terça-feira, 22 de novembro de 2016

Corte Europeia de Direitos Humanos decide que exoneração de servidores públicos por terem criticado o governo é lícita

Os autores do processo são todos nacionais da Armênia que ocupavam diferentes cargos no Ministério dos Relações Exteriores desse país. São eles: Vladimir Karapetyan (ex-Chefe do Departamento de Imprensa e Informação), Martha Ayvazyan (ex-Chefe da Divisão da OTAN de Controle de Armas e do Departamento de Segurança Internacional), Araqel Semirjyan (ex-Advogado do Departamento Europeu) e Karine Afrikyan (ex-Chefe da Divisão sobre Estados Unidos e Canadá do Departamento Americano). O presente processo diz respeito à exoneração desses servidores públicos depois de terem emitido uma declaração pública criticando o resultado da eleição presidencial armênia de fevereiro de 2008.
No dia 19 de fevereiro de 2008, a eleição presidencial da Armênia aconteceu e o candidato vencedor foi o Primeiro Ministro Serzh Sargsyan, que era apoiado pelo Presidente à época. O candidato da oposição, Levon Ter-Petrosyan, afirmou que a eleição foi fraudulenta, ensejando protestos por toda a Armênia e no exterior contra Sargsyan. No dia 23 de fevereiro de 2008, vários embaixadores armênios em países estrangeiros emitiram uma declaração conjunta denunciando as irregularidades da eleição e expressando seu apoio aos manifestantes. Todos esses embaixadores foram exoneradas de seus cargos no dia seguinte.
No dia 24 de fevereiro de 2008, os autores do processo também emitiram uma declaração conjunta com o seguinte texto: “Ao aderir à declaração de nossos colegas do Ministério dos Relações Exteriores, manifestamos a nossa preocupação com a situação criada na Armênia, repleta de desafios indesejáveis internos e externos, e nossa indignação contra a fraude do processo eleitoral, que obscurece a vontade do nosso país e de nossa sociedade de conduzir uma eleição presidencial civilizada, justa e livre. Como cidadãos da Armênia, exigimos que sejam tomadas medidas urgentes para efetivar as recomendações contidas nos relatórios da missão observadora internacional, bem como de outras organizações internacionais relevantes. Somente agindo de acordo com a letra e o espírito da lei podemos criar democracia e tolerância na Armênia, e conquistar ao país uma boa reputação no exterior.” Essa declaração foi assinada pelos autores, com a indicação de seus respectivos cargos. O documento teve ampla circulação nos meios de comunicação armênios.
Em 25 de fevereiro e 3 de março de 2008, o Ministro das Relações Exteriores da  Armênia adotou decretos exonerando Vladimir Karapetyan, Martha Ayvazyan, Araqel Semirjyan e Karine Afrikyan de seus cargos. Como fundamento para a exoneração, os decretos mencionaram o Estatuto do Serviço Diplomático armênio, que proíbe que qualquer diplomata use de sua capacidade oficial e instalações de trabalho em benefício de partidos e organizações não-governamentais, ou para executar “outras atividades políticas ou religiosas”.
Eles contestaram a decisão perante o poder judiciário armênio, alegando, entre outros, que era ilegal exonerar um funcionário público de seu cargo com base em suas convicções ou opiniões. A corte competente declarou improcedente o pedido, indicando que a conduta dos quatro ex-funcionários públicos se enquadrou na proibição acima descrita do Estatuto do Serviço Diplomático, sendo, portanto, regular a exoneração. Eles apelaram da decisão, mas o recurso foi rejeitado.
Depois disso, Vladimir Karapetyan, Martha Ayvazyan, Araqel Semirjyan e Karine Afrikyan iniciaram uma ação na Corte Europeia de Direitos Humanos alegando que a exoneração de seus cargos constitui uma interferência arbitrária em seu direito humano à liberdade de expressão, já que eles foram demitidos simplesmente por terem expressado suas opiniões. Eles fundamentaram sua pretensão em dois pontos principais: (i) a exoneração não tinha sido prevista em lei de forma suficientemente precisa e (ii) a demissão não foi necessária.
Se a exoneração dos funcionários é medida prevista em lei
Quanto ao primeiro ponto, os autores admitiram que a sua exoneração estava prevista no Estatuto do Serviço Diplomático armênio, mas a disposição referente aos critérios para a realização das exonerações não é suficientemente precisa, sendo, portanto, incapaz de garantir previsibilidade das condutas estatais. Segundo eles, a expressão “outras atividades políticas” é excessivamente vaga, e o adjetivo “políticas” tem um escopo extremamente amplo, abrangendo praticamente todas as atividades dos funcionários públicos no âmbito social e profissional. Assim, a redação do Estatuto do Serviço Diplomático não é capaz de prevenir arbitrariedades pela Armênia, como ocorrido no presente caso.
