25/09/2012 às 12h50
Nova Iorque/EUA, 25 de setembro de 2012
Senhor presidente da Assembleia Geral, Vuk Jeremic,
Senhor secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon,
Senhoras e senhores Chefes de Estado e de Governo,
Senhoras e senhores,
Mais uma vez uma voz feminina inaugura o debate na
Assembleia Geral das Nações Unidas. Para muitos, nós, mulheres, somos a metade
do céu, mas nós queremos ser a metade da Terra também, com igualdade de
direitos e oportunidades, livres de todas as formas de discriminação e
violência, capazes de construir a sua emancipação, e com ela contribuir para a
plena emancipação de todos.
Senhor Presidente,
Um ano após o discurso que pronunciei nesta mesma tribuna,
constato a permanência de muitos dos problemas que nos afligiam já em setembro
de 2011. Quero hoje voltar a discutir algumas destas questões cuja solução é
cada vez mais urgente.
Senhor Presidente,
A grave crise econômica, iniciada em 2008, ganhou novos e
inquietantes contornos. A opção por políticas fiscais ortodoxas vem agravando a
recessão nas economias desenvolvidas com reflexos nos países emergentes,
inclusive o Brasil.
As principais lideranças do mundo desenvolvido ainda não
encontraram o caminho que articula ajustes fiscais apropriados e estímulos ao
investimento e à demanda indispensáveis para interromper a recessão e garantir
o crescimento econômico.
A política monetária não pode ser a única resposta para
resolver o crescente desemprego, o aumento da pobreza e o desalento que afeta,
no mundo inteiro, as camadas mais vulneráveis da população.
Os Bancos Centrais dos países desenvolvidos persistem em uma
política monetária expansionista que desequilibra as taxas de câmbio. Com isso,
os países emergentes perdem mercado devido à valorização artificial de suas
moedas, o que agrava ainda mais o quadro recessivo global.
Não podemos aceitar que iniciativas legítimas de defesa
comercial por parte dos países em desenvolvimento sejam injustamente
classificadas como protecionismo. Devemos lembrar que a legítima defesa
comercial está amparada pelas normas da Organização Mundial do Comércio. O
protecionismo e todas as formas de manipulação do comércio devem ser
combatidos, pois conferem maior competitividade de maneira espúria e fraudulenta.
Não haverá resposta eficaz à crise enquanto não se
intensificarem os esforços de coordenação entre os países e os organismos
multilaterais como o G-20, o FMI e o Banco Mundial. Esta coordenação deve
buscar reconfigurar a relação entre política fiscal e monetária para impedir o
aprofundamento da recessão, controlar a guerra cambial e reestimular a demanda
global.
Sabemos, por experiência própria, que a dívida soberana dos
Estados e a dívida bancária e financeira não serão equacionadas num quadro
recessivo, ao contrário, a recessão só agudiza esses problemas. É urgente a
construção de um amplo pacto pela retomada coordenada do crescimento econômico
global, impedindo a desesperança provocada pelo desemprego e pela falta de
oportunidades.
Senhor presidente,
Meu país tem feito a sua parte. Nos últimos anos mantivemos
uma política econômica prudente, acumulamos reservas cambiais expressivas,
reduzimos fortemente o endividamento público e com políticas sociais
inovadoras, retiramos 40 milhões de brasileiros e brasileiras da pobreza,
consolidando um amplo mercado de consumo de massa.
Fomos impactados pela crise, como todos os países. Mas,
apesar da redução conjuntural de nosso crescimento, estamos mantendo o nível de
emprego em patamares extremamente elevados. Continuamos reduzindo a
desigualdade social e aumentando significativamente a renda dos trabalhadores.
Superamos a visão incorreta que contrapõe, de um lado as medidas de incentivo
ao crescimento, e de outro, os planos de austeridade. Esse é um falso dilema. A
responsabilidade fiscal é tão necessária quanto são imprescindíveis medidas de
estímulo ao crescimento, pois a consolidação fiscal só é sustentável em um
contexto de recuperação da atividade econômica.
A história revela que a austeridade, quando exagerada e
isolada do crescimento, derrota a si mesma. A opção do Brasil tem sido a de
enfrentar, simultaneamente, esses desafios.
Ao mesmo tempo em que observamos um estrito controle das
contas públicas, aumentamos nossos investimentos em infraestrutura e educação.
Ao mesmo tempo em que controlamos a inflação, atuamos
vigorosamente nas políticas de inclusão social e combate à pobreza. E, ao mesmo
tempo em que fazemos reformas estruturais na área financeira e previdenciária,
reduzimos a carga tributária, o custo da energia e investimos em
infraestrutura, em conhecimento para produzir ciência, tecnologia e inovação.
Há momentos em que não podemos escolher entre uma coisa ou
outra. Não há este tipo de alternativa. Há que desenvolvê-las de forma
simultânea e articulada.
Assim como em 2011, senhor presidente, o Oriente Médio e o
Norte da África continuam a ocupar um lugar central nas atenções da comunidade
internacional. Importantes movimentos sociais, com distintos signos políticos
varreram regimes despóticos e desencadearam processos de transição cujo sentido
e direção ainda não podem ser totalmente estabelecidos.
