sexta-feira, 22 de abril de 2016

STF decide: brasileiro nato pode perder a nacionalidade e ser extraditado

O brasileiro – ainda que nato – pode perder a nacionalidade brasileira e até ser extraditado, desde que venha a optar, voluntariamente, por nacionalidade estrangeira.
A decisão inédita foi tomada nesta terça-feira (19/4/2016), pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por 3 votos a 2, ao confirmar, em julgamento de mandado de segurança, portaria do Ministério da Justiça, de julho de 2013, que declarou a “perda da nacionalidade brasileira” de Claudia Cristina Sobral, carioca, 51 anos.
A maioria foi formada pelo ministro-relator do caso, Roberto Barroso, que foi acompanhado por Rosa Weber e Luiz Fux. Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Marco Aurélio.
A autora do MS 33.864 adquiriu voluntariamente a nacionalidade americana em setembro de 1999, mesmo já sendo portadora de um “green card”; jurou fidelidade e lealdade aos Estados Unidos, renunciando à cidadania brasileira; casou-se depois com o cidadão americano Karl Hoerig, que foi assassinado, em 12 de março de 2007, no mesmo dia em que Claudia Sobral – principal suspeita do crime – retornou ao Brasil.
Considerada foragida pela Justiça dos Estados Unidos e com processo de extradição em curso, a defesa de Claudia ajuizou o mandado contra a portaria do Ministério da Justiça, alegando a prevalência do inciso 51 do artigo 5º da Constituição: “Nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”.
A maioria dos cinco ministros da Primeira Turma considerou válida a portaria do Ministério da Justiça, e cassou liminar do Superior Tribunal de Justiça favorável à autora, considerando legítima a decretação da perda da nacionalidade, com fundamento, também, em outro dispositivo constitucional (parágrafo 4º do artigo 12), segundo o qual “será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que (…) adquirir outra nacionalidade”, salvo em dois casos (reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; imposição de naturalização por norma estrangeira a brasileiro residente em Estado estrangeiro).
O ministro-relator do mandado de segurança fez um histórico do processo, até o momento em que o STJ acabou por declinar de sua competência, e enviar o processo ao STF, em face do pedido de extradição feito pelo governo norte-americano. Ele sublinhou que não se estava julgando a extradição da autora do mandado de segurança, mas a preliminar constitucional sobre a questão dos direitos do brasileiro nato que optou por naturalização. E sublinhou que – no caso – a autora fez questão de optar pela cidadania norte-americana, mesmo sendo possuidora de um “green card”, o que lhe dava o direito de permanecer e trabalhar nos Estados Unidos.
O ministro Edson Fachin divergiu do relator, qualificou a questão de “instigante”, e acabou por considerar que, mesmo tendo se naturalizado cidadão norte-americana, Claudia Cristina Sobral não poderia deixar de ser tida como “brasileira nata que optou por outra nacionalidade’ e, portanto, sob o abrigo do inciso 51 do artigo 5º, cláusula pétrea da Constituição. Fachin foi seguido por Marco Aurélio que falou em “direito constitucional indiscutível”.
Os ministros Luiz Fux e Rosa Weber seguiram Roberto Barroso.
Leia abaixo a íntegra do memorial entregue pela Procuradoria Geral da República:

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EXCELENTÍSSIMOS SENHORES MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,
Ref.: MS 33.864/DF e PPE nº 694
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA vem submeter a Vossa Excelência o memorial que se segue, tendo por objeto o Mandado de Segurança nº 33.864/DF, impetrado por CLÁUDIA CRISTINA SOBRAL (CLÁUDIA HOERIG) contra ato do Ministro de Estado da Justiça, e o Pedido de Prisão Preventiva para fins de Extradição nº 694.
I – DO RESUMO DA CONTROVÉRSIA
O Mandado de Segurança em epígrafe foi impetrado por CLAUDIA CRISTINA SOBRAL (CLÁUDIA HOERIG), com pedido de liminar, inicialmente no Superior Tribunal de Justiça (sob o nº 20.439/DF), contra ato do Ministro da Justiça, no intuito de ver revogada a Portaria Ministerial nº 2.465, de 3 de julho de 2013, referente ao processo administrativo nº 08018.011847/2011-01, que declarou a perda de sua nacionalidade brasileira, com fundamento no art. 12, §4º, inciso II, da Constituição Federal, tendo em vista a aquisição de outra nacionalidade, na forma do art. 23, da Lei nº 818, de 18 de setembro de 1949.
