quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Colombianos celebram nas ruas acordo de paz histórico com Farc

O conflito interno na Colômbia entre as forças do governo e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) tem causado estragos no país há mais de meio século.
Os números dizem tudo: mais de 260.000 mortos, dezenas de milhares de desaparecidos, quase sete milhões de pessoas que tiveram de deixar suas casas à força, estupros, seqüestros e inúmeras vidas marcadas para sempre.
Nesta quarta-feira, representantes dos dois lados anunciaram que chegaram a um acordo de paz "integral e definitivo". O anúncio foi transmitido ao vivo de Cuba. Lá, o negociador Rodolfo Benítez, membro da equipe do governo colombiano, disse que a execução do acordo final porá "fim a um conflito armado de mais de 50 anos".
Mas como começou essa guerra interna, a mais antiga do Hemisfério Ocidental? Quem é quem no conflito? Porque há guerra na Colômbia, uma das democracias mais estáveis da América Latina?
Conheça a seguir as respostas para essas perguntas.
Quais são as causas da guerra?
Quais são as origens da guerra?
Como é que a guerra com as Farc começou?
Escalada do conflito
Por que o conflito com as FARC chega ao fim agora?
Paz definitiva?

Quando perguntados sobre as causas do conflito, muitos colombianos respondem: falta de emprego e de oportunidades; desigualdade, concentração da riqueza, injustiça social; falta de tolerância, indiferença; corrupção.
Apesar de suas riquezas naturais, a Colômbia é um dos países mais desiguais do mundo, o terceiro depois de Haiti e Honduras no continente americano.
"O conflito na Colômbia é diferente de outras guerras civis no mundo que geralmente têm razões étnicas, econômicas ou religiosas claras", argumenta Stephen Ferry em seu livro "Violentologia".
É até difícil para os colombianos definir a natureza do conflito, acrescenta Ferry, citando diferentes explicações: um negócio bélico lucrativo que se perpetua influenciado pelo tráfico de drogas; "um ciclo de retaliação pelas atrocidades cometidas no passado"; uma guerra de classes de camponeses revolucionários contra um sistema corrupto.
E de acordo com Alvaro Villarraga, do Centro Nacional de Memória Histórica, há três elementos que estão na raiz do conflito: a tendência a usar a violência no poder e na política, a falta de resolução sobre a questão da propriedade da terra no campo e a falta de garantias para a pluralidade e exercício da política.
Os conflitos colombianos podem ser rastreados desde o tempo colonial.
No entanto, é importante ressaltar que, do século 19 até o início do século 20, houve níveis intensos de violência fratricida que marcaram o futuro da Colômbia.
Era um enfrentamento entre partidários liberais e conservadores, uma relação de forças que alimentaria todos os conflitos do país depois disso.
A expressão mais profunda do confronto conservador-liberal ocorreu a partir de 1948, com o assassinato do popular candidato liberal Jorge Eliecer Gaitan.
Em todo país começaram confrontos violentos, num primeiro momento em Bogotá, mas logo se tornaram principalmente rurais.
Este período, que durou até o final dos anos 50, recebeu o nome simples de "A Violência". Ele também deixou mais de 200.000 mortos.
"Zonas de guerrilha eram imaginadas ou representadas como áreas de domínio da liberdade", diz o historiador Gonzalo Sanchez.
Em Marquetalia, havia se constituído uma espécie de "república independente", formada por cerca de 50 homens que lutaram durante "A Violência" com suas famílias.
À frente deste grupo estava Manuel Marulanda Vélez, um combatente treinado nas guerrilhas liberais dos anos 50, que se tornou o primeiro chefe das Farc.
Depois de ser derrotado, Marulanda fundou um grupo guerrilheiro chamado Bloco Sul, que em 1966, finalmente, adotou o nome Farc.
Mas as Farc não foram apenas um produto da história colombiana, mas também do que estava acontecendo no mundo: surgem no contexto das lutas de libertação da América Latina, alimentadas pela tensão EUA-União Soviética na Guerra Fria. Eles são um grupo guerrilheiro comunista, marxista-leninista de inspiração.
E não são as únicas organizações comunistas de guerrilha nascidas a partir dessa época.
