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terça-feira, 15 de maio de 2018

O uso ilegal da força na Síria e as deliberações do Conselho da ONU

No dia 7 de abril de 2018, o governo da Síria foi acusado de utilizar-se novamente de armas químicas contra rebeldes na região de Douma, situada na região metropolitana de Damasco, capital do país, matando cerca de 75 pessoas e atingindo outras 500. Estima-se que Cloro e Gás Sarin foram utilizados – informação essa que ainda será confirmada pela Organização Para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ), organização internacional situada em Haia que tem como objetivo não só monitorar o manuseio de tais artefatos, como também estimular o desuso e a destruição de arsenais químicos da qual a Síria é membro desde 2013, a qual teve acesso a Douma no dia 18 de abril após um tiroteio no local no dia anterior ter impedido a sua entrada.
Essa não foi a primeira vez que o governo de Bashar al-Assad usa armas químicas na guerra civil que já dura sete anos.[1] A última vez havia sido quase exatos 12 meses, eis que no dia 4 de abril de 2017 a cidade de Khan Sheikhoun, no norte do país, foi palco de um ataque com Gás Sarin, vitimando cerca de 100 pessoas e contaminando outras 300, o que foi devidamente confirmado pela OPAQ em junho de 2017[2].
As semelhanças nos ataques não se limitam ao uso de armas químicas, mas também restam nas consequências. Em 2017, o governo Trump, o qual havia recentemente assumido a Presidência, ordenou um ataque de 59 mísseis Tomahawk contra uma base aérea de Al Shayrat – local usado pelo governo sírio para estocar armas químicas até 2013 – que foi largamente criticado à época pelo presidente russo, Vladmir Putin.[3]
Situação essa que se repetiu em 14 de abril de 2018, quando uma coalisão formada por Estados Unidos, França e Reino Unido lançaram uma série de ataques aéreos contra bases militares onde seriam guardadas armas químicas por al-Assad, em retaliação ao suposto uso de armas químicas por este na semana anterior.[4] Desta vez, mais de 100 mísseis da coalisão foram interceptados pelo sistema de defesa sírio, formado por armamento antiaéreo russo, o que acirrou os embates entre os presidentes Vladmir Putin e Donald Trump.
Isso porque, mesmo com declarações por parte do norte-americano de que não mais colaborariam com a reconstrução do país[5] e sairiam da Síria[6], deve-se ressaltar que o presidente Trump ordenou um ataque aéreo recentemente contra forças que lutam ao lado do regime sírio, vitimando uma série de nacionais russos que atuavam na região. Logo, qualquer manifestação no sentido de que os ataques da coalizão seriam uma represália justificável aos os bombardeios em Douma seria precipitada, ao menos até que a OPAQ indique se armas químicas foram utilizadas. Afinal, as tensões entre Estados Unidos e Rússia já vem se deteriorando desde a anexação da Crimeia por parte dos russos em 2014[7] ao o fechamento do consulado norte-americano em São Petersburgo e a expulsão de 60 diplomatas norte-americanos do país pelos desdobramentos do caso do envenenamento do ex-espião Skripal e sua filha, Yulia, em Londres, em março de 2018[8] – isso sem contar a contínua névoa que gira em torno da interferência de cidadãos russos nas eleições norte-americanas[9] e que vem gerando desdobramentos graves no cenário doméstico do país[10].
De toda sorte, mesmo diante de tais atrocidades, é importante frisar que o Direito Internacional não autoriza os Estados Unidos (e nem a colisão formada por Washington, Paris e Londres) a atacarem a Síria. Do ponto de vista legal, conforme a Carta da ONU, o uso da força é proibido[11], sendo apenas admitidas duas exceções: em legítima defesa[12] ou quando expressamente autorizada pelo Conselho de Segurança da ONU[13].
No primeiro caso, seria necessário que um ato de agressão armada[14]tivesse ocorrido ao menos contra Estados Unidos, França ou Grã Bretanha (ou outro país membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte[15]) para que esses fossem autorizados pelo Direito Internacional a contra-atacar. Quando não for esse o caso, somente poderia haver o uso da força quando devidamente autorizado pelo Conselho de Segurança.
O Conselho de Segurança, porém, não pode ordenar uma ação armada direta – nem mesmo quando fundamentando a sua decisão em questões humanitárias. Faz-se necessário que o Conselho tenha tentado outras medidas mais “suaves”, tais como as sanções econômicas, a fim de convencer o país a cumprir com as suas obrigações internacionais.[16]Somente quando frustradas essas medidas é que o Conselho de Segurança poderia ordenar um ataque consoante a Carta da ONU.
Ademais, para que uma medida seja aprovada, a resolução precisa obter no mínimo 09 votos favoráveis de um total de 15, sem que nenhum dos membros permanentes (Estados Unidos, Rússia, França, Rino Unido e China) votem de maneira contrária à medida. Caso um membro permanente rejeite a resolução, ela não é aprovada.[17]
Esse é justamente o cenário na síria: no dia 10 de abril deste ano, o Conselho de Segurança se reuniu em caráter de emergência, sem que nenhuma medida fosse aprovada – a única tentativa, vetada pela Rússia, foi de que uma investigação independente, paralela a da OPAQ, deveria ser constituída para averiguar se houve ou não o uso de agentes químicos em Douma. Por mais que uma série de sanções econômicas já estejam em vigor contra a Síria[18], nenhuma medida que sugerisse o uso da força foi votada. Nem mesmo em 2017 conseguiu-se aprovar uma medida condenando o uso de armas químicas no país.[19]
Mesmo assim, a coalisão formada por Washington, Paris e Londres realizou os ataques. Outrossim, mesmo diante de flagrante violação da Carta da ONU, em nova reunião no dia 14 de abril, não se conseguiu aprovar no Conselho uma resolução proposta pela Rússia condenando os ataques aéreos realizados, em razão do veto dos próprios países envolvidos nos bombardeios, lembre-se, todos membros permanentes do Conselho.
Assim sendo, diante desses recorrentes episódios, é oportuno salientar que, para proteger a população civil, o uso da força só é permitido se houver autorização formal e expressa do Conselho de Segurança da ONU. Por mais que a Síria não esteja cumprindo com as suas obrigações, em particular aquelas assumidas perante á OPAQ em 2013, em nenhuma das recentes reuniões o Conselho autorizou que os bombardeiros fossem lançados contra o regime de Bashar al-Assad, configurando em uma clara violação de direito internacional.
Por  é professora de Direito Internacional e de Relações Internacionais na Unifin/RS, doutora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre em Direito Público pela Unisinos e especialista em Relações Internacionais Contemporâneas e em Direito Internacional, ambas pela UFRGS.
Fonte: CONJUR 