Por meio de procedimento administrativo instaurado de ofício, o Ministro da Justiça concluiu que CLÁUDIA CRISTINA SOBRAL (CLAUDIA HOERIG) optou pela nacionalidade norte-americanavoluntariamente, a partir de 28 de setembro de 1999, perdendo, assim, tacitamente, a nacionalidade brasileira.
Apresentada sua defesa no procedimento administrativo nº 08018.011847/2011-01 e após parecer do Ministério da Justiça, foi declarada a perda da nacionalidade de CLAUDIA HOERIG, ato que motivou a impetração do MS 20.439/DF perante o Superior Tribunal de Justiça.
A impetrante sustentou, em síntese, que seria desproporcional a decretação de perda da sua nacionalidade brasileira, uma vez que teria se naturalizado nos Estados Unidos a fim de garantir sua permanência no território norte-americano e para exercer seus direitos civis.
Ao conceder medida liminar em 4 de setembro de 2013, o STJ suspendeu, provisoriamente, a eficácia da Portaria Ministerial 2.465, de 3 de julho de 2013, do Ministro da Justiça, até o julgamento do MS 20.439/DF pela Primeira Seção daquela Corte.
O STJ entendeu relevantes os fundamentos jurídicos da impetração, relacionada à necessidade de manifestação inequívoca e objetiva da interessada para declaração de perda da cidadania brasileira em caso de opção por outra nacionalidade; e ponderou estar presente periculum in mora, uma vez que a perda da nacionalidade brasileira acarretaria imediata possibilidade de entrega da extraditanda às autoridades alienígenas.
A cidadã naturalizada norte-americana CLAUDIA HOERIG, foragida da Justiça dos Estados Unidos da América, é acusada de ter cometido homicídio contra seu então marido, KARL HOERIG, piloto da Força Aérea dos Estados Unidos, e ter fugido para o Brasil no mesmo dia do fato, utilizando-se de seu passaporte brasileiro. O fato ocorreu na cidade de Newton Falls, no condado de Trumbull (Estado de Ohio), em 12 de março de 2007.
O pedido de prisão preventiva para extradição nº 694, formulado pelo Governo dos Estados Unidos da América em desfavor de CLAUDIA HOERIG foi indeferido pelo Supremo Tribunal Federal em 11 de setembro de 2013, em virtude da concessão pelo Superior Tribunal de Justiça da medida liminar no Mandado de Segurança nº 20.439-DF.
Em 7 de maio de 2014, a Subprocuradora-Geral da República Denise Vinci Tulio se manifestou pela concessão da ordem no MS 20.439/DF, para que seja possibilitada a manutenção da dupla nacionalidade ou que seja oportunizado à impetrante optar ou pela nacionalidade brasileira ou pela norte-americana.
Em 17 de setembro de 2014, o Procurador-Geral da República requereu ao Superior Tribunal de Justiça que declinasse de sua competência em favor da Corte Suprema, uma vez que o STF é competente para processar e julgar mandado de segurança ou habeas corpus impetrado contra ato do Ministro da Justiça, quando o objeto do writ envolver matéria extradicional. Foram formulados pedidos de preferência para julgamento em 26 de janeiro de 2015 e 6 de maio de 2015.
Em 2 de julho de 2015, o Procurador-Geral da República apresentou reclamação ao Supremo Tribunal Federal em face de decisão proferida pelo STJ, no Mandado de Segurança 20.439/DF, por ter violado autoridade de julgados da Corte Suprema (HC 83.113/DF, HC 119.920/DF e HC 92.251/DF).
No pedido da reclamação, o PGR requereu concessão de medida liminar para que os autos fossem remetidos ao STF e fosse suspensa a eficácia da decisão proferida pelo STJ no MS 20.439/DF, por ter o STJ usurpado competência da Suprema Corte para processar e julgar mandado de segurança ou habeas corpus que tenham vinculação com procedimentos de índole extradicional, o que tem obstado há quase dois anos o andamento do PPE 694; ao final, requereu julgamento de procedência da reclamação para determinar a cassação da decisão supramencionada e a imediata avocação do conhecimento do MS 20.439/DF para o STF.
