quarta-feira, 24 de junho de 2015

Nova Lei de Arbitragem discutiu problemas “práticos”, afirma Carlos Alberto Carmona

Recentemente, foi sancionada a nova Lei de Arbitragem, fruto do trabalho de uma comissão de juristas que discutiu o tema por seis meses. A presidência dos trabalhos ficou a cargo do ministro do Superior Tribunal de Justiça Luís Felipe Salomão e contou outros juristas de renome. Dentre eles, talvez o maior nome em Arbitragem no Brasil, o advogado e professor Carlos Alberto Carmona.
Como resultado desse trabalho, os membros da comissão publicaram o livro  “Arbitragem e Mediação – A Reforma da Legislação Brasileira”, que foi lançado ontem em um evento realizado na sede da AASP, em São Paaulo.
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Carmona era o único desta comissão que já havia feito parte da primeira comissão de elaboração da lei, em 1990. A lei virou referência no país e foi adaptada para contemplar os entendimentos jurisprudenciais referentes ao tema, além da necessidade de contemplar aspectos práticos sentidos por quem milita nesta forma de resolução de conflito.
Em entrevista exclusiva ao Justificando, Carmona falou sobre as diferenças entre as duas comissões, as principais novidades da nova lei de arbitragem, além de características da mediação, uma vez que a comissão também foi responsável pela formação do marco civil da mediação, o qual ainda tramita no Congresso.

Justificando:  Qual a diferença entre a primeira comissão que elaborou a lei de arbitragem e a atual?

Carmona: A primeira comissão estávamos discutindo alguma coisa que a gente não conhecia. A experiência que nós utilizávamos era de outros países, de outros profissionais, mas não do Brasil. Estávamos criando um mecanismo que praticamente não existia aqui. A arbitragem no Brasil só existia no papel, não na prática. Nós não tínhamos nada em que se basear. 
Está comissão atual discutiu coisas que nós vivemos, coisas do dia a dia. Então, evidentemente que agora estávamos tratando de questões práticas. Nós sabíamos o que precisávamos, quais eram os problemas e como tínhamos que resolvê-los. Evidente que é uma comissão muito mais qualificada do que foi aquela de 1990, que discutia algo completamente novo. 

Justificando: Qual o principal avanço dessa nova lei de arbitragem?

Carmona: Com toda franqueza, não precisávamos de uma nova lei de arbitragem, ou melhor, de um reforma da lei de arbitragem porque o Superior Tribunal de Justiça já fez o trabalho necessário de interpretação, de expansão e de integração da lei, então o que nós fizemos na verdade foi acolher aquilo que Superior Tribunal já tinha decidido. Mas existem coisas importantes que aproveitamos para incluir na lei, por exemplo a questão do dia de recesso (direito de recesso nas cláusulas estatutárias – se o minoritário não concordar com a decisão majoritária de incluir a cláusula compromissória estatutária, ele pode se retirar da companhia, pode se retirar da sociedade), que me parece talvez um ponto realmente relevante.
Então essa é uma forma de permitir que a sociedade ingresse no novo mercado, caso contrário, nunca haveria uma decisão de todos os acionistas de uma sociedade para incluir uma cláusula compromissória. E por outro lado, se essa cláusula fosse incluída, aquele que não concordasse com essa inclusão ficaria eventualmente alijado em seu direito de acesso ao poder judiciário, o que é inconstitucional. Então foi uma forma de resolver o problema. 

Justificando:  Na arbitragem, o caso trata de partes com alto poder econômico. Já a mediação pode opor pessoas com poder econômico muito alto contra pessoas com poder econômico muito baixo. Quem possui um maior poder econômico pode se valer de pagar menos, tendo em vista que o outro tenha pressa para receber no menor tempo possível? 