Mas não é difícil identificar em quase todos esses
movimentos um grito de revolta contra a pobreza, o desemprego, a realidade da
falta de oportunidades e de liberdades civis, impostas por governos
autoritários a amplos setores dessas sociedades, sobretudo às populações mais
jovens.
Não é difícil, igualmente, encontrar nesses acontecimentos
as marcas de ressentimentos históricos, provocados por décadas de políticas
coloniais ou neocoloniais levadas a cabo em nome de uma ação supostamente
civilizatória. Pouco a pouco, foram ficando claros os interesses econômicos que
estavam por detrás daquelas políticas.
Hoje, assistimos consternados à evolução da gravíssima
situação da Síria. O Brasil condena, nos mais fortes termos, a violência que
continua a ceifar vidas nesse país.
A Síria produz um drama humanitário de grandes proporções no
seu território e em seus vizinhos. Recai sobre o governo de Damasco a maior parte
da responsabilidade pelo ciclo de violência que tem vitimado grande número de
civis, sobretudo mulheres, crianças e jovens. Mas sabemos também da
responsabilidade das oposições armadas, especialmente daquelas que contam com
apoio militar e logístico de fora.
Como presidenta de um país que é pátria de milhões de
descendentes de sírios, lanço um apelo às partes em conflito para que deponham
as armas e juntem-se aos esforços de mediação do representante especial da ONU
e da Liga Árabe. Não há solução militar
para a crise síria. A diplomacia e o diálogo são não só a melhor, mas, creio, a
única opção.
Ainda como presidenta de um país no qual vivem milhares e
milhares de brasileiros de confissão islâmica, registro neste plenário nosso
mais veemente repúdio à escalada de preconceito islamofóbico em países
ocidentais. O Brasil é um dos protagonistas da iniciativa generosa “Aliança de
Civilizações”, convocada originalmente pelo governo turco.
Com a mesma veemência, senhor Presidente, repudiamos também
os atos de terrorismo que vitimaram diplomatas americanos na Líbia.
Senhor Presidente,
Ainda com os olhos postos no Oriente Médio, onde residem
alguns dos mais importantes desafios à paz e à segurança internacional, quero
deter-me mais uma vez na questão israelo– palestina.
Reitero minha fala de 2011, quando expressei o apoio do
governo brasileiro ao reconhecimento do Estado Palestino como membro pleno das
Nações Unidas. Acrescentei, e repito agora, que apenas uma Palestina livre e
soberana poderá atender aos legítimos anseios de Israel por paz com seus
vizinhos, segurança em suas fronteiras e estabilidade política regional.
Senhor presidente,
A comunidade internacional tem dificuldade crescente para
lidar com o acirramento dos conflitos regionais. E isto fica visível nos
impasses do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Esse é um dos mais graves
problemas que enfrentamos. A crise iniciada em 2008 mostrou que é necessário
reformar os mecanismos da governança econômica mundial. Na verdade, isto até
hoje não foi integralmente implementado.
As guerras e os conflitos regionais, cada vez mais intensos,
as trágicas perdas de vidas humanas e os imensos prejuízos materiais para os
povos envolvidos demonstram a imperiosa urgência da reforma institucional da
ONU e em especial de seu Conselho de Segurança.
Não podemos permitir que este Conselho seja substituído – como
vem ocorrendo – por coalizões que se formam à sua revelia, fora de seu controle
e à margem do direito internacional. O uso da força sem autorização do
Conselho, uma clara ilegalidade, vem ganhando ares de opção aceitável. Mas,
senhor Presidente, definitivamente, não é uma opção aceitável. O recurso fácil
a esse tipo de ação é produto desse impasse que imobiliza o Conselho. Por isso,
ele precisa urgentemente ser reformado.
O Brasil sempre lutará para que prevaleçam as decisões
emanadas da ONU. Mas queremos ações legítimas, fundadas na legalidade
internacional. Com esse espírito, senhor presidente, defendi a necessidade da
“responsabilidade ao proteger” como complemento necessário da “responsabilidade
de proteger”.
Senhoras e senhores,
O multilateralismo está hoje mais forte depois da Rio+20.
Naqueles dias de junho, realizamos juntos a maior e mais
participativa conferência da história das Nações Unidas, no que se refere ao
meio ambiente, e pudemos dar passos firmes rumo à consolidação histórica de um
novo paradigma: crescer, incluir, proteger e preservar, ou seja, a síntese do
desenvolvimento sustentável.
Agradeço especialmente o empenho do secretário-geral Ban
Ki-moon e do embaixador Sha Zukang, que tanto colaboraram com o Brasil, antes e
durante a Conferência.
O documento final que aprovamos por consenso no Rio de
Janeiro não só preserva o legado de 1992, como constitui ponto de partida para
uma agenda de desenvolvimento sustentável para o século XXI, com foco na
erradicação da pobreza, no uso consciente dos recursos naturais e nos padrões
sustentáveis de produção e consumo.
