sexta-feira, 7 de outubro de 2011

"Uma chance para a Europa", por Jorge Fontoura


A viagem de Dilma ao coração enfermo da União Europeia (UE), em Bruxelas, reporta questões mais importantes para o Brasil do que as emoções voláteis da Copa do Mundo e dos eventuais desacordos com a Fifa. A pauta traz, com especial importância, tanto para o Mercosul como para a UE, a volta às negociações sobre livre comércio entre os dois blocos. Se antes a posição dos europeus era intransigente, em proposta de abertura unilateral, no ranço imponderável de um velho colonialismo latente, agora os tempos são outros. E nada é tão urgente para Bruxelas como encontrar soluções para a crise que sufoca o euro e a Europa.

Em conferência na Sorbonne, no Ano França-Brasil, em 2005, foi contundente a afirmação de Lula de que as vacas Europeia seram mais subsidiadas e protegidas do que as crianças africanas. Como pano de fundo, estava a exortação para que a Europa revisasse sua política agrícola protecionista. O que se desejava era a construção de vasto bloco birregional, com mais de 500 milhões de habitantes e com possibilidades ilimitadas de fluxo de comércio e de prosperidade comum.

Birras menores e queixumes recíprocos impedem, no entanto, desde 1995, o progresso das negociações, apesar dos elogios mútuos e dos decantados laços comuns. Deste lado do oceano, o Mercosul é fato irreversível, a consolidar-se em comércio e investimentos. No ano passado, o Paraguai, a economia mais frágil do bloco, cresceu 15%; e para além das críticas de seus detratores, é no Mercosul que o Brasil encontra o seu mais ativo parceiro comercial, a Argentina, a despeito do peso específico dos grandes clientes, a China e os Estados Unidos.

Agora, o bom desempenho da economia brasileira alavanca a sub-região, com ventos de prosperidade em todos os quadrantes. Inclusive na bacia platina, onde as relações entre Uruguai e Argentina se normalizam, após a crise das papeleiras. Com isso, o Mercosul institucional também pode avançar, com mais comércio e vantagens comuns, sem o lado ruim das políticas locais, ainda enredado na demagogia nacionalista de poucos insensatos. 


Quanto à Europa, depois de décadas de avanço, não são ventos amenos que sopram, senão a ameaça de furacões financeiros e de crises sociais de grandes proporções. Contaminado pela incontornável falência do Estado grego, o euro despenca e traz a necessidade de austeridade e de cortes de salários, bem no continente que inventou a greve e o sindicato. As perspectivas são más, e outros países, com índices brutais de desemprego, buscam formas de restaurar finanças e contas públicas, sem sequer terem ainda concebido lei de responsabilidade fiscal, como a que no Brasil já dispomos de há muito.

A história dos blocos econômicos ensina que algumas soluções só podem emanar da interação e da integração de países. Talvez seja o momento para a Europa repensar seus fantasmas, e permitir negociações abertas e sem agendas proibidas. Assim, também o Mercosul poderá motivar-se a rever seu protecionismo industrial e a aprimorar a coordenação de suas instituições.

A presença auspiciosa de Dilma Rousseff em Bruxelas, em plena crise Europeia, sinaliza para possíveis avanços. A Europa desarma a pose que o euro forte lhe conferia, a revelar desatinos que pareciam exclusivos de países em desenvolvimento. As economias do Cone Sul, por seu turno, dinamizam-se em mercados promissores, sem sacrificar a democracia, o respeito aos direitos humanos e a regulação ambiental e trabalhista. Nada a comparar com a predação e a voracidade sem leis da economia chinesa. A chance que se tem para a formação de macrobloco de livre comércio, unindo Europa e Mercosul, é agora irrecusável.

Estevão de Rezende Martins ensina que não se nasce em mundo vazio de história. E se assim o é, a história ensina que a Europa sempre sai mais forte de suas crises. No presente contexto, se sair com o Mercosul, será ainda maior, a consolidar relações seculares e a recuperar a vitalidade perdida, no laboratório de futuro e de prosperidade em que se tem revelado a América Latina.

Fonte: Itamaraty

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