós poderemos te defender melhor".
Esta atitude parece ter deixado de funcionar quando
fracassou a missão de Kofi Annan e a legitimidade do regime sírio deu
impressão de implodir rapidamente.
Barganha
O Kremlin agora cogita a possibilidade de saída de Assad,
mas a considera improvável. O governo russo acredita que com sua ajuda,
mais a de China e Irã, o governo sírio pode derrotar seus oponentes.
No entanto, se Assad for forçado a sair, a Rússia vai se
esforçar para criar um ambiente de negociações que envolva atores
externos e possibilite a Moscou algum poder de barganha sobre seus
interesses militares e comerciais na Síria. Mas a meta principal para
Moscou seguirá sendo uma solução que permita uma saída honrosa para
Assad que, pelo menos não no exterior, pareça ter sido uma derrubada
clássica de regime.
À boca miúda, dirigentes russos costumam citar o caso iemenita, no
qual o veterano presidente Ali Abdullah Saleh deixou o poder, ganhando
imunidade e seu vice-presidente foi instalado como chefe de Estado. Mas
dada a magnitude do drama sírio, tal cenário parece cada vez mais
improvável, coisa que deixaria Moscou atrelada ao regime de Assad até
seu amargo fim".
Fonte: BBC
Nenhum comentário:
Postar um comentário