Em 21 de julho de 2015, o Ministro Presidente Ricardo Lewandowski requisitou informações ao STJ sobre o MS nº 20.439/DF.
Por meio de decisão publicada em 27 de agosto de 2015, nos autos do MS 20.439/DF, o Min. Relator Napoleão Nunes Maia Filho reconheceu a incompetência do STJ para apreciar o feito, revogou a liminar anteriormente concedida e determinou a remessa dos autos ao STF (fls. 111/116).
Entretanto, em decisão publicada em 28 de agosto de 2015, o Min. Relator Napoleão Nunes Maia Filho chamou o feito à ordem, tornando sem efeito a decisão que revogou a liminar anteriormente concedida, para supender, provisoriamente, a eficácia da Portaria Ministerial 2.465, de 3.7.2013, do Ministro da Justiça, até o julgamento do MS 20.439/DF pela Primeira Seção do STJ.
Em 1º de setembro de 2015, o Ministro Roberto Barroso, Min. Relator da Reclamação nº 21329/STF, reiterou pedido de informações ao Superior Tribunal de Justiça.
Como adiante se demonstrará, não foi observada pelo STJ a competência absoluta da Corte Suprema para processar e julgar a matéria.
Em decisão publicada em 30 de setembro de 2015, Min. Relator Napoleão Nunes Maia Filho manifestou-se quanto à incompetência do STJ para apreciar o MS 20.439/DF e determinou a remessa dos autos ao STF, mantendo-se a liminar até oportuna apreciação pelo juízo competente.
A decisão do STJ no MS 20.439/DF transitou em julgado no STJ em 14 de outubro de 2015.
A Reclamação nº 21.329 foi julgada prejudicada pelo STF em 6 de novembro de 2015, tendo em vista a decisão do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do STJ, que declarou a incompetência daquela Corte Superior e remeteu os autos do MS 20.439/DF ao STF, que agora tramitam na Corte Suprema sob o nº 33.864/DF.
II – PRELIMINAR: COMPETÊNCIA DO STF PARA JULGAR O WRIT
A competência para processar e julgar o mandado de segurança em referência é do Supremo Tribunal Federal. De fato, compete a essa Corte processar e julgar mandado de segurança ou habeas corpusimpetrado contra ato do Ministro da Justiça, quando o objeto do writ envolver matéria extradicional.
Nos julgamentos do HC n.º 83.113/DF e no HC 119.920/DF, o Supremo Tribunal Federal, nos termos do voto do relator, Ministro Celso de Mello, reconheceu sua competência para apreciar o writ,sob o fundamento de que, não obstante impetrado contra Ministro de Estado, não era caso de aplicação da norma inscrita no art. 105, I, c, da CF/88, em virtude de objetivar extinção de procedimento de índole extradicional, o que afetaria o exercício dos poderes outorgados ao STF, com exclusividade, nas extradições passivas, pela Constituição da República (art. 102, I,g, da CF/88).
Em outro julgado, o HC 92.251 DF, impetrado por Cesare Battisti contra ato da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal no Distrito Federal e o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), o relator, Ministro Celso de Mello, reconheceu a competência do STF para processar e julgar, de forma originária, a ação de habeas corpus, embora impetrada contra órgãos públicos que não se acham incluídos no rol do art. 102, I, incisos d e i, da Carta Magna, devido à vinculação com procedimento de índole extradicional em trâmite na Suprema Corte.
Também no Mandado de Segurança nº 27.875/DF, impetrado pela República Italiana contra ato do Ministro de Estado da Justiça que deferiu a condição de refugiado a Cesare Battisti, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se favoravelmente à sua competência para apreciar writ. Neste caso, o governo da Itália impetrou o mandado de segurança diretamente no Supremo Tribunal, sob o argumento de que “as questões relacionadas a extradição são de competência originária do STF, independentemente da qualidade da autoridade apontada coatora, tratando-se de habeas corpus e de mandado de segurança”.
Para fundamentar o cabimento do pedido, a República Italiana citou a decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal na Reclamação nº 2069, em que o Tribunal, por maioria, julgou procedente o pedido formulado na reclamação para avocar o mandado de segurança em curso na 16ª Vara da Seção da Seção Judiciária do Distrito Federal, bem como os autos do agravo de instrumento nele interposto, e cassar a liminar concedida pelo juiz declarado incompetente.
