domingo, 3 de março de 2013

A crise do Mercosul não se resolve com medidas comerciais. É preciso aprofundar e consolidar a integração


A crise comercial do Mercosul, que vinha se arrastando desde o final de 1998, alargou-se com a abrupta desvalorização cambial brasileira e se agravou no último mês de julho, quando alguns setores econômicos argentinos que se sentiram ameaçados pelo aumento da competitividade dos preços brasileiros e o término do regime de adequação, passaram a pressionar seu governo pela adoção de medidas de salvaguardas, desencadeando como resposta uma dura reação do governo brasileiro. Frente a essa disputa, os dois países menores também reagiram, mas moderadamente, já que são penalizados pela desvalorização brasileira e pela recessão do Brasil e da Argentina, seus principais compradores .
O agravante desta crise foi sua dimensão política - o rompimento de negociações foi cogitado - e se a disputa empresarial não é apenas conjuntural, mas sim uma tentativa dramática de compensar os efeitos da recessão que afeta o bloco. Enfim, o conflito foi muito mais sério desta vez pois revela o beco sem saída para onde nossos governantes estão levando o projeto que poderia e deveria ser uma alavanca para o desenvolvimento e a integração.
Se analisarmos o comércio intra-Mercosul recente veremos que o mesmo vem caindo desde o final de 98 o que nos leva a afirmar que as diferenças cambiais apenas agravaram os problemas. O maior componente do déficit comercial é com terceiros mercados, mesmo nos setores em disputa atualmente. Portanto, a adoção de medidas tarifárias e de corte apenas comercial não resolverá os problemas, mas sim promoverá um retrocesso e o enfraquecimento do Mercosul nas negociações com outros blocos.
As causas da recessão não podem ser atribuídas ao Mercosul, têm raízes muito mais profundas e resultam diretamente das escolhas políticas que nossos governantes vêm adotando desde o início desta década. Os imensos compromissos financeiros assumidos com o FMI e outros organismos internacionais, principalmente pelos dois maiores países, tornaram as exportações e a atração de investimentos externos fatores cruciais para a geração de divisas para o pagamento dos juros das dívidas externas. Uma política que não tem tido os resultados apregoados e que só tem servido para aumentar a crise social.
O déficit comercial não retrocede e só não cresceu mais nestes últimos seis meses porque as compras externas diminuíram em razão da queda de consumo e produção. Ao mesmo tempo, nos últimos doze meses, os preços dos principais componentes da balança exportadora de nossos países caíram entre 8 e 26% no mercado internacional, o que reduz mais as entradas de divisas. E as possibilidades de diversificação e ampliação da pauta exportadora são pequenas, pois a reestruturação produtiva desencadeada desde o final da década passada - em razão da abertura comercial generalizada e da adoção de planos de ajuste cambial - promoveu uma real internacionalização do processo produtivo e concentrou fortemente a produção - o caminho das exportações ficou reservado para poucos - as grandes empresas multinacionais. As empresas de capital médio (nem falar da pequena produção) e setores menos dinâmicos internacionalmente ficaram condenados ao desaparecimento, pois não têm competitividade para competir com os preços dos importados, no caso dos países com supervalorização cambial, ou no caso do Brasil, apesar da desvalorização cambial, não podem reverter o grau de internacionalização anterior e promover a substituição de importações dos componentes que necessitam.
Frente a esse quadro adotam medidas que levam ao crescimento da dívida interna, a mais redução do Estado e eliminação de quaisquer políticas de promoção produtiva e a elevação das taxas de juros. Fatores que pressionam ainda mais a pequena e média empresa.
As consequências são claras: o crescimento vertiginoso do desemprego e da precarização do mercado de trabalho e uma forte compressão dos mercados internos, atingindo diretamente o consumo e desencadeando assim mais uma volta do círculo vicioso instalado e o aprofundamento da crise social.
Tudo nos leva a supor que o arrefecimento das tensões depois do encontro de Presidentes e Ministros ocorreu por pressões dos grandes grupos multinacionais que teriam a perder com a suspensão das negociações. Basta fazer algumas contas: 70% do comércio no Mercosul é entre Brasil e Argentina, desse volume 70% é de comércio dirigido (ou seja compras do governo ou entre empresas) e 36% é comércio intra-empresas. As pequenas empresas não representam nem 2% do comércio intra-bloco.
