terça-feira, 13 de setembro de 2011

Disputas ‘verdes’ avançam na OMC


A apelação da China no caso das matérias primas (DS394, 395, 398); e um novo pedido da União Europeia (UE) por consultas em relação ao programa de tarifas feed-in (FIT, sigla em inglês), aplicado pela província canadense de Ontário para energia renovável (DS426), constituem duas disputas ambientais expressivas que recentemente avançaram no sistema multilateral de comércio.

China apela da decisão sobre matérias primas

Em uma decisão já esperada, a China apelou da decisão do painel de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC), divulgada em julho. A OMC considerou as medidas aplicadas por Pequim com o objetivo de controlar a exportação de matérias-primas essenciais à produção de eletrônicos, medicina e aço uma violação das regras da Organização.
Na disputa, considerada um divisor de águas na OMC (DS394, 395, 398), os Estados Unidos da América (EUA), a UE e o México – todos altamente dependentes das exportações chinesas – argumentaram que o sistema de cotas imposto pela China havia reduzido o fornecimento global e poderia, no futuro, resultar em preços consideravelmente mais altos no mercado mundial.
O painel concluiu que o regime chinês de restrições à exportação violou tanto a proibição da existência de restrições quantitativas – conforme estipulado pelo Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT, sigla em inglês) – quanto a promessa adicional da China de eliminar suas tarifas de exportação.
A China continua a discutir com EUA, Japão, UE e diversos outros países sobre as cotas de exportação aplicadas a terras raras, outro grupo de matérias-primas essencial para a produção de bens eletrônicos de alta tecnologia, extraído quase exclusivamente na China. A decisão, tomada em julho, foi rapidamente interpretada como uma rejeição das restrições às matérias-primas que constituem objeto do litígio e, mais do que isso, como uma rejeição à política de Pequim em relação a terras raras. Nesse sentido, a apelação da China, que teve quase todos os argumentos em sua defesa contrariados, não é nenhuma surpresa.
A China considera a decisão ameaçadora, em razão das consequências econômicas expressivas, bem como devido a certas conclusões do painel sobre os objetivos ambientais que teriam pautado a formulação da política chinesa. Essas conclusões podem ter consequências abrangentes se confirmadas pelo Órgão de Apelação, uma vez que a decisão de apelar do relatório parece ter motivações que extrapolam considerações apenas econômicas.
Fonte: ICTSD
Decisão histórica com implicações sistêmicas
Pequim tentou justificar seu regime de controle sob o argumento de que a limitação imposta às exportações contribuiria para reduzir a extração doméstica e, assim, preservar os recursos finitos. O país asiático argumenta que a reforma política se tornou necessária tendo em vista a projeção de que alguns dos recursos se esgotariam dentro de 4 a 15 anos.
Ademais, a China observou que o esgotamento de alguns recursos levaria inevitavelmente à escassez crítica de materiais essenciais à indústria chinesa. “As restrições são, portanto, também justificadas como medidas ‘aplicadas temporariamente para evitar ou aliviar a escassez crítica de produtos essenciais’, tal como previsto pelas regras da OMC”, afirmou China.
O painel rejeitou esses argumentos por diversos motivos. Primeiramente, observou que não havia “nenhuma ligação clara entre a forma como o imposto e a cota são definidos e qualquer objetivo de conservação”. O painel discordou que as restrições à exportação poderiam apoiar os esforços de conservação, na medida em que uma maior oferta interna poderia aumentar a demanda interna ao longo do tempo e, como resultado, estimular a extração.
O painel também constatou que a situação não diz respeito a uma “escassez crítica” – nem a “medidas temporariamente aplicadas”. Nas palavras do painel, a “escassez crítica” por natureza deve corresponder a uma “escassez temporária”, que poderia ser aliviada ou impedida por meio da aplicação de medidas em base “temporária”. Foi a primeira vez que um painel de solução de controvérsias da OMC se confrontou com essa exceção.