[1] KIMBALL, Daryl; DAVENPORT, Kelsey. Timeline of Syrian Chemical Weapons Activity, 2012-2018. Arms Control Association. Washington D.C., 13 abr. 2018. Disponível em: <https://www.armscontrol.org/factsheets/Timeline-of-Syrian-Chemical-Weapons-Activity>. Acesso em: 23.04.2018.
[2] OPCW. OPCW Fact-Finding Mission Confirms Use of Chemical Weapons in Khan Shaykhun on 4 April 2017. Hague, 30 jun. 2017. Disponível em: <https://www.opcw.org/news/article/opcw-fact-finding-mission-confirms-use-of-chemical-weapons-in-khan-shaykhun-on-4-april-2017/>. Acesso em: 23.04.2018.
[3] GORDON, Michael R.; COOPER, Helene; SHEAR, Michael D. Dozens of U.S. Missiles Hit Air Base in Syria. The New York Times. Nova York, 06 abr. 2017. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2017/04/06/world/middleeast/us-said-to-weigh-military-responses-to-syrian-chemical-attack.html>. Aecsso em: 23.04.2018
[4] KATOV, Mark. U.S., Allies Hit 3 Syrian Sites Linked To Chemical Weapons Program. National Public Radio. Washington D.C., 13 abr. 2018. Disponível em: <https://www.npr.org/sections/thetwo-way/2018/04/13/601794830/u-s-launches-attacks-on-syria>. Acesso em: 23.04.2018
[5] SCHMITT, Eric; COOPER, Helena; RUBIN, Alissa J. Trump Orders State Dept. to Suspend Funds for Syria Recovery. The New York Times. Nova York, 30 mar. 2018. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2018/03/30/world/middleeast/syria-us-coalition-deaths.html>. Acesso em: 23.04.2018
[6] COHEN, Zachary; BROWNE, Ryan. US Military: Who stands to gain if Trump pulls the US out of Syria? CNN Politics. Atlanta, 31 mar. 2018. Disponível em: <https://edition.cnn.com/2018/03/31/politics/us-withdraw-syria-trump/index.html>. Acesso em: 23.04.2018
[7] PUTIN'S Stance on Ukraine Supported by Minority of Nations. Bloomberg. Nova York, 14 mar. 2017. Disponível em: <https://www.bloomberg.com/graphics/infographics/countries-react-to-russian-intervention-in-crimea.html>. Acesso em: 23.04.2018.
[8] REUTERS. Russia expels 60 US diplomats, orders consulate closed. Public Radio International. Minneapolis, 29 mar. 2018. Disponível em: <https://www.pri.org/stories/2018-03-29/russia-expels-60-us-diplomats-orders-consulate-closed>. Acesso em: 23.04.2018.
[9] GRUNBERGER, Alessia. Putin 'couldn't care less' if Russian citizens meddled in US election. CNN. Atlanta, 12 mar. 2018. Disponível em: < https://edition.cnn.com/2018/03/11/politics/putin-nbc-interview-russian-interference/index.html>. Acesso em: 23.04.2018.
[10] CILLIZZA, Chirs. Why deep down Donald Trump really wants to sit down with Robert Mueller. CNN Politics. Atlanta, 04 abr. 2018. Disponível em: <https://edition.cnn.com/2018/04/04/politics/donald-trump-mueller-interview/index.html>. Acesso em: 23.04.2018.
[11] ONU. Carta da ONU. 1945. Art. 2: “A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios: (...) 4 - Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas” (ONU. Carta da ONU. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm>. Acesso em: 23.04.2018).
[12] Cf. Art. 51 da Carta da ONU: “Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais” (ONU. Carta da ONU. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm>. Acesso em: 23.04.2018).
