Medida
cautelar pedia que o governo brasileiro fosse impedido de prender o
ex-presidente até que se esgotassem todos os recursos jurídicos
O Comitê de Direitos Humanos da ONU rejeitou o pedido do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que seja solto no Brasil, como
parte de medidas cautelares solicitadas por seus advogados. O caso nas Nações
Unidas, porém, não está encerrado e uma avaliação completa de sua situação,
iniciada desde meados de 2016, continua a ser realizada.
O governo brasileiro terá mais seis meses para responder a
uma série de perguntas formuladas pela ONU. Mas uma decisão, segundo a
entidade, ficará apenas para 2019.
“O Comitê de Direitos Humanos não concederá medidas
cautelares no caso de Lula da Silva”, declarou a porta-voz de Direitos Humanos
da ONU, Julia Gronnevet.
Uma resposta positiva por parte da ONU significaria, na
avaliação da entidade, apertar o botão de “pausa” num processo em andamento
para que eventuais violações de direitos humanos fossem avaliadas. Nesse caso,
os riscos de um dano irreparável não foram constatados.
O jornal O Estado de S. Paulo revelou com exclusividade no
mês passado que um recurso ao Comitê de Direitos Humanos da ONU era uma
possibilidade. Um dia antes de ser preso, enquanto Lula negociava com a Polícia
Federal, seus advogados entraram com a queixa na ONU. A reportagem apurou que
chamou a atenção do organismo a rapidez da decisão do juiz federal Sérgio Moro.
Uma eventual decisão de recomendar medidas urgentes
ocorreria por conta da avaliação dos peritos da ONU de que a prisão lhe
impediria de exercer plenamente seus direitos políticos. Mas o apelo não foi
atendido.
Olivier de Frouville, um dos membros do Comite da ONU,
explicou que a avaliação concluiu que “não houve um dano irreparável” com a
prisão de Lula. “Tomamos medidas cautelas quando há um risco de dano
irreparável”, explicou. “Olhando para o pedido dos advogados de defesa e para a
situação presente, consideramos que, neste momento, não existe esse risco”,
disse.
Um dos danos irreparáveis, segundo ele, seria a perda de
direitos civis ou políticos por conta de uma ação. “Não estávamos convencidos
de que isso era o caso”, disse. “Não há risco pessoal claro ainda”, apontou,
alertando que o “estado presente é ainda muito incerto”.
De acordo com Frouville, o Comitê enviou uma carta ao
governo brasileiro comunicando a decisão. Mas também alertando que o estado não
poderá tomar medidas que sejam incompatíveis com o trabalho do Comitê e nem no
caso de Lula.
“Vamos continuar atentos sobre o que ocorre nesse caso e,
claro, os advogados de defesa tem o direito de voltar ao Comitê para pedir
medidas cautelas caso tenham novas informações”, indicou. “Mas, neste ponto, o
Comitê não vê risco de dano irreparável”, indicou.
Uma esperança entre aliados de Lula era de que a ONU
seguisse a mesma decisão que já havia tomado em um caso que consideravam
semelhante. Em março, ela atendeu a um pedido similar de políticos catalães,
presos nos últimos meses. A ONU recomendou, por exemplo, que o deputado
independentista Jordi Sanches, fosse liberado para que pudesse participar de
eleições. Mas o estado espanhol ignorou a recomendação da ONU.
Eleição
Mesmo sem atender ao pedido dos advogados de Lula, a ONU
continua a avaliar o caso e juntar em um mesmo processo a questão da
admissibilidade e seu mérito. Mas alerta que dificilmente teria uma posição
final antes de 2019, depois, portanto, das eleições presidenciais.
A queixa de Lula foi levada ao Comitê de Direitos Humanos
Nações Unidas em julho de 2016, pelo advogado Geoffrey Robertson. A denúncia
central era de que Moro estaria sendo parcial no julgamento do ex-presidente.
Em outubro daquele ano, as equipes legais da ONU aceitaram dar início ao exame.
“Ainda não lidamos com o mérito do caso”, explicou
Frouville. “Isso vai ser feito se o caso for aceito”, disse. De acordo com ele,
o estado brasileiro recebeu seis meses de prazo para responder a uma série de
questões. “Nesse momento, não há ainda uma decisão sobre a admissibilidade do
caso”, disse.
Depois disso, a defesa de Lula ainda tem mais quatro meses
para dar uma resposta aos comentários do Brasil. Se o obstáculo da
admissibilidade for superado, o Comitê então avaliará seu mérito.
Yuval Shany, um dos 18 peritos do Comitê, explicou ao Estado
no mês passada que o caso ainda está sendo avaliado no que toca sua
admissibilidade. Para que o caso seja tratado em seu mérito, porém, ele aponta
que primeiro há que se decidir se os remédios locais foram esgotados ou não.
“Só podemos lidar com o caso se isso foi totalmente
resolvido pela Justiça doméstica. O sr. Lula sugeriu que as injustiças são
tais, que não há remédios locais efetivos para ele no Brasil”, explicou Shany.
“O estado (brasileiro) contesta isso. Portanto, precisamos primeiro decidir
sobre essa questão”, disse.
Na fase inicial de a avaliação de uma queixa, não se
avaliava o conteúdo do caso. Mas somente se a ONU tem o direito ou não de
examinar e fazer suas recomendações. Em 2017, o governo brasileiro deu
respostas às Nações Unidas sobre o caso, alegando que todas as instituições do
estado estão “funcionando” e que os direitos do ex-presidente foram
preservados.
Defesa
Para comentar a decisão da ONU, os advogados Cristiano Zanin
Martins e Valeska Teixeira Zanin Martins, que defendes Lula, divulgaram a
seguinte nota sobre o assunto.
“Recebemos hoje (22/05) do Comitê de Direitos Humanos da
ONU, com satisfação, decisão que confirma que o órgão internacional está
formalmente investigando as violações contra garantias fundamentais do ex-Presidente
Lula que apresentamos em comunicado individual protocolado em julho de 2016. A
admissibilidade do comunicado e o mérito serão julgados conjuntamente. Trata-se
do primeiro comunicado individual feito por um brasileiro àquele órgão
internacional”, escreveu.
“O Comitê também admitiu julgar o caso à luz do artigo 25 do
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que assegura a todo cidadão
a possibilidade de participar ‘sem restrições infundadas’ o direito de ‘votar e
ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio
universal e igualitário por voto secreto, que garantam a manifestação da
vontade dos eleitores’, diante de aditamento que apresentamos em 06/04/2018. O
governo brasileiro terá 6 meses para apresentar defesa sobre o mérito do
comunicado”.
“Na peça protocolada em julho de 2016, foram listadas
diversas violações ao Pacto de Direitos Políticos e Civis, adotado pela ONU,
praticadas pelo juiz e pelos procuradores da Operação Lava-Jato de Curitiba
contra Lula, seus familiares e advogados. Esse Pacto prevê, dentre outras
coisas: (a) proteção contra prisão ou detenção arbitrária (Artigo 9º); (b)
direito de ser presumido inocente até que se prove a culpa na forma da lei
(Artigo 14); (c) proteção contra interferências arbitrárias ou ilegais na
privacidade, família, lar ou correspondência e contra ofensas ilegais à honra e
à reputação (Artigo 17); e, ainda, (d) do direito a um julgamento independente
e imparcial (Artigo 14)”.
“As evidências apresentadas no comunicado se reportam,
dentre outras coisas: (i) à privação da liberdade por cerca de 6 horas imposta
a Lula em 4 de março de 2016, por meio de uma condução coercitiva sem previsão
legal; (ii) ao vazamento de materiais sigilosos para a imprensa e à divulgação
de ligações interceptadas, inclusive entre Lula e seus advogados; (iii) a
diversas medidas cautelares autorizadas injustificadamente; e, ainda, (iv) ao
fato de o juiz Sergio Moro haver assumido em documento enviado ao Supremo
Tribunal Federal, em 29/03/2016, o papel de acusador, imputando crimes a Lula
por doze vezes, além de antecipar juízo de valor sobre assuntos pendentes de
julgamento na 13ª. Vara Federal Criminal de Curitiba”.
“O Comitê de Direitos Humanos da ONU também decidiu que por
ora não irá conceder uma medida liminar em favor de Lula, tal como requerido em
06/04, mas alertou as autoridades brasileiras de que é incompatível com as
obrigações assumidas pelo Brasil no Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos qualquer ato de obstrução “que impeça ou frustre a análise pelo
Comitê [da ONU] de um comunicado alegando violação ao Tratado, ou que afirme
que a expressão dos entendimentos do Comité é frívola e fútil”, finalizam os
advogados. Prisão de Lula: Fachin autoriza comissão de deputados a visitar
ex-presidente.
Fonte: Exame
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