terça-feira, 27 de março de 2018

A disputa de mais de um século da Bolívia com o Chile por uma saída ao mar

A Bolívia quer uma saída para o mar. O problema é que há um país no caminho, o Chile.
Depois de um longo processo que começou em 2013, esta semana [19/03/2018] marca o início da última fase do julgamento em que as duas nações enfrentam na Corte Internacional de Justiça de Haia, na Holanda.
Durante dez dias, os dois países apresentarão suas declarações finais - depois delas, os juízes terão alguns meses para chegarem a um veredito.
Na última segunda-feira, a Bolívia abriu a última etapa da argumentação oral com uma apresentação que foi seguida pela fala do presidente do país, Evo Morales - o autor da demanda.
O mandatário afirmou que apelou a Haia devido à negativa do governo chileno em se sentar para negociar um acesso da Bolívia ao Oceano Pacífico.
Mas qual é a reclamação concreta que La Paz está fazendo? E o que o Chile está respondendo em meio a tudo isso? A BBC explica a seguir essa polêmica jurídica sobre as fronteiras sul-americanas:

Mais de 100 anos
Para entender o contexto da disputa, é importante compreender sua origem.
Até 1904, a Bolívia - que, com o Paraguai, hoje forma a única dupla de países sul-americanos sem saída para o mar - tinha uma fronteira oriental que chegava até o Oceano Pacífico.
Segundo historiadores, o país tinha 400 km de costa e cerca de 120 mil quilômetros quadrados a mais de território em comparação à área que tem hoje.
Foi na chamada Guerra do Pacífico, em que Bolívia e Peru enfrentaram o Chile, que tudo mudou.
O conflito começou quando os chilenos invadiram a Bolívia com o argumento de que La Paz havia violado o tratado comercial que eles tinham.
Os três países batalharam entre 1879 e 1884 - no fim, o Chile se impôs.
Em 1904, foi firmado um acordo de paz que determinou novos limites entre os países. O tratado segue vigente até hoje, mas a Bolívia acusa o Chile de não cumprir algumas de suas cláusulas - algo que o governo chileno nega.

O que a Bolívia quer?
Ao contrário de outras disputas fronteiriças estabelecidas perante o Tribunal de Haia, o que é reivindicado neste caso não é um terreno específico ou mar.
A Bolívia também não pede que os magistrados se pronunciem sobre o status legal do Tratado de Paz de 1904.
Tudo o que eles querem é que o Chile se proponha a negociar.

Em um documento que resume a posição da Bolívia chamado "El Libro del Mar" ("O livro do mar", em tradução livre), o governo de La Paz argumenta que o "Chile se comprometeu a negociar uma saída soberana para o mar para a Bolívia por meio de acordos, práticas diplomáticas e uma série de declarações dadas por seus principais representantes".
"Esses numerosos instrumentos deixam claro que o Chile se comprometeu a encontrar uma solução para o confinamento marítimo da Bolívia por meio de negociações com o objetivo de chegar a um acordo", acrescenta o texto.
Por isso, a reclamação da Bolívia no tribunal argumenta que:
1. O Chile tem a obrigação de negociar com a Bolívia com o objetivo de chegar a um acordo que outorgue aos bolivianos uma saída soberana para o Oceano Pacífico.
2. O Chile violou essa obrigação.
3. O Chile deve cumprir a referida obrigação de boa-fé, pronta e formalmente, dentro de um prazo razoável e de forma efetiva, a fim de conceder à Bolívia uma saída totalmente soberana para o Oceano Pacífico.
Entre os argumentos, o governo boliviano sustenta que sempre se mostrou disposto a dialogar e que, no passado, diferentes gestões do governo chileno se dispuseram a encontrar soluções - algo que não está mais acontecendo agora.
A Bolívia ainda enfatiza o que aconteceu durante os governos militares do chileno Augusto Pinochet e do boliviano Hugo Banzer, quando ambos os países estavam mais próximos de chegar a um acordo, de acordo com sua visão.

O que diz o Chile?
A defesa do governo chileno se baseia na legitimidade e vigência do que foi acordado em 1904. Para Santiago, o Chile sempre respeitou os detalhes do Tratado de Paz, que incluem permitir à Bolívia o uso dos portos marítimos chilenos.
"O Chile reconhece, em favor da Bolívia, o direito mais amplo e mais livre de trânsito comercial por meio do seu território e dos portos do Pacífico", especifica o acordo.
Mas apesar disso, o governo chileno argumenta que as diversas negociações que aconteceram ao longo da história não significaram nenhum comprometimento do país a entregar uma parte do território aos vizinhos bolivianos.
O Chile também reforça que, se houve algum diálogo no passado, isso aconteceu por causa de um ato de boa vontade e não porque havia uma obrigação pendente.
"Mantemos a convicção de que a demanda boliviana carece de uma base, porque confunde direitos com aspirações e tergiversa completamente no aspecto histórico do que já aconteceu entre Chile e Bolívia", resumiu a então presidente Michelle Bachelet em 2015, quando o Tribunal de Haia assumiu o caso.
O Chile acusou a Bolívia de buscar renegociar o acordo de 1904 por meio desse processo jurídico, algo que já era vetado pelo Pacto de Bogotá de 1948.

Um dos embaixadores da causa chilena, o ex-presidente do país Ricardo Lagos (2000-2006), inclusive afirmou que "se a tese boliviana fosse acolhida, não haveria nenhum tratado assegurado".

O que já disse a Corte?
Para o Tribunal de Haia, a questão que envolve a obrigação ou não do Chile de se dispor a negociar com a Bolívia não está clara pelos acordos atuais e, por isso, a Corte aceitou o caso em 2015, descartando a objeção chilena.
"As disposições relevantes do Tratado de 1904 não abordam, de forma explícita ou implícita, a questão da obrigação que o Chile teria ou não de negociar um acesso soberano ao Oceano Pacífico para a Bolívia", disse à época o presidente da Corte, Ronny Abraham, depois de ter declarado o tribunal competente para julgar o caso.
Após o fim das argumentações, que acontecerão até o próximo dia 28, os 15 juízes terão alguns meses para chegarem a uma decisão. O anúncio poderá acontecer no fim deste ano ou no início de 2019.
Alguns acreditam que, mesmo que a definição favoreça a Bolívia, isso não significaria que o país recuperaria sua saída para o mar.
"A Corte Internacional de Justiça não pode obrigar nenhum país a cumprir suas sentenças", afirmou David Mares, especialista em relações internacionais da Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos.
No entanto, tanto Mares como outros especialistas dizem que a resolução de Haia terá um grande impacto na opinião pública e significará um apoio importante para o país que seja favorecido por ela.

Fonte: BBC

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