A Corte Europeia rejeitou a argumentação dos autores. Segundo ela, embora a expressão “outras atividades políticas” seja em certa medida vaga, ela não deixa de ser suficientemente clara e capaz de garantir previsibilidade. A Corte também destacou que era esperado dos quatro funcionários saber que a publicação da declaração de 24 de fevereiro de 2008 poderia ser considerada como causa de exoneração nos termos do Estatuto do Serviço Diplomático. Além disso, se eles tivessem dúvidas quanto ao escopo da referida lei, eles deveriam ter obtido assessoria jurídica ou não terem emitido a declaração.
Se a exoneração dos funcionários é medida necessária em uma sociedade democrática
Quanto à necessidade, os autores alegaram que a sua declaração tinha um conteúdo politicamente neutro e seu objetivo era efetivar valores consagrados na Constituição armênia e nos tratados internacionais em que a Armênia figura como parte. A declaração, de forma alguma, objetivava apoiar partidos políticos. Além disso, eles redigiram e assinaram a declaração como cidadãos da Armênia e não no exercício de seus cargos governamentais.
A Corte Europeia não concorreu com os argumentos dos autores. Ela destacou que a declaração de 24 de fevereiro de 2008 fazia referência explícita aos cargos oficiais dos quatro funcionários. A declaração expressamente indicava a “indignação” dos funcionários “contra a fraude do processo eleitoral”. Eles também exigiram a tomada de  “medidas urgentes para efetivar as recomendações contidas nos relatórios [internacionais]“. Diante disso, a Corte concluiu que a declaração tinha um conteúdo essencialmente político, já que fazia uma avaliação política do processo eleitoral da Armênia e dos eventos ocorridos nesse país logo depois da eleição.
A Corte admitiu que funcionários públicos inquestionavelmente possuem direito à liberdade de expressão, mas o exercício desse direito sofre impactos em decorrência dos deveres e responsabilidades das funções desses profissionais. Diante disso, os Estados possuem um certa margem de apreciação para restringir a liberdade dos funcionários públicos de exercerem atividades políticas, com o objetivo de garantir uma administração pública politicamente neutra. No entanto, essas restrições não podem ser aplicadas de uma forma genérica, negando a essência do direito à liberdade de expressão e sem levar em consideração as funções e o papel do funcionário público em questão e, em particular, as circunstâncias do caso concreto.
Se referindo especificamente aos diplomatas, a Corte reconheceu que é direito de qualquer sociedade democrática ter um corpo diplomático politicamente neutro. Destacou-se também que o vínculo especial de confiança e lealdade entre um funcionário público e o Estado se revela particularmente importante no caso dos diplomatas, cujas funções específicas inexoravelmente exigem lealdade ao Estado. Este é um elemento especialmente importante nas sociedades que se encontram no processo de construção de instituições para efetivar uma democracia pluralista.
No tocante ao presente caso, a Corte fez referência à história da Armênia para afirmar que as autoridades nacionais desse Estado podem, a fim de consolidar a democracia no país, tomar medidas para garantir um corpo politicamente neutro de funcionários públicos, especialmente o corpo diplomático. Nesse sentido, restrições à liberdade dos funcionários públicos de exercerem atividades políticas não podem ser consideradas ilegais. Diante das circunstâncias particulares do caso em apreço, a Corte não identificou nenhum elemento susceptível de questionar a legalidade da exoneração dos autores do presente processo. O julgamento destacou que embora a demissão tenha sido uma medida severa, ela não pode ser, de formal alguma, considerada desproporcional. Concluiu-se, por fim, que não houve violação à liberdade de expressão dos autores do processo.
Os juízes Sicilianos e Mahoney apresentaram uma opinião concorrente conjunta, e o juiz Lazarova Trajkovska apresentou uma opinião dissidente.
O julgamento completo e as opiniões individuais, todos em inglês, podem ser lidos aqui.
Fonte: CEDIN

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