Quase simultaneamente é formado o Exército de Libertação Nacional (ELN), inspirado pela Revolução Cubana, que treinou seus líderes, e hoje continua a lutar com o governo. Mais tarde surgem o Exército Popular de Libertação, o M19 (mais urbano) e outras guerrilhas, que já foram desmobilizadas.
Apenas no início dos anos 80, as Farc decidiram que teriam como objetivo tomar o poder, quando passaram a se chamar Farc-EP (Exército do Povo).
No final daquela década, a ascensão de grupos paramilitares de direita, encorajados por setores das Forças Armadas e alguns proprietários de terras, empresários e políticos, assim como traficantes de drogas, aprofundou a violência do confronto armado.
Nessa mesma época começa a haver cada vez mais influência do narcotráfico no conflito armado colombiano, do qual se servem tantos os grupos paramilitares, como os guerrilheiros.
Em 2000, os Estados Unidos começaram a prestar assistência técnica e econômica na luta contra-insurgente e antidroga, no âmbito do Plano Colômbia, investindo cerca de US$ 10 bilhões no país ao longo de 15 anos.
Isso permitiu a modernização das Forças Armadas e da Polícia, que agora somam cerca de meio milhão de soldados.
Também em 2000, as Farc atingiram sua maior capacidade militar, com cerca de 20.000 homens.
Os anos seguintes viram uma sucessão de acontecimentos dramáticos, com métodos mais violentos de guerra, incluindo sequestro por grupos paramilitares, que cometeram vários massacres e violações dos direitos humanos, tanto por parte da guerrilha como de forças estatais.
Consequentemente, a maioria dos mortos no conflito são civis.
Esta não é a primeira vez que se busca a paz entre o governo e as Farc.
Em 1984, houve uma primeira tentativa, quando parte das Farc se juntou a um partido político, a União Patriótica, cujos membros foram alvo de esquadrões de extrema direita e milhares foram mortos.
Houve novas tentativas em 1991 e 1998, que falharam por diversas razões.
Durante os governos do presidente Álvaro Uribe (2002-2010) houve uma grande ofensiva contra as Farc, que incluiu bombardeios a acampamentos rebeldes, e isso se intensificou durante a administração de seu sucessor e atual presidente Juan Manuel Santos.
Nos ataques do governo as forças de guerrilha foram dizimadas e os maiores líderes foram mortos (não Manuel Marulanda, que morreu de velhice em um acampamento).
Hoje estima-se que as Farc tenham cerca de 7.000 homens.
Há o argumento de que esse enfraquecimento colocou os rebeldes em uma posição onde era mais razoável negociar.
Mas também há um contra-argumento: que, depois de mais de uma década de ofensiva militar, as forças do governo não conseguiram derrotar as Farc e também é razoável pensar em negociar.
De qualquer forma, em novembro de 2012, começaram as conversações em Havana entre os líderes da guerrilha e os do governo de Juan Manuel Santos.
Os acordos de Havana com as Farc são essenciais para alcançar uma paz estável e duradoura na Colômbia, mas não são suficientes.
Por um lado, o ELN segue ativo e, embora tenha havido progressos em negociações com a guerrilha, o processo ainda não começou.
Além disso, grupos paramilitares desmobilizados em meados da década passada ainda não entregaram as armas completamente. Muitos de seus membros se uniram no que o governo chama de hoje grupos armados organizados, entidades criminosas capazes de controle territorial em certas partes do país e de alto poder de fogo.
Esses grupos estão envolvidos em extorsão, tráfico de drogas, tráfico humano e mineração ilegal, entre outras atividades, e representam uma séria ameaça para a paz.
Mais do que isso, ativistas sociais e defensores dos direitos humanos dizem que grupos paramilitares continuam operando na Colômbia com objetivo de aterrorizar a população e silenciar membros ativos das comunidades.
Finalmente, muitos acreditam que uma paz sólida na Colômbia só pode ser alcançada quando as causas profundas do conflito forem resolvidas.
Como dissemos no início: a falta de empregos e oportunidades; a desigualdade, a concentração da riqueza; a injustiça social; falta de tolerância, a indiferença; corrupção.
Talvez o acordo com as Farc abra uma oportunidade para começar a resolvê-los de uma vez por todas.
Fonte: BBC







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