Conforme decidido pelo STF na Reclamação nº 2069, “mais do relação de conexidade entre o mandado de segurança e a extradição, tem-se verdadeira relação de prejudicialidade, porquanto eventual decisão suspendendo os efeitos do ato concessivo do refúgio e eventual decisão consequente desconstituindo-o, ou não, terão inequívoca repercussão sobre a jurisdição da Suprema Corte na apreciação e julgamento do processo de extradição”.
Por fim, no julgamento de questão de ordem na reclamação formulada pela extraditanda Glória de Los Ángeles Treviño Ruiz, Rcl. Nº 2.040-DF, Ministro Relator Néri da Silveira, decidiu o Supremo Tribunal Federal que compete a ele processar e julgar os incidentes processuais que possam surgir e estejam relacionados com o processo de extradição.
Nessa decisão, invocou-se a Lei nº 6.815, de 1980, que estabelece que o extraditando fica à disposição do Supremo Tribunal, pelo que a este compete processar e julgar os incidentes processuais que possam surgir e relacionados ao processo de extradição. Na ocasião, o Min. Carlos Veloso aduziu que, estando a extraditanda à disposição da Corte Suprema, “seriam responsáveis por tudo que lhe diga respeito, em termos processuais”. Na oportunidade, a reclamação foi julgada procedente para avocar o julgamento do processo em trâmite na 10ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal.
Tais julgados amoldam-se perfeitamente à hipótese do presente mandamus. Se os autos fossem mantidos no Superior Tribunal de Justiça e aquela Corte decidisse pela concessão da segurança, garantindo manutenção da nacionalidade brasileira da impetrante, impediria o processamento do pedido de extradição formulado pelo Governo dos Estados Unidos da América em desfavor de CLÁUDIA CRISTINA SOBRAL (CLÁUDIA HOERIG). Isto é, o julgamento do mandado de segurança pelo STJ teria inequívoca repercussão sobre a jurisdição da Suprema Corte na apreciação e julgamento do processo de extradição.
III – MÉRITO
A) DA NECESSIDADE DE CASSAÇÃO DA LIMINAR CONCEDIDA PELO STJ NO MS 33.864/DF
Apesar do acerto da decisão do Min. Relator Napoleão Napoleão Nunes Maia Filho quanto ao reconhecimento da incompetência do STJ para apreciar o MS 33.864/DF (número na origem: MS 20.439), equivocou-se ao manter a liminar concedida em 4 de setembro de 2013.
Conforme preceitua o artigo 102, I, “g”, da Carta Magna, é originária a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar a extradição solicitada por Estado estrangeiro.
Daí decorre o entendimento já explorado anteriormente de que assiste competência à Suprema Corte também para processar e julgar, em sede origináriahabeas corpus e mandado de segurança, mesmo contra ato de Ministro de Estado, em razão de o writ ter por objetivo obstar a instauração de procedimento de índole extradicional e ter inequívoca repercussão sobre a jurisdição da Suprema Corte na apreciação e julgamento do processo de extradição.
Portanto, aqui se está diante de competência absoluta do Supremo Tribunal, uma vez que cabe ao órgão que apreciará o pedido de extradição passiva, decidir também sobre a questão prejudicial relativa à nacionalidade da impetrante.
Ora, declarada a incompetência absoluta, nos termos do art. 113, §2º, do Código de Processo Civil, devem ser anulados os atos decisórios e entre estes, indubitavelmente, as liminares concedidas.
Aliás, em virtude da manutenção da liminar proferida nos autos do MS 20.439/DF, o pedido de prisão preventiva para extradição nº 694 permanece paralisado no STF há mais de dois anos, aguardando decisão no MS 20.439/DF sobre a questão da nacionalidade. Enquanto isso, corre o prazo prescricional e CLÁUDIA CRISTINA SOBRAL, suspeita do cometimento de crime considerado hediondo pela nossa legislação, permanece em liberdade no Brasil, imune à persecução penal.
O crime de que CLÁUDIA HOERIG é acusada ocorreu há mais de 8 anos, em 12 de março de 2007. Desde então tem curso o prazo prescricional, que põe em risco o direito de ação do Estado.