Carmona: Eu não creio que seja verdadeira a premissa que a arbitragem opõe pessoas de alto poder econômico. Quer dizer, a arbitragem é um meio para resolver controvérsias de médio e grande porte, isso é verdade, mas nós não falamos hoje mais em meio alternativo de soluções e litígios, nós falamos em meios adequados. A arbitragem, portanto,  é adequada na solução de causa de médio e grande porte, de causas societárias, de causas sociais, de causas cíveis, de problemas com pequenas centrais hidrelétricas, ou seja, a arbitragem provou ser um meio mais adequado em uma série de controversas. A desigualdade é natural, quer dizer, ela vai ocorrer na mediação, na conciliação, na arbitragem como acontece no Poder Judiciário, portanto estamos falando de uma coisa que acontece todos os dias.
Na mediação nós poderemos ter pessoas com poderio diferentes defrontando? Claro que sim.  Então como é que essas questões se resolvem? Aquele que não tem advogado vai ter, porque as defensorias estão ativadas, os serviços auxiliares das defensorias, como esses instituídos pelas faculdades de direito, também vão colaborar pra fazer com que a paridade de armas exista. E o juiz, que é o ultimo controlador de tudo isso, não vai homologar acordos que não sejam razoáveis, que não são proporcionais. Os mediadores e conciliadores vão ser preparados, vão ser pessoas que vão fazer cursos preparatórios que poderão também fazer esse equilíbrio entre as partes que eventualmente tenham essa dissintonia.  

Justificando: O senhor vê no plano ideal a mediação desafogando o poder judiciário? Ou ela funcionaria como se fosse na justiça do trabalho, que atua em acordo entre trabalhador e empregador antes de vir a sentença judicial? 

Carmona: Olha, qualquer paralelo com a Justiça do Trabalho não funciona. A Justiça do Trabalho é um mundo a parte, tem os seus problemas e suas soluções próprias. A mediação endoprocessual foi imaginada para o processo civil e não para o processo do trabalho. Os ambientes são completamente distintos, portanto acho que essa comparação não deveria ser feita.
Vai haver talvez um alivio no poder judiciário? Claro, na medida em que a conciliação, ou a mediação funcionem, isso fará que os processos morram no nascedouro, quer dizer, o sujeito vai ser citado, não mais pra contestar, mas para comparecer a uma audiência de conciliação ou mediação. Havendo acordo, o juiz homologa. Isso faz com que o processo dure três ou quatro meses, ótimo. Mas o objetivo não é necessariamente desafogar o poder judiciário, a ideia é criar dentro de um sistema multiportas mais um mecanismo de solução de litígios, porque, afinal de contas, é necessário encontrar uma forma de pacificação social. A mediação e conciliação talvez sejam dois meios bastante poderosos para resolver isso, que talvez uma sentença de um juiz não faça. Um jeito de impor uma decisão não resolve o conflito social. A conciliação e mediação são soluções trazidas pelos próprios contendentes e isso tende a pacificar melhor que a solução adjudicada. 

Justificando: Você que fez parte do processo de instalação da mediação no Brasil, acredita nesse novo método da mediação? Você acha que os brasileiros vão abraçar essa cultura? 

Carmona: Eu acho que aí há uma diferença. A cultura da mediação veio nos anos 80 para o Brasil. A partir dai tivemos aqueles ajuizados informais de conciliação, em 1984 os juizados especiais de pequenas causas, em 1999 o ajuizados especiais cíveis e criminais, o Código de Processo Civil teve várias alterações como em 1994, no artigo 331, que incentivou a mediação e a conciliação, entre outros.  Então aí é diferente, nós temos uma história de conciliação e mediação e eu acho que nesses últimos 20 anos nós formamos , sim, uma cultura da solução de controversas não adjudicadas da solução via mediação e via conciliação, portanto; nós hoje estamos trabalhando com algo que conhecemos, é diferente o que aconteceu nos anos 90 com arbitragem, que ninguém realizava no Brasil. Já mediação não, hoje nós temos uma experiência consolidada com os juizados, ou seja, nós melhoramos aquela experiência que a gente já conhece. 
Fonte: Justificando

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