Questões republicanas podem ser muito amplas. As responsabilidades cívicas, que normalmente são relacionadas a pessoas físicas, podem ser também atribuídas a pessoas jurídicas empresariais.
A rigor as empresas mantém, com tolerância de todas as democracias, um estreito relacionamento com os assuntos públicos: basta citar dois para evidenciar isso, licitações e contratos para prestação de serviços públicos e financiamento de campanhas eleitorais. Ninguém questiona a inconveniência dessas práticas cívicas. No entanto, a responsabilidade das empresas por assuntos de interesse coletivo, como a defesa dos direitos humanos, é mais controversa.
Exemplo disso é o debate atual que vem sendo travado na Suprema Corte dos Estados Unidos. Quem acompanhar o caso Kiobel vs. Shell vai se deparar com a seguinte questão: até que ponto a violação a direitos humanos pode ser atribuída a uma empresa norte americana? E se a violação ocorrer no exterior?
Depois de passar seis dias ouvindo argumentos no maior caso sobre direitos humanos e grandes corporações globais, caso em que se discute se as empresas americanas podem ser processadas por envolvimento em tortura no exterior, a Suprema Corte dos Estados Unidos pediu para as partes envolvidas resolverem uma questão ainda mais ampla.
A questão original que veio à tona no caso Kiobel v. Royal Dutch (Shell) Petroleum Company, n. 10.491, é saber se empresas americanas podem ser processadas, e condenadas, por tribunais dos Estados Unidos, por violações a direitos humanos cometidos no exterior.
Na última terça-feira (03.04.12) os juízes da Suprema Corte revelaram interesse em saber se os tribunais dos EUA nunca poderiam analisar esse tipo de caso, ou seja, se há, no direito norte-americano, algum impedimento para que os tribunais nacionais dos EUA analisem violações a direitos humanos no exterior se o acusado for uma corporação empresarial americana.
O caso foi apresentado por 12 nigerianos que disseram que a Shell, empresa petrolífera estrangeira, havia sido cúmplice na violação aos direitos humanos cometidos contra eles pela ditadura de Abacha, na região de Ogoni, na Nigéria entre 1992 e 1995. Essas violações incluiriam atos de tortura, execuções extrajudiciais e crimes contra a humanidade. A Corte de Apelação de Nova York decidiu, anteriormente, que empresas e organizações políticas não poderiam ser responsabilizadas por atos dessa natureza.
A Suprema Corte instruiu as partes a apresentam argumentos para interpretar a seção 28 do Código dos Estados Unidos, o Alien Tort Claims Act (ATCA), de 1789, que, a bem da verdade, não é um texto claro. Nele, se pode ler que os tribunais americanos estão autorizados a julgar “qualquer conduta civil cometida por estrangeiro baseada em violações ao direito das gentes ou a Tratado assinado pelos EUA". Não fica claro se a conduta deve ser praticada exclusivamente por pessoas físicas ou se pessoas jurídicas também podem ser acusadas por elas.
Essa norma foi amplamente ignorada até a década de 1980, quando os tribunais federais começaram a aplicá-la em casos internacionais de direitos humanos. Numa decisão de 2004, no caso Sosa v Álvarez-Machain, a Suprema Corte abriu as portas para algumas situações protegidas pelo ATCA, as que envolvessem violações a normas internacionais com "conteúdo definido e aceito entre as nações civilizadas."
A advogada da Shell argumentou que a maior parte dos Tratados Internacionais prevê a responsabilização individual, não a responsabilização corporativa em casos assim. O argumento da acusação é que o direito dos EUA não faz esse tipo de distinção e que não seria legítimo fazê-lo diante de violações a direitos humanos. Por esse argumento, as Corporações Empresariais, que são pessoas jurídicas, deveriam responder pelas práticas previstas no Art. 28 do ATCA.
Em 2009, a Shell concordou em pagar US $ 15,5 milhões aos parentes das vítimas, no que seesperava ser o fim de uma longa batalha jurídica potencialmente embaraçosa.
A Shell sustenta sua inocência em todo o processo, dizendo que o acordo foi um "gesto humanitário" para ajudar a região de Ogoni. No entanto, advogados dos direitos humanos em Nova York, há dois anos, saudaram o acordo como um precedente para a responsabilizar gigantes como aShell pelas atividades de exploração petrolífera em países que são ditaturas ou que não respeitam os direitos humanos.
Fonte: República Inacabada
Fonte: República Inacabada
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