segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A carga tributária não é coisa do outro mundo”

“Tudo está nas mãos da União”. A constatação é do advogado tributarista Paulo Barros de Carvalho, considerado um dos tributaristas mais influentes do país. Para o especialista, que foi convidado em 2012 para fazer um diagnóstico das relações tributárias e políticas entre União, Estados e municípios e sugerir soluções para aprimorá-las, junto com outros especialistas, não há solução aparente para o problema envolvendo a queda dos repasses da União para Estados e Municípios e o consequente enfraquecimento dos entes federativos. Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, Paulo Barros explica como o Brasil ‘deixou’ de ser uma República Federativa e por que não acredita mais numa reforma tributária.

Professor da PUC afirma que sistema brasileiro funciona bem e não requer mudanças
Professor da PUC afirma que sistema brasileiro funciona bem e não requer mudanças


Em entrevista concedida há quatro anos, o senhor disse que o sistema tributário brasileiro funcionava bem e que não precisava de reparos. O senhor ainda tem a mesma opinião?
Tenho exatamente esta mesma opinião. Eu entendo que o sistema, como máquina, como estrutura, tem funcionado admiravelmente bem, tanto assim que o governo bate a cada período de apuração os recordes  de períodos anteriores. Quer dizer, o sistema de arrecadação é muito bom, as medidas novas que o governo quer tomar são facilitadas pelo sistema. No Peru, por exemplo, um professor amigo meu se queixava porque a sociedade e o governo queriam um pequeno aumento na carga tributária, mas o sistema travava, não fluía. Tomava-se uma iniciativa e levava-se meses e meses para surtir resultado. Aqui, se for fazer, a providência sai num dia, e dois dias depois está na rua, estão cobrando.

Por que nosso sistema tributário funciona melhor do que o de outros países?
Nosso sistema contempla uma série de situações, há mecanismos para ajustes, reajustes e acomodações. Agora isso não quer dizer que funcione para o bem. Uma coisa é funcionar bem, outra é funcionar para o bem. 


Como assim?
Uma série de valores que estão previstos no texto de 1988 não estão sendo aplicados. A Constituição, por exemplo, estabeleceu a progressividade, que é um fator muito importante da Justiça do imposto. No entanto, o imposto que era progressivo até 1988 deixou de ser, no exato momento que a Constituição mandava que fosse. Eu tenho reclamado bastante disso, dito em todos os congressos.

O modelo que estabelece as atuais faixas de descontas está esgotado?
Eu acho que não corresponde aos anseios de justiça  tributária que o imposto sobre a renda pode oferecer. O imposto de renda pode se um imposto que caminhe para uma tributação justa.

No caso do modeloatual, quem ganha menos acaba pagando mais?
Eu diria que nesse caso, quem não pode deixar de pagar mesmo é o assalariado, que tem sua remuneração monitorada. Ele não pode escapar. Há outros com mais recursos que podem acabar usufruindo, se beneficiando, de incentivos, e isso provoca um certo desequilíbrio em termos de justiça do imposto. 

Na década de 90, Flávio Rocha, empresário potiguar, candidatou-se à Presidência da República com a bandeira do imposto único. Isso ainda é possível?
Não, nunca foi possível, tanto que não houve país que o fizesse. O Brasil tem uma estrutura de estado tão complexa, dividida entre União, Estados e Municípios, todos com autonomia política, legislativa, financeira, ao menos em termos constitucionais. No Brasil, a impossibilidade é total. Isso seria negar tudo, negar toda a estrutura que o Brasil tem. Agora chama a atenção. Lembro que houve passeata, movimento de rua exigindo imposto único. Ele tomou isso como fator político.
  
Uma utopia política...
É. Tanto que não foi levando adiante. Pelo contrário, aumentaram o número de impostos cobrados.

Por falar em utopia política, o senhor acredita que uma reforma tributária é possível? O senhor disse certa vez que falar em reforma tributária era vender ilusão. Algo mudou?
Acho que hoje é mais do que era.

Por qual razão? O fato histórico nos diz o seguinte: estamos falando em reforma tributária desde 1988, quando elaboramos a Constituição, e o que se fez? Absolutamente nada, porque a estrutura financeira do Estado é muito complexa. E depois precisa haver vontade política de todas essas entidades. Imagine uma mesa bem comprida em que numa cabeceira estivesse o representante da União, na outra cabeceira o representante dos contribuintes, ao longo da mesa o representante dos 27 estados, incluindo o Distrito Federal, mais os representantes dos mais de 5 mil municípios, que não podiam estar de fora. Veja que reunião complicada. Podemos imaginar uma mesa comprida e todos discutindo essa questão. Nós sabemos das disputas regionais, intermunicipais, da União com os Estados, com os Municípios e isso torna impossível um acordo. Veja a guerra fiscal. Não se consegue dar jeito na guerra fiscal. E para estabelecer uma reforma tributária constitucional é necessário um grande acordo com todos participando. Mas a União não tem interesse nenhum.