[13] Cf. Art. 42 da Carta da ONU: “No caso de o Conselho de Segurança considerar que as medidas previstas no Artigo 41 seriam ou demonstraram que são inadequadas, poderá levar a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações Unidas” (ONU. Carta da ONU. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm>. Acesso em: 23.04.2018).
[14] Nos termos da Resolução n. 3314 de 1973, art. 1: “A agressão é o uso da força armada por um Estado contra a soberania, integridade territorial ou independência política de outro Estado, ou de qualquer forma incompatível com a Carta das Nações Unidas, tal Como decorre da presente definição” (ONU. Assembleia Geral. Resolução n. 3314. 1973. Disponível em: <www.zoom.org.pt/images/311/73f999f1/59.pdf>. Acesso em: 23.04.2018).
[15] Conforme o art. 5 do Tratado constitutivo da OTAN, a agressão contra um país do bloco representa uma agressão à todos os membros da organização. Cf. NATO. The North Atlantic Treaty. Washington D.C., 04 abr. 1949. Art. 5: "The Parties agree that an armed attack against one or more of them in Europe or North America shall be considered an attack against them all and consequently they agree that, if such an armed attack occurs, each of them, in exercise of the right of individual or collective self-defence recognised by Article 51 of the Charter of the United Nations, will assist the Party or Parties so attacked by taking forthwith, individually and in concert with the other Parties, such action as it deems necessary, including the use of armed force, to restore and maintain the security of the North Atlantic area" Disponível em: <https://www.nato.int/cps/ic/natohq/official_texts_17120.htm>. Acesso em: 23.04.2018.
[16] Essas medidas seriam amparadas pelo Art. 41 da Carta da ONU, o qual prescreve que: “O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas decisões e poderá convidar os Membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos , postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie e o rompimento das relações diplomáticas” (ONU. Carta da ONU. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm>. Acesso em: 23.04.2018).
  1. Cf. Art. 27 da Carta da ONU: ”(1) Cada membro do Conselho de Segurança terá um voto; (2) As decisões do conselho de Segurança, em questões processuais, serão tomadas pelo voto afirmativo de nove Membros; (3) As decisões do Conselho de Segurança, em todos os outros assuntos, serão tomadas pelo voto afirmativo de nove membros, inclusive os votos afirmativos de todos os membros permanentes, ficando estabelecido que, nas decisões previstas no Capítulo VI e no parágrafo 3 do Artigo 52, aquele que for parte em uma controvérsia se absterá de votar” (ONU. Carta da ONU. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm>. Acesso em: 23.04.2018).
[18] USA. Us. Department. Syria Sanctions. Washington D.C., s/d. Disponível em: <https://www.state.gov/e/eb/tfs/spi/syria/>. Acesso em: 23.04.2018; EU. Conselho da União Europeia. Syria – EU extends sanctions against the regime by one year. Luxemburgo, 29 mai. 2017. Disponível em: <www.consilium.europa.eu/en/press/press-releases/2017/05/29/syria-sanctions/>. Acesso em: 23.04.2018.
[19] UN. Russia blocks Security Council action on reported use of chemical weapons in Syria’s Khan Shaykhun. UN News. Nova York, 12 abr. 2017. Disponível em: <https://news.un.org/en/story/2017/04/555292-russia-blocks-security-council-action-reported-use-chemical-weapons-syrias-khan>. Acesso em: 23.04.2018

