segunda-feira, 13 de abril de 2015

O dilema do conteúdo local

Por Welber Barral
Dois eventos recentes tiveram como temática central as exigências nacionais de conteúdo local. Chama a atenção as abordagens divergentes desses eventos. No primeiro deles, no CSIS em Washington, repetiram-se muitas das críticas ao recurso a esses mecanismo. No segundo, o Global Local Content Summit, a se realizar em Londres, pretende-se analisar as experiências comparadas e indicar como tornar mais efetivas as exigências existentes.No caso brasileiro, as exigências de conteúdo local existem pelo menos desde a década de 1970, mas foram visivelmente reforçadas no Governo Dilma, para quem o tema é um mantra. A experiência inicial, no setor de petróleo e gás, se expandiu para outros setores e regimes tributários. No final do ano passao, a UE questionou vários dos programas brasileiros na OMC, no que promete ser um caso paradigmático não apenas sobre conteúdo local, mas também sobre o espaço jurídico para futuras políticas industriais.Ainda sobre o Brasil, e além do contencioso mencionado, faltam análises rigorosas quanto à efetividade de programas no passado. Há reiteradas reclamações dos setores afetados, de que as exigências de conteúdo local, quando obrigatórias, são de difícil cumprimento, provocam atrasos e geram custos adicionais para executar projetos no Brasil. A falta de avaliações a posteriori, seja pelo governo ou pelos órgãos de controle, impede que aprendamos com os próprios erros.
Apesar da crítica acadêmica, a verdade é que não apenas as regras de conteúdo local são uma constante no comércio internacional, mas também que o número dessas exigências aumentou, pelo menos desde a crise econômica de 2008.
Não é muito difícil especular que a razão para novas regras de conteúdo local estão relacionadas com a tentativa de proteger os empregos nacionais em tempos de crise. 
Neste sentido, a explicação não é muito diferente da imposição de outras medidas protecionistas. Mas pode-se compreender que, pelo menos para alguns países da América Latina, a invocação a conteúdo local serviu também como tentativa de apropriação de parte da elevação do preço de commodities na última década. Ou seja, para muitos líderes latino-americanos, exigir conteúdo local foi uma reação ao fato de que suas contas nacionais dependem mais e mais do preço internacional de commodities.
Interessante, neste sentido, que os países que mais se utilizaram recentemente de regras de conteúdo local são países relativamente pouco dependentes do comércio internacional. O Brasil, segundo o mesmo estudo, tem sido o duvidoso campeão na implementação dessas medidas, segundo o Peterson Institute (2013).
Da mesma forma que nos eventos citados, o debate atual sobre conteúdo local materializa visões antagônicas. Para aqueles que preferem as premissas do livre mercado, as regras nacionais de conteúdo local são inconvenientes desnecessários, ossos de megatério das políticas de substituição de importações que grassaram no imaginário cepalino. Do outro lado, os seus defensores brandem a experiência dos Tigres Asiáticos, sobretudo Coreia, que utilizaram conteúdo local como garantia para manter a agregação de valor local.
Lendo os argumentos de lado a lado, parece que a virtude insiste em continuar no meio termo. Em primeiro lugar, porque o sucesso de uma política de conteúdo local depende de várias condições, que podem ou não se refletir em cada experiência nacional. Além do que, esse sucesso depende também do setor ou da modalidade de exigência que é imposta ao setor.
Antes de verificar as condições nacionais, muitas vezes negligenciadas ao se impor a exigência de conteúdo local, podemos fazer uma classificação (apenas didática) de suas modalidades. Em geral, a exigência pode ser imposta em contratos com o poder público ou como exigência para um benefício fiscal. No primeiro caso, o Estado se utiliza de suas compras para promover a indústria local ou para exigir parceiros nacionais obrigatórios. Não há novidade nesta modalidade de exigência: os EUA criaram o Buy American Act em 1933, e vêem a reforçá-lo nos últimos anos. Nesta modalidade, regras tradicionais são exigidas sobretudo no setor de defesa, para os quaais uma contrapartida (offset) é normalmente exigida, inclusive pelo valor estratégico dos produtos comprados.
Se as exigências de conteúdo local em compras públicas são relativamente tradicionais, o mesmo não se pode dizer da outra modalidade, pela qual se exigem insumos ou partes locais para gozar de um benefício fiscal ou para ter acesso a subsídios públicos. Tais exigências podem constar de normas acessíveis, como é o casso de regras de origem em acordos regionais de comércio. Mas na maior parte das vezes, compreender uma exigência ou o benefício relacionado é lidar com um emaranhado de normas, interpretações e decisões administrativas pouco transparentes. Esta complexidade é muitas vezes buscada, como forma de evitar questionamentos de parceiros comerciais. Sua consequência, também muitas vezes, é empoderar burocratas que são capturados por interesses da indústria beneficiada pela exigência.
Apesar da complexidade, os argumentos favoráveis às políticas de conteúdo local lembram sempre as possibilidades de sua relevância para os países em desenvolvimento, sobretudo quando vem acompanhada de regras de transferência de tecnologia e de treinamento de mão de obra local. Recordam ainda que as exigências de conteúdo local podem impulsionar a diversificação da base industrial, evitando que o país se torne refém do preço de poucas commodities. Nessa lógica, as regras servirão para proteger da concorrência estrangeira mais madura, e já se demonstrou que podem ter relevante impacto para a manutenção de empregos e para a estabilidade local dos preços.
Os críticos não se rendem a esses argumentos. Além da complexidade das regras, argumentam ainda a pouca flexibilidade das regras de conteúdo local, o que acabs impedindo uma adaptação das regras à realidade mutante do mercado. Mais ainda, demonstram como impactam negativamente nos custos dos projetos e nos prazos de execução. Recordam que é a indústria a jusante (ou os consumidores) que acabam pagando o custo pelo produto local. Ainda, enfatizam que as exigências de conteúdo local não têm prazo, ou têm seu prazo prorrogado pela pressão da indústria beneficiada.

Fonte: JOTA

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