Painel : artigo XX não se aplica
Embora o artigo XX do GATT especifique exceções sensíveis a fim de permitir medidas necessárias para proteger o ambiente e a saúde pública, o painel discordou, uma vez mais, da posição de Pequim. “Nem as medidas de aplicação das restrições à exportação, nem as leis e regulamentos contemporâneos transmitem em seus textos que as restrições à exportação estão contribuindo, ou fazem parte de um programa abrangente para o cumprimento do objetivo ambiental argumentado”, declararam os membros do painel.
No entanto, o fato mais marcante nessa decisão foi a conclusão do Painel, qual seja: para as violações às regras da OMC relativas ao protocolo de adesão da China e não relacionadas aos acordos da OMC, o artigo XX do GATT não era aplicável. Caso confirmada pelo Órgão de Apelação, essa posição colocaria efetivamente muitas das obrigações da China junto à OMC fora do âmbito das exceções gerais do GATT, o que inclui temas como saúde pública, meio ambiente e conservação de recursos.
Se confirmada pelo Órgão de Apelação, essa decisão poderia ter implicações importantes não só para a China, mas para todo o sistema da OMC. Diversos protocolos de adesão seriam efetivamente colocados fora do âmbito das exceções gerais do GATT, enfraquecendo assim a proteção de políticas públicas legítimas. “Nesse contexto, o Órgão de Apelação seria bem instruído a anular essa constatação”, sugeriram especialistas em comércio durante reunião da Série de Diálogos “Talking Disputes”, realizada em Genebra, em julho, pelo International Centre for Trade and Sustainable Development (ICTSD).
A China recorreu, entre outras coisas, das conclusões do painel sobre a aplicabilidade do artigo XX a seu protocolo de adesão; da interpretação do termo “escassez crítica” pelo painel; e da rejeição da justificativa chinesa pautada na conservação dos recursos naturais. Oficialmente, é possível que se leve até três meses para chegar a uma conclusão sobre a apelação. Na prática, no entanto, as decisões podem levar até duas vezes mais do que esse prazo para serem emitidas. Segundo especialistas, a decisão deve ser divulgada no início de 2012.

UE e Japão rejeitam plano de energia renovável de Ontário
A polêmica envolvendo o programa de FIT para energia renovável, lançado pela província canadense de Ontário – que já é objeto de controvérsias comerciais com o Japão – veio à tona novamente no mês passado, depois que a UE solicitou oficialmente consultas à OMC, em 11 de agosto. Cabe lembrar que a OMC já estabeleceu um painel de disputa para ouvir as queixas japonesas contra o Canadá sobre o referido programa.
Em agosto, a UE anunciou que, ao mesmo tempo em que aprecia o compromisso de Ontário para incentivar o uso de energia renovável, o programa atual da província canadense não está em conformidade com as obrigações de Ottawa no âmbito da OMC. O bloco europeu alega que a cláusula “Buy Ontario” viola as disposições de tratamento nacional de três acordos da OMC: GATT, Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio (TRIMS, sigla em inglês), além de constituir um subsídio “proibido” de acordo com o Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias (SCM, sigla em inglês).
O mecanismo FIT atua como uma garantia de compra para os produtores de energias renováveis​​ ao assegurar acesso a redes de energia, oferecer contratos de longo prazo e assegurar os preços de compra de eletricidade. No entanto, a controvérsia sobre o FIT de Ontário resulta não do programa em si, mas de uma cláusula contratual que exige que produtores locais de energia adquiram até 60% de suas entradas de dentro da província.
EUA, Japão e UE são expoentes da indústria de energia verde, o que provavelmente despertou um interesse comum no caso original. No recente requerimento da UE por consultas, Bruxelas enfatizou seu papel de exportadora “significativa” de energia eólica e equipamentos de geração fotovoltaica para o Canadá. A UE registou que as exportações variaram de € 300 milhões a € 600 milhões entre 2007 e 2009 e acrescentou que “esses números poderiam ser maiores caso as exigências de conteúdo local fossem retiradas da legislação em questão”.
Estados membros da UE mantêm seus próprios programas de FIT – o que inclui, por exemplo, uma obrigação de compra de eletricidade renovável para os operadores da rede de eletricidade na Alemanha e um programa FIT para apoiar a pequena produção e abastecimento local no Reino Unido. Esses programas, no entanto, evitaram introduzir disposições de conteúdo local, tal como sugere estudo recentemente publicado pelo ICTSD. Além disso, o programa FIT da Alemanha é a única medida que foi submetida a um processo judicial internacional, antes do caso envolvendo Ontário surgir no âmbito da OMC. No entanto, em 2001, o Tribunal Europeu de Justiça decidiu que o programa FIT alemão operava dentro da legalidade.
Tradução e adaptação de artigo publicado originalmente em Bridges Weekly Trade News Digest, Vol. 15, No. 29 - 07 Set. 2011.

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