É certo que, embora o crime de homicídio seja imprescritível em algumas jurisdições, no Brasil a extinção da punibilidade por essa causa ocorre em 20 anos – prazo em curso e já próximo da metade. Se a indefinição quanto à nacionalidade da impetrante perdurar no tempo ainda mais, perderá viabilidade o próprio mérito do pedido extradicional, já que, segundo o art. 77, inciso VI, da Lei 6.815/1980, não se concederá extradição quando “estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente”.
Portanto, diante da inequívoca repercussão sobre a jurisdição da Suprema Corte na apreciação e julgamento do processo de extradição, impõe-se a cassação da liminar concedida em 4 de setembro de 2013 pelo Min. Relator do MS 20.439/DF, no Superior Tribunal de Justiça.
B) NÃO CONCESSÃO DA ORDEM POSTULADA PELA IMPETRANTE / CONFIGURAÇÃO DE HIPÓTESE DE PERDA DA NACIONALIDADE BRASILEIRA
O procedimento administrativo nº 08018.011847/2011-01 foi instaurado, de ofício, no Ministério da Justiça, com fundamento nos artigos 22 e 23, da Lei nº 818, de 18 de setembro de 1949, declarou a perda da nacionalidade brasileira da impetrante, sob o fundamento de que esta, voluntariamente, optou pela nacionalidade norte-americana, em 28 de setembro de 1999.
Agiu, com acerto, o Ministro da Justiça, tendo em vista que os documentos constantes nos autos revelam que a aquisição da nacionalidade norte-americana por CLAUDIA CRISTINA SOBRAL foi pretendida, desejada, voluntária, não estando acobertada pelas exceções disciplinadas no art. 12, §4º, da Constituição Federal:
Constituição Federal
(…) Art. 12, § 4º – Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:
I – tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional;
II – adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira;(Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis(Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
A redação do art. 12, §4º, da Constituição Federal foi dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 03/94, que antes previa a perda da nacionalidade no caso de o cidadão brasileiro adquirir outra nacionalidade por naturalização voluntária.
Tal inovação legislativa não teve como objetivo modificar a diretriz normativa dada pelo constituinte originário, mas apenas explicitar as excepcionais hipóteses de polipatridia admitidas pelo ordenamento pátrio.
A primeira exceção à perda da nacionalidade brasileira consiste na aquisição de nacionalidade originária, abrangendo quaisquer casos em que a um cidadão brasileiro é reconhecida determinada nacionalidade estrangeira em virtude do nascimento, quer segundo o critério jus solis, quer segundo o critério jus sanguinis.
A segunda exceção consiste na imposição de naturalização pela lei estrangeira como condição para simples permanência no país ou do exercício de direitos civis.
Para que acarrete a perda da nossa nacionalidade, a naturalização voluntária, no exterior, deve necessariamente envolver uma conduta “ativa e específica”, explica Rezek. Do contrário, não haveria que se falar em perda da nacionalidade brasileira.
Segundo o autor, é o caso, por exemplo, da autoridade estrangeira que, nos termos da lei, oferece a nacionalidade do marido (francesa) à nubente brasileira, após consumado o matrimônio,mediante simples declaração de vontade desta. Haveria, aí, autêntica naturalização voluntáriaresultante de um procedimento específico – o benefício não seria um efeito automático do matrimônio – e de uma conduta ativa – o pronunciar de uma palavra de aquiescência:
Se, ao contrair matrimônio com um francês, uma brasileira é informada de que se lhe concede a nacionalidade francesa em razão do matrimônio, a menos que, dentro de certo prazo, compareça ela ante o juízo competente para, de modo expresso, recusar o benefício, sua inércia não importa naturalização voluntária. Não terá havido, de sua parte, conduta específica visando à obtenção de outro vínculo pátrio, uma vez que o desejo de contrair matrimônio é, por natureza, estranho à questão da nacionalidade. Nem se poderá imputar procedimento ativo a quem não mais fez que calar. Outra seria a situação se, consumado o matrimônio, a autoridade estrangeira oferecesse, nos termos da lei, à nubente brasileira a nacionalidade do marido, mediante simples declaração de vontade, de pronto reduzida a termo. Aqui teríamos autêntica naturalização voluntária, resultante do procedimento específico – visto que o benefício não configurou efeito automático do matrimônio –, e de conduta ativa, ainda que consistente no pronunciar de uma palavra de aquiescência.”1
Cahali, ao tratar da questão da naturalização, observa que há um acordo de vontades entre o Estado – que possui autoridade para admitir o estrangeiro como seu nacional – e a pessoa interessada na nova nacionalidade – que possui a faculdade de adquirir uma nacionalidade diferente2.