As Nações Unidas tem pela frente uma série de tarefas
delegadas pela Conferência do Rio, somos parceiros. Menciono aqui, em
particular, a definição dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
A Rio+20 projetou um poderoso facho de luz sobre o futuro
que queremos. Temos de levá-lo avante. Temos a obrigação de ouvir os repetidos
alertas da ciência e da sociedade, no que se refere à mudança do clima. Temos
de encarar a mudança do clima como um dos principais desafios às gerações
presentes e futuras.
O governo brasileiro está firmemente comprometido com as
metas de controle das emissões de gás de efeito estufa e com o combate, sem
tréguas, ao desmatamento da Floresta Amazônica.
Em 2009, voluntariamente, adotamos compromissos e os
transformamos em legislação. Essas metas são particularmente ambiciosas para um
país em desenvolvimento, um país que lida com urgências de todos os tipos para
oferecer bem-estar à sua população.
Esperamos que os países historicamente mais responsáveis
pela mudança do clima, e mais dotados de meios para enfrentá-la, cumpram também
com suas obrigações perante a comunidade internacional. Outra iniciativa das
Nações Unidas que o Brasil também considera importante, que saudamos, é o
lançamento da Década de Ação pela Segurança no Trânsito – 2011/2020. O Brasil
está mobilizado nas ações de proteção à vida, que assegurem a redução dos
acidentes de trânsito, uma das principais causas de morte entre a população
jovem do mundo. Para isso, nosso governo está desenvolvendo uma ampla campanha
de conscientização em parceria com a Federação Internacional de Automobilismo.
Senhor Presidente,
Em um cenário de desafios ambientais, crises econômicas e
ameaças à paz em diferentes pontos do mundo, o Brasil continua empenhado em
trabalhar com seus vizinhos por um ambiente de democracia, um ambiente de paz,
de prosperidade e de justiça social.
Avançamos muito na integração do espaço latino-americano e
caribenho como prioridade para nossa inserção internacional. Nossa região é um
bom exemplo para o mundo. O Estado de Direito que conquistamos com a superação
dos regimes autoritários que marcaram o nosso continente está sendo preservado
e está sendo fortalecido.
Para nós, a democracia não é um patrimônio imune a assaltos,
temos sido firmes, - Mercosul e Unasul - quando necessário, para evitar
retrocessos porque consideramos integração e democracia princípios
inseparáveis.
Reafirmo também o nosso compromisso de manter a região livre
de armas de destruição em massa. E nesse ponto, quero lembrar a existência de
imensos arsenais que, além de ameaçar toda a humanidade, agravam tensões e
prejudicam os esforços de paz.
O mundo pede, em lugar de armas, alimentos, para o bilhão de
homens, mulheres e crianças que padecem do mais cruel castigo que se abate
sobre a humanidade: a fome.
Por fim, senhor Presidente, quero referir-me a um
país-irmão, querido de todos os latino-americanos e caribenhos: Cuba. Cuba tem
avançado na atualização de seu modelo econômico. E para seguir em frente nesse
caminho, precisa do apoio de parceiros próximos e distantes. Precisa do apoio
de todos. A cooperação para o progresso de Cuba é, no entanto, prejudicada pelo
embargo econômico que há décadas golpeia sua população. É mais do que chegada a
hora de pôr fim a esse anacronismo, condenado pela imensa maioria dos países
das Nações Unidas.
Senhor presidente,
Este ano, assistimos todos aos Jogos Olímpicos e
Paraolímpicos, organizados brilhantemente pelo Reino Unido. Com o encerramento
dos Jogos de Londres, já começou, para o Brasil, a contagem regressiva para as
Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, que serão precedidas pela Copa do Mundo
de 2014.
A cada dois anos, durante os Jogos de verão e de inverno, a
humanidade parece despertar para valores que nos deveriam inspirar
permanentemente: a tolerância, o respeito pelas diferenças, a igualdade, a
inclusão, a amizade e o entendimento, princípios que são também os alicerces
dos direitos humanos e desta Organização.
Ao inaugurar esta sexagésima sétima Assembleia Geral,
proponho a todas as nações aqui representadas que se deixem iluminar pelos
ideais da chama olímpica.
Senhoras e senhores,
O fortalecimento das Nações Unidas é extremamente necessário
neste estágio em que estamos, onde a multipolaridade abre uma nova perspectiva
histórica. É preciso trabalhar para que assim seja. Trabalhar para que, na
multipolaridade que venha a prevalecer, a cooperação predomine sobre o
confronto, o diálogo se imponha à ameaça, a solução negociada chegue sempre
antes e evite a intervenção pela força.
Reitero que nesse esforço, necessariamente coletivo, e que
pressupõe busca de consensos, cabe às Nações Unidas papel privilegiado.
Sobretudo, à medida que a Organização e suas diferentes instâncias se tornem
mais representativas, mais legítimas e, portanto, mais eficazes.
Muito obrigada.
Ouça a íntegra do discurso (23min50s) da Presidenta Dilma.
Fonte: Planalto
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