Para dar um exemplo dos interesses das transnacionais tomemos o setor automobilístico. Enquanto o volume de importações e exportações desse complexo pesa mais de 22% na balança comercial bilateral, os setores têxteis, calçados, plásticos e papel e celulose juntos pesam cerca de 17 % - o Brasil vende para a Argentina apenas US$ 400 milhões em têxteis, calçados e aço e a Argentina exporta para o Brasil veículos e autopeças no valor de US$ 2,6 bilhões (dados de 1998). Com a suspensão das negociações, não haveria maneira de chegar a um entendimento sobre o novo regime automotivo e a partir do ano 2000 e isso seria um problema para as montadoras que nos últimos 7 anos construíram redes de produção e comércio na região.
O queremos dizer com essa breve introdução é que nenhuma medida de corte tarifário resolverá uma crise que é estrutural e, no entanto, as decisões tomadas em Montevidéu no dia 6 de agosto passado não ultrapassaram o plano diplomático e remeteram para dois grupos de trabalho - com mandatos pouco definidos - a busca de soluções de uma crise dessas proporções.
Ou seja, a crise longe de solucionar-se apenas entrou em um impasse. A principal decisão ninguém quis discutir: o Mercosul será um projeto de integração comum - o que implicaria de imediato a adoção de políticas estruturais e macroeconômicas comuns para dar sustentação a uma retomada do desenvolvimento - ou será cada vez mais uma moeda de troca no mercado globalizado?
Por uma agenda macroeconômica e social imediata
Mas não foi apenas para analisar as reais causas da crise do Mercosul que as centrais sindicais que representamos decidiram fazer esse documento público. A razão que nos move é maior e mais abrangente. Em primeiro lugar para denunciar mais uma vez que em todo o conflito os governos e elites empresariais sequer mencionaram, ou levaram em conta, os impactos que as medidas tomadas nesses últimos anos têm tido sobre os empregos, salários e o povo mais pobre de nossos países. Ao fazerem as contas de ganhos e perdas percentuais do comércio, para embasar suas propostas, em nenhum momento colocaram sobre a mesa que repercussões essas medidas teriam sobre a crise social. E todos sabemos qual a dimensão do desemprego - mais de 12% em média - com picos mais altos no Brasil e Argentina.
Por isso além de discutir como resolver essas questões queremos também discutir e propor mudanças no modelo econômico que os governos insistem em manter.
O que nossos governos devem fazer é justamente o contrário, devem aprofundar o processo de integração e corrigir radicalmente o seu direcionamento, adotando políticas comuns voltadas para a promoção do desenvolvimento, da complementação e da cooperação econômica, social e política.
Em primeiro lugar propomos que seja instalado imediatamente um grupo de alto nível, com acompanhamento das representações empresariais e sindicais, para colocar em prática a Agenda Mercosul 2000, de aprofundamento do processo de integração. Como temas prioritários dessa agenda propomos :
No plano econômico e produtivo
  • definição de uma política regional de promoção da produção e de incentivos a complementação setorial visando a otimização de escala mais sobretudo a geração de empregos
  • criação de instrumentos de financiamento e apoio a reconversão produtiva, dentre eles um banco de fomento no Mercosul, captando financiamentos dos organismos de fomento mundiais, dos bancos de fomento nacionais e fundos de pensão dos 4 países
  • integração e cooperação em infra-estrutura e tecnologia
  • integração dos sistemas fiscais e tributários visando diminuir a carga da produção e dos serviços e a distribuição de renda;
  • manutenção da participação como bloco nas negociações externas e definir medidas de salvaguarda e proteção ao Mercosul na relação desigual que se estabeleceria num acordo com a UE e na ALCA .
Ao nível institucional
  • reformulação da estrutura institucional do Mercosul criando uma Comissão de Políticas produtivas, no mesmo nível da Comissão de Comércio, que integraria os diferentes subgrupos voltados a esse tema (agricultura, indústria, energia, telecomunicações, transportes) e coordenaria os trabalhos do grupo de tratamento dos temas macroeconômicos
  • incorporação do Foro Consultivo Econômico-Social e da Comissão Parlamentar Conjunta como membros observadores do GMC, Comissão de Políticas Produtivas e grupo de tratamento dos temas macroeconômicos;
Ao nível do Emprego e direitos trabalhistas
  • viabilização de financiamento para a viabilização do Observatório sobre o Mercado de Trabalho e discussão de medidas emergências de proteção aos desempregados e geração de postos de trabalho;
  • criação de condições materiais e políticas para o pleno funcionamento da Comissão Sóciolaboral .

Montevidéu, 30 de agosto de 1999
Plenario Intersindical de Trabajadores - PIT/CNT -Uruguay
Central Unitária de Trabajadores - CUT - Paraguay
Central Única dos Trabalhadores - CUT - Brasil
Confederação geral de Trabalhadores - CGT - Brasil
Força Sindical - Brasil
Confederación General del Trabajo - CGT - Argentina

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