Não importam os motivos pelos quais se adquiriu outra nacionalidade, conforme leciona Valério de Oliveira Mazzuoli. Importa, sim, que o brasileiro nato tenha adquirido voluntariamente a nacionalidade de outro Estado, independentemente de qualquer coação física ou psicológica que, porventura, poderia ter vindo a sofrer:
(…) É indiferente que o brasileiro queira continuar tendo a nossa nacionalidade, uma vez que a perda do vínculo com o Estado brasileiro se dá como punição pela deslealdade com o nosso país.3
Ora, pelos elementos constantes nos autos, constata-se, que a impetrante ingressou nos Estados Unidos da América utilizando o nome de solteira, CLAUDIA CRISTINA SOBRAL e, após casar-se com THOMAS BOLTE, em 21 de maio de 1990, adotou o nome CLAUDIA BOLTE, fato que deu ensejo à obtenção do green card, ou seja, uma carta de residência permanente naquele país.
Dita carta de residência, conforme definição transcrita na própria petição inicial de CLAUDIA CRISTINA SOBRAL, já lhe permitia residir permanentemente nos EUA, bem como exercer direitos civis:
O green card (literalmente “cartão verde”, em inglês), oficialmente United States Permanent Resident Card (“Cartão de Residência Permanente nos Estados Unidos”) é um visto permanente de imigração concedido pelas autoridades daquele país. Diferentemente dos outros tipos de vistos ele não restringe ou limita as ações de quem o tem. [1] Todos os outros tipos de visto são temporários e atrelados à sua especificidade, enquanto o green card é permanente e sem vínculos. Por exemplo, o visto de estudo não lhe permite trabalhar, o visto de trabalho só permite que se viva nos EUA enquanto se trabalhar para a empresa que patrocinou o visto. Já o green card dá a quem o tem, praticamente todos os direitos de um cidadão americano. O portador do green card poderá sair e entrar nos Estados Unidos, trabalhar em qualquer região e estudar por preços mais acessíveis. A única restrição é não ficar mais de um ano ou sucessivos períodos muito longos fora dos Estados Unidos, pois, como é um visto de imigração permanente, pressupõe-se que a pessoa que o possui deseja efetivamente fixar residência nos Estados Unidos.4 (grifou-se)
Não houve imposição a CLAUDIA CRISTINA SOBRAL de naturalização norte-americana para a permanência naquele país ou para o exercício de direitos civis.
Ao contrário, a naturalização foi adquirida em decorrência de conduta ativa e voluntária e por meio de procedimento específico, com o objetivo de integrar-se àquela sociedade e àquele Estado, fato que a levou em 28 de setembro de 1999 a tornar-se nacional dos Estados Unidos da América.
Em etapa do procedimento norte-americano para a aquisição da cidadania norte-americana, a impetrante declarou, sob juramento, que:
ATRAVÉS DESTE DECLARO, sob juramento, que eu absolutamente e inteiramente renuncio e recuso qualquer lealdade e fidelidade a qualquer principado, potestado, estado ou soberania estrangeiros a quem ou ao qual eu tenha anteriormente sido um cidadão ou sujeito de direito; que eu vou apoiar e defender a constituição e as Leis dos EUA contra todos os inimigos, estrangeiros e domésticos; que eu vou manter uma verdadeira fé e lealdade a este país; que eu vou usar armas em nome dos EUA quando determinado pela Lei; que eu vou realizar serviços de não combatente para as forças armadas dos Estados Unidos quando determinado pela Lei; que eu vou realizar trabalho de importância nacional, sob ordens civis quando determinado pela Lei; e que vou tomar esta obrigação livremente sem qualquer reserva ou dúvida ou propósito de não fazê-lo; ASSIM QUE DEUS ME AJUDE.”
Ademais, em sua defesa no procedimento administrativo instaurado no Ministério da Justiça alegou que “(…) o direito de voto nos Estados Unidos só é concedido aos naturalizados, o que era de interesse da defendente a fim de ajudar a colocar no poder político representantes que favorecessem aos latinos residentes naquele país”.
Tais condutas evidenciam não ter havido qualquer coação sobre a impetrante e reafirmam o seu desejo inequívoco em estabelecer laços afetivos consideráveis com outro país, que a acolheu na condição de estrangeira5.