Mas por quê?
A União sempre arrecada muito dinheiro. Recebe inclusive contribuições que não precisam repassar para Estados e Municípios. Ela é dona do cofre público, então, se está ganhando, vai reformular para quê? Todos os Estados e todos os Municípios do Brasil são devedores da União. A União absorveu em um determinado momento todas as dívidas que os Estados e Municípios tinham com outros credores. E ficou ela só. O que isso representa? Uma ajuda da União? Não. Significa que a União agora tem todos os Estados e Municípios na mão. Quem vai brigar com o credor? Sem falar que as condições são extremamente desfavoráveis aos Estados e Municípios devido ao momento histórico em que eles se encontravam quando as dívidas passaram para a União, com juros altíssimos etc. Há dívidas que são consideradas impagáveis, como por exemplo a de São Paulo, cidade mais rica do país. São Paulo é a que mais deve. A presidente Dilma está tentando junto ao prefeito encontrar uma solução para tornar uma dívida pagável. Quando a dívida se torna pagável, o devedor volta para as mãos do credor. Em função disso, a União não tem interesse que saia a reforma tributária. O fato histórico mostra que o processo está parado.

Existe uma corrente que acredita que reforma tributária significa baixar impostos; outra diz o inverso. E o senhor? 
Olha, eu acho que não devemos pensar no aumento dos impostos. A carga tributária do país está numa posição bem cômoda na lista dos países tributaristas. Não é nada do outro mundo. Há muitos países com carga tributária maior. Alguns dizem ‘essa carga tributária está sufocando a economia’. Como é que o Brasil cresceu 7% no ano de 2010 com a mesma carga tributária? Como é que se explica então? Isso significa que pode haver crescimento com essa carga tributária.

Então, a carga tributária  de hojenão tem grande efeito no Custo Brasil?
Tem efeito, mas não tem um grande efeito. Eu creio que o Custo Brasil esteja representado mais pela infraestrutura. Realmente não dá para ter competitividade sem portos, estradas, aeroportos, malha ferroviária, que inexplicavelmente o Brasil não tem. Outros países têm. Os interesses econômicos são muito fortes....

A Associação Comercial de São Paulo o criou o ‘impostômetro’, já os procuradores da Fazenda Federal o ‘sonegômetro’. Terminamos 2013 com R$ 1 trilhão de impostos arrecadados e R$ 500 bilhões sonegados, segundo as estimativas deles. Há condições de um país seguir em frente dessa forma?
Risos. Isso já dizia o doutor Osíris de Azevedo Lopes Filho, quando era secretário da Receita Federal. Ele dizia que a cada real pago um era sonegado. Eu não sei a proporção exata, mas existe realmente uma economia informal, forte no Brasil ainda, e uma economia formal, com várias dificuldades com relação ao cumprimento. Há pessoas que querem pagar imposto, mas esbarram numa série de dificuldades. A complexidade é muito alta e isso diminui o valor arrecadado. De modo que pessoas muito bem estruturadas procuraram meios para diminuir a sua carga tributária.

O Governo Federal adotou algumas estratégias para estimular o setor automotivo, entre elas, a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Os prefeitos reclamam que isso tem reduzido os repasses do Governo Federal para os municípios. Não existe outra maneira de fazer isso?
Existe, mas essa é a maneira que dá repercussão política, que aparece, então a presidente baixando uma medida como essa agrada algumas pessoas. Agora que prejudica os líderes dos Municípios prejudica porque diminui os repasses que a União faz. O governo federal ficou tão forte, tão forte, tão forte, que nós vivemos hoje um Estado unitário, onde está tudo nas mãos da União. A União foi se fortalecendo, em termos econômicos, em termos políticos, e em termos jurídicos também. O Brasil se tornou um Estado unitário, não uma República federativa, porque uma federação pressupõe uma igualdade entre as pessoas políticas. Todos no mesmo pé de igualdade. Onde existe isso no Brasil? 

Somos uma República federativa só no papel?
Na Constituição está que  somos uma República federativa e isso não existe. O que existe é um Estado unitário como existia na época do império e que trouxe uma série de dificuldades, porque era difícil levar o desenvolvimento até as regiões longínquas. Aí se instaurou a federação, porque se descentralizava o poder, a decisão e inclusive o desenvolvimento e que a forma que mais atende os anseios democráticos. 

Uma ditadura econômica?
A União tem uma força econômica, política e jurídica muito superior a dos Estados e Municípios. Que ela tira proveito disso. Veja: eu estava em Belo Horizonte e veio a notícia de que a presidente Dilma foi visitar uma cidade no interior de Minas Gerais e deu uma verba imensa para pavimentar a cidade. E depois foi para outra e deu uma verba para que a cidade restaurasse de oito a dez igrejas histórias. É bom? É. É excelente? É, do ponto de vista histórico. Agora  é o governo federal com sua força unitária distribuindo as benesses do jeito que lhe convém. Agora, é claro, que a União não dará para adversários políticos. Tenho certeza disso. Ela vai dar para os aliados. E assim vai.

Diante da queda dos repasses os prefeitos dizem que os municípios caminham para a insolvência. Eles estão exagerando?
Não. Não estão exagerando. Isso eu posso dizer, porque participei da comissão do Pacto Federativo, que o presidente do Senado, na época Sarney, convidou administradores, economistas, ministros e pesquisadores notáveis, para estudar os problemas da federação, e foi nesse contexto que eu vi como os Estados e Municípios estão enfraquecidos. Estados e Municípios decidem muito pouco, porque está tudo nas mãos da União. 


* Paulo de Barros Carvalho é professor Titular na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP, onde leciona desde 1971 nos cursos de Bacharelado, Especialização, Mestrado e Doutorado e coordenador do Programa de Pós Graduação em Direito da PUC-SP, desde 1993. Professor Titular na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

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