terça-feira, 13 de março de 2018

Por que há uma guerra na Síria: 10 perguntas para entender o conflito, das origens às novas frentes de batalha

Quase 400 mil civis continuam presos na província de Ghouta Oritental, região controlada por rebeldes e próxima da capital síria, Damasco. Na semana passada, foi anunciada uma "pausa humanitária" diária para permitir a fuga dos habitantes, mas os bombardeios continuaram.
Só nesta segunda feira (5/02/2018) um comboio com ajuda humanitária conseguiu chegar a Ghouta.
Segundo estimativas do Centro Sírio de Pesquisas Políticas (SCPR, na sigla em inglês), 470 mil pessoas já morreram desde o início da guerra civil síria, em 2011. Só nas últimas semanas, em Ghouta, foram 719 mortos.
Outras 5 milhões já deixaram o país, calcula o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).

1. O que está acontecendo em Ghouta Oriental?

No último mês, o governo sírio e seus aliados intensificaram as ofensivas contra territórios controlados por grupos islâmicos e jihadistas, incluindo Ghouta Oriental, que é controlada pela oposição desde 2012.
O bastião rebelde perto de Damasco sofreu vários dias consecutivos de bombardeios, que deixaram mais de 700 civis mortos.
Segundo a ONU, impressionantes 76% das residências de Ghouta Oriental foram devastadas, e grande parte dos 400 mil moradores do enclave se mudou para abrigos subterrâneos.
Em um vídeo obtido pela BBC na semana passada, duas crianças mostravam os destroços de sua casa. Uma médica da região afirmou que "Ghouta está sendo destruída".
"Nos ataques, as tropas do governo usam vários tipos de armamento. Estamos destruídos, mentalmente e emocionalmente", diz ela.
No fim de fevereiro, por exemplo, uma criança morreu e outras 13 pessoas apresentaram sintomas - como dificuldades em respirar e tonturas - consistentes com os de um ataque de gás cloro. O governo nega ter usado o armamento.
Não se trata da primeira acusação do tipo. Em agosto de 2013, o governo sírio foi acusado por potências ocidentais de disparar foguetes de gás sarin (composto químico que age no sistema nervoso) em Ghouta, Damasco, matando centenas de pessoas.
O presidente sírio, Bashar al-Assad, negou a acusação e culpou os rebeldes, mas concordou em destruir o arsenal químico da Síria. Apesar disso, a Organização pela Proibição de Armas Químicas continuou a reportar o uso de produtos químicos tóxicos em ataques no país.
A região vive também uma crise humanitária. Há restrição à entrada de ajuda humanitária, e produtos alimentícios básicos, como pão e arroz, estão sob forte pressão inflacionária. A desnutrição infantil alcançou níveis sem precedentes: 11,9% das crianças com menos de cinco anos estão subnutridas.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Como armas compradas pelos EUA acabaram nas mãos do Estado Islâmico

Armas que deveriam estar nas mãos dos combatentes apoiados pelas forças ocidentais na Síria estão indo para o autodenominado grupo Estado Islâmico (EI) no vizinho Iraque. Mas como isso está acontecendo?
James Bevan e sua pequena equipe entram pisando cuidadosamente em uma casa na cidade de Qaraqosh, não muito distante de Mossul, no norte do Iraque.
Um rastro de sangue logo na porta de entrada e roupas próprias para um ataque suicida confirmam a informação recebida da milícia local - o local era usado por combatentes do EI.
O grupo de Bevan faz parte do setor de Investigação de Armamentos em Conflitos (CAR, na sigla em inglês), organização britânica fiannciada em parte pela União Europeia que rastreia e levanta informações sobre suprimento de armas em zonas de conflito. Em busca de evidências, os investigadores levam apenas notebooks e câmeras.
A casa tem ainda vestígios da família que ali vivia: roupa de cama e peças de vestuário espalhadas pelos cômodos. Mas num quarto dos fundos, a equipe encontra o que buscava - caixas vazias de munição.
Eles conversam enquanto tomam notas e tiram fotos. O objetivo é entender como as armas foram parar nas mãos erradas.
"A comunidade internacional tem estado cega para o fato de que armas estão sendo desviadas para áreas de conflito", explica Bevan.
A equipe da CAR trabalha próximo da linha de frente dos combates, em áreas recentemente retomadas do EI. Munições podem ser examinadas, mas as caixas vazias são mais úteis porque têm números de série e da quantidade que continham.
A numeração das caixas é inserida pela equipe de Bevan numa base de dados para rastrear como o material saiu da fábrica e chegou a uma zona de conflito.
'Receita' para fazer bomba
Qaraqosh, uma cidade predominantemente cristã, se tornou cenário de uma devastação quase apocalíptica - prédios reduzidos a escombros, crateras nas ruas, torres de igreja tombadas.
As ruas estão estranhamente silenciosas. Todos os moradores saíram quando o EI chegou. E o EI só deixou a cidade no fim do mês passado, após a ofensiva para libertar Mossul.
Durante o dia, uma milícia cristã local patrulha a cidade, mas há relatos de que à noite combatentes do EI às vezes voltam.
Visitamos uma igreja e encontramos três fiéis. Eles lembraram exatamente quando foi a última celebração ali - às 16h do dia 6 de agosto de 2014.
Depois, eles fugiram para a cidade de Erbil e só voltaram rapidamente para ver o que restara do templo.
Os quadros em torno do altar foram rasgados e o prédio saqueado. No salão da igreja, a equipe da CAR encontra sinais de que o local também era usado pelo EI como uma fábrica de armas.
Partes de foguetes estão espalhadas pelo chão. Ao lado de uma vasilha com produtos químicos, uma "receita" - escrita à mão - de como misturar explosivos.
O EI tentou fazer uma linha de produção de armas em massa nas áreas que controlava e criou fábricas de morteiros artesanais. Mas também há sinais de que os materiais usados vieram de outros países.
Compras em massa
Perto dos bancos da igreja há sacos com produtos químicos - a equipe da CAR já viu isso antes. Eles são vendidos no mercado interno da Turquia, mas grandes quantidades chegam ao EI.
"Ao analisarmos as armas artesanais e os explosivos caseiros, sabemos que eles compram grandes quantidades, principalmente no mercado turco", diz Bevan.
"A rede de compradores do EI chega ao sul da Turquia e certamente tem relacionamentos muito fortes com distribuidores bem grandes."
Em alguns casos a CAR encontrou provas de que três mil a cinco mil sacos de produtos químicos tinham sido comprados com um mesmo número de lote.
"Alguém foi lá (na Turquia) e comprou metade do estoque de uma fábrica", diz.
O EI não tem problema para se armar - e o levantamento da CAR indica que em parte isso se deve às armas levadas para a zona de conflito pelos grupos em luta.
O papel da Turquia
O comércio de armas é um mundo sombrio e oculto, mas a equipe de Bevan encontrou pistas da fonte da munição usada pelo EI.
Na fase inicial do conflito, a maior parte foi conseguida no campo de batalha, de forças iraquianas e sírias. Mas desde o fim de 2015, os investigadores começaram a ver o surgimento de outra importante fonte.
Caixas de munição encontradas foram rastreadas até fábricas no leste europeu.
A equipe de Bevan fez contato com vários países da região.
Eles descobriram que o material tinha sido vendido - legalmente - para os governos dos Estados Unidos e da Arábia Saudita. Em seguida fora embarcado pela Turquia.
O destino eram os grupos de oposição (apoiados pelos EUA e pelos sauditas) no norte da Síria que combatem as forças do presidente sírio Bashar al-Assad.
A intenção nunca foi fazer a munição chegar ao EI, mas em algum ponto do caminho ela foi desviada.
Esta munição foi encontrada nas cidades de Tikrit, Ramadi, Falluja e agora em Mossul - todos lugares onde acabou sendo usada para combater as forças iraquianas apoiadas pelos EUA.
A rapidez com que o EI está conseguindo esse material é alarmante - algumas vezes apenas dois meses depois de sair da fábrica.
"Se você fornece armas e munição para grupos que não são estados e estão envolvidos em um confito muito complexo e interligado, o risco de desvio é muito, muito alto", explica Bevan.
Mapeando o fluxo das armas
Talvez o paralelo mais próximo para o problema do desvio de armas tenha sido o apoio que os EUA e aliados deram aos combatentes mujahedin, que lutavam contra a