Registre-se que o exercício de direitos políticos (direito de eleger e ser eleito), pretendido pela impetrante nos EUA, não configura hipótese de exceção de perda da nacionalidade brasileira, mas tão somente o exercício de direitos civis (direitos fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade privada e à igualdade perante à lei).
Desse modo, não merece prosperar a alegação da impetrante de que se naturalizou norte-americana para garantir sua permanência e o exercício de direitos nos EUA, uma vez que o green card, já usufruído à época por CLAUDIA CRISTINA SOBRAL, concedia a esta praticamente os mesmos direitos de um cidadão norte-americano, inclusive o direito ao trabalho e estudo.
Por outro lado, verifica-se que o retorno da impetrante ao Brasil ocorreu de modo compulsório, com o fito de esquivar-se de responder a acusação criminal norte-americana.
Com efeito, a impetrante, foragida da Justiça dos Estados Unidos da América, é acusada de ter cometido homicídio contra seu então marido, KARL HOERIG, piloto da Força Aérea dos Estados Unidos, e ter fugido para o Brasil no mesmo dia do fato, utilizando-se de seu passaporte brasileiro. O fato ocorreu na cidade de Newton Falls, no condado de Trumbull (Estado de Ohio), em 12 de março de 2007.
Agiu, portanto, a impetrante de má-fé e fez uso de uma nacionalidade de conveniência em momento pontual e oportuno, apenas para livrar-se de uma persecução criminal por infração considerada gravíssima.
Aliás, note-se que a efetiva perda da nacionalidade brasileira de CLAUDIA CRISTINA SOBRAL já havia ocorrido desde a aquisição de sua naturalização norte-americana, uma vez que o Ministro da Justiça limitou-se a declarar tal ato. Isto porque, consoante leciona Francisco Rezek, o ato é meramente declaratório e não constitutivo:
Nesta hipótese, em face da prova da naturalização concedida lá fora, o presidente da República se limita a declarar a perda da nacionalidade brasileira. Seu ato não tem caráter constitutivo, vale dizer, não é dele que deriva a perda, mas da naturalização, que o antecede, e por força da qual se rompe o primitivo vínculo, restringindo-se o Chefe do Governo, a posteriori, a dar publicidade ao fato consumado”. (grifou-se)
Portanto, ao ingressar no Brasil, após o cometimento do crime nos EUA, CLAUDIA CRISTINA SOBRAL já não mais gozava do status de cidadã brasileira.
Observa-se, por fim, que, no procedimento administrativo instaurado no Ministério da Justiça, foram observados todos os procedimentos estabelecidos pela Lei nº 818, de 18 de setembro de 1949, inclusive o contraditório e a ampla defesa, ocasião em que foi oportunizado à impetrante apresentar provas de que não optou voluntariamente pela nacionalidade norte-americana:
Lei nº 818, de 18 de setembro de 1949
DA PERDA DA NACIONALIDADE
Art. 22. Perde a nacionalidade o brasileiro:
I – que, por naturalização voluntária, adquirir outra nacionalidade;
II – que, sem licença do Presidente da República, aceitar, de governo estrangeiro, comissão, emprego ou pensão;
III – que, por sentença judiciária, tiver cancelada naturalização, por exercer atividade nociva ao interesse nacional.
Art. 23. A perda da nacionalidade, nos casos do art. 22, I e II, será decretada pelo Presidente da República, apuradas as causas em processo que, iniciado de ofício, ou mediante representação fundamentada, correrá no Ministério da Justiça e Negócios Interiores, ouvido sempre o interessado.
Verificadas, portanto, a voluntariedade na aquisição da nacionalidade norte-americana por parte de CLAUDIA CRISTINA SOBRAL, a ausência das hipóteses constitucionais que excepcionam a perda da nacionalidade brasileira e a validade dos atos praticados pelo Ministro da Justiça, conclui-se pela denegação da ordem postulada pela impetrante.
C) JULGAMENTO DO MS PELO MÉRITO 
Uma vez revogada a liminar no MS, o mandamus pode ser julgado pelo mérito, para se denegar a concessão da ordem, já que evidente a inexistência de ilegalidade ou abuso de poder por parte do Ministério da Justiça.
