terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A outra face de um global player


Uma das pretensões do Brasil é ser percebido como um global player, ou seja, um país que participa do processo de tomada de decisão em diversas áreas. A inserção internacional brasileira voltada para a diversificação de parceiros e temas pretende ir além de apenas fazer parte do jogo, deseja participar da criação de suas regras.  O Brasil tem caminhado rumo a isso em diversos níveis: faz parte do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), ocupa o lugar de 6ª maior economia do mundo, irá receber importantes eventos internacionais como a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016. Além disso, o país manteve o crescimento econômico (mesmo que abaixo do esperado) em um contexto de crise econômica, crise fiscal e altas taxas de desemprego na Europa, que têm reduzido drasticamente e até negativado o crescimento de grande parte dos países.
Contudo, o fato de ser classificado como um país importante na cena internacional tem seus custos. Um deles é a demanda da comunidade internacional para que o Brasil participe mais ativamente de algumas questões e assuma novas responsabilidades internacionais, tais como a participação em missões de paz, o aumento da contribuição para organismos internacionais e uma maior liberalização de seu comércio.
Outro ponto, que muitas vezes é esquecido nas análises, é como essa posição que o país vem ocupando no cenário internacional tem repercutido no plano interno. Há aspectos positivos como o aumento do turismo e de investimentos diretos e de portfólio no país. Por outro lado, o Brasil terá que lidar com novas questões sem a ajuda internacional que recebia antes por ser tido como um país em desenvolvimento.
Um dos novos desafios que o país está enfrentando é o aumento do número de solicitante de refúgios. Esse ano o Estado recebeu mais de 70 nacionalidades diferentes, dentre elas cidadãos da Síria e do Mali. Muitos dos casos analisados não são reconhecidos como refugiados visto que essas pessoas não conseguem provar o fundado temor de perseguição. Contudo, essas pessoas, por se encontrarem em território nacional, demandam atenção das organizações da sociedade civil (ONGs) e do próprio governo. Além disso, esse aumento no número de solicitantes e refugiados pressiona os trabalhos do Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) que decide reconhecer ou não o status de refugiado desses solicitantes. Nessa mesma linha, tem aumentado o número de imigrantes legais e ilegais e de pessoas contrabandeadas para o Brasil. Esses indivíduos são enganados em seus países de origem e quando chegam ao território brasileiro se encontram em uma situação desesperadora: sozinhos, sem falar o idioma local e sem conseguir voltar para suas residências habituais.
O Brasil é um país que recebeu um grande número de imigrantes em sua história, mas nos últimos anos o país se tornou um polo de emigração de brasileiros que procuravam melhores condições de trabalho e vida nos Estados Unidos da América (EUA), na Europa e no Japão. Dessa forma, essa nova onda de imigração e de pessoas vulneráveis entrando em solo nacional, assim como a volta de muitos brasileiros que viviam no exterior, reverte o movimento observado nos anos anteriores.
As pessoas vulneráveis que chegam cada dia em maior quantidade por razões diferentes contam com a ajuda de ONGs que trabalham com esses temas. Porém, o contexto de crise internacional tem diminuído seus orçamentos, principalmente porque não conseguem mais ajuda internacional de países e organizações privadas que percebem o Brasil como a 6ª maior economia do mundo que tem capacidade de lidar com seus próprios problemas e deixam de apoiar o trabalho dessas entidades. Ao mesmo tempo, o governo brasileiro nem sempre oferece apoio para essas instituições ou despende a devida atenção a esses indivíduos que estão sob sua responsabilidade. Nesse interregno, as ONGs que trabalham com a questão da imigração se encontram em uma situação difícil que tende a piorar com o agravamento da crise econômica e o aumento dos fluxos de pessoas para o país, sem ter perspectivas de diretrizes ou planos do governo de como cuidar desse grande número de novas chegadas.
O Brasil sempre teve uma postura de defensor dos direitos humanos, de modo que faz parte de diversos regimes sobre o assunto, dentre eles o de proteção aos refugiados. Além disso, o país desenvolveu o Programa de Reassentamento Solidário, um programa pioneiro na América Latina considerado exemplo a ser seguido, que recebe principalmente colombianos, palestinos e afegãos. Considerando seu histórico, seus valores tradicionais e sua percepção de mundo o país terá que decidir como conduzir essas questões. Uma alternativa adotada por diversos países considerados desenvolvidos foi o endurecimento de sua política imigratória e o fechamento de fronteiras. Essa opção não seria viável porque grande parte da legitimidade do Brasil e da conquista de espaço na cena internacional são oriundas de seus discursos de país amante da paz, defensor da autodeterminação dos povos, do desenvolvimento e dos direitos humanos. Por outro lado, o país ainda não traçou uma estratégia para arcar com esses custos de sua recente posição no sistema internacional.
Deve-se pensar que o Brasil possui características diversas dos países tradicionalmente considerados desenvolvidos: tais como sua dimensão continental, uma população grande e heterogênea marcada pela desigualdade econômica e social, uma burocracia cara, grande e ineficiente e a má gestão e distribuição de recursos. É possível analisar que, frente à impossibilidade de atender completamente as demandas de sua própria população, seria difícil para o governo lidar com os custos internos e internacionais advindos de sua posição como global player, principalmente com a situação dos imigrantes e refugiados. Contudo, quanto mais o Brasil demorar em tratar dessas questões, mais elas se agravarão, pressionando a sua população. Dessa forma, o país precisa se reorganizar para desenvolver maneiras de manejar as demandas internacionais de seus pares e as demandas nacionais influenciadas por seu papel no plano externo. É necessário primeiramente que o governo brasileiro dê maior atenção ao tema dos imigrantes e refugiados no país, assim como é imprescindível que os recursos sejam mais bem geridos e os trâmites burocráticos internos sejam acelerados.
O Brasil quer ser reconhecido como um Estado que participa ativamente e influencia as negociações internacionais em diferentes matérias. Sua busca por desenvolvimento e campanha por um lugar permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas começam a ter efeito visto que o Brasil passa a ser percebido como uma voz a ser considerada no sistema internacional. Ainda que isso traga uma gama de benefícios e possibilidades, estar no centro das atenções também tem seus custos e malefícios. Os governos dos EUA, Japão e Europa tiveram que lidar com essas consequências em seus processos de desenvolvimento. Da mesma maneira, o Brasil terá que considerar essas demandas que começam a bater a porta. Não há como o país – mesmo com suas especificidades- querer ser um global player em questões que lhe são convenientes e adotar um discurso de nação em desenvolvimento que necessita de ajuda internacional para as situações oriundas de sua ascensão no âmbito internacional. Em um contexto de crise econômica, nem os países desenvolvidos aceitarão um discurso ambíguo do governo brasileiro, nem a população brasileira conseguirá sozinha tratar as temáticas complexas de tal discurso.
* Patrícia Nabuco Martuscelli é graduanda em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e membro do grupo de pesquisa Teoria das Relações Internacionais, Brasil e América Latina do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (patnabuco@gmail.com).
Fonte: Mundorama

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