Observe-se que a própria Suprema Corte, diante das abundantes provas nos autos tem condições de aferir diretamente a perda da nacionalidade brasileira por parte da impetrante/extraditanda, independentemente do que decidiu o Ministério da Justiça no processo administrativo.
D) PROCESSAMENTO DO PEDIDO DE PRISÃO PREVENTIVA PARA EXTRADIÇÃO Nº 694
Caso seja revogada a liminar concedida pelo STJ em 4 de setembro de 2013 ou improvido o MS no mérito, volta a ter eficácia a Portaria Ministerial 2.465, de 3 de julho de 2013, do Ministro da Justiça, que declarou a perda da nacionalidade brasileira da impetrante, não havendo mais óbice, portanto, ao processamento do referido pedido de prisão preventiva para fins de extradição nº 694, indeferido pelo Supremo Tribunal Federal em 11 de setembro de 2013.
No PPE 694 há razões suficientes de cautelaridade para a decretação da prisão preventiva de CLAUDIA HOERIG de extradição aos Estados Unidos da América, onde deverá responder pelo homicídio de seu ex-marido KARL HOERIG.
O crime é passível de extradição. Os requisitos do tratado bilateral Brasil/EUA estão presentes. Não ocorreu a prescrição e não há dúvidas sobre a identidade da extraditanda.
IV – CONCLUSÃO
À luz dos fatos aqui narrados, é possível assentar que:
a) A liminar concedida em 4 de setembro de 2013 pelo Min. Relator do MS 20.439/DF, no Superior Tribunal de Justiça, deve ser cassada, diante da inequívoca repercussão sobre a jurisdição da Suprema Corte na apreciação e julgamento do processo de extradição. Aqui se está diante de competência absoluta do Supremo Tribunal, uma vez que cabe ao órgão que apreciará o pedido de extradição passiva, decidir também sobre a questão prejudicial relativa à nacionalidade da impetrante;
b) o STF pode decidir o mandado de segurança pelo mérito, não concedendo a ordem, podendo, independentemente disto, conhecer diretamente da questão da perda da nacionalidade como preliminar (ou questão prejudicial) e afastá-lá, já que está provado nos autos a aquisição voluntária de cidadania dos EUA, com renúncia expressa e solene â brasileira;
c) A naturalização norte-americana foi adquirida em decorrência de conduta ativa e voluntária da impetrante, por meio de procedimento específico, com o objetivo de integrar-se àquela sociedade e àquele Estado, fato que a levou em 28 de setembro de 1999 a tornar-se nacional dos Estados Unidos da América. Não foi exigido que a impetrante se tornasse cidadã dos Estados Unidos para permanecer no país ou exercer seus direitos civis;
d) O caso não se amolda à exceção prevista no art. 12, §4º, II, “b”, da CF/88, uma vez que a impetrante já possuía o green card, carta de residência permanente nos Estados Unidos, desde a data de 21 de maio de 1990, o que lhe permitir residir de forma permanente naquele país, bem como exercer seus direitos civis;
e) O ato que declarou a perda da nacionalidade brasileira da impetrante (Portaria Ministerial nº 2.465, de 03/07/2013, publicada no DoU de 04/07/2013, no bojo do Procedimento Administrativo nº 08018.011847/2011-01), observou o contraditório e a ampla defesa e concluiu que CLAUDIA CRISTINA SOBRAL optou voluntariamente pela nacionalidade norte-americana, a partir de 28 de setembro de 1999;
f) O retorno da impetrante ao Brasil ocorreu de modo compulsório, com o fito de esquivar-se de responder a acusação criminal norte-americana, tendo em vista que se evadiu dos Estados Unidos logo após ter cometido homicídio contra seu então marido, KARL HOERIG, piloto da Força Aérea dos Estados Unidos;
g) Com a revogação a liminar do STJ, volta a ter eficácia a Portaria Ministerial 2.465, de 3 de julho de 2013, do Ministro da Justiça, que declarou a perda da nacionalidade brasileira da impetrante, não havendo mais óbice, portanto, ao processamento do referido pedido de prisão preventiva para fins de extradição nº 694.
h) no PPE 694 há razões suficientes de cautelaridade para a decretação da prisão preventiva de CLAUDIA HOERIG  de extradição aos Estados Unidos da América, onde deverá responder pelo homicídio de seu ex-marido KARL HOERIG.
Brasília, 18 de abril de 2016.
 RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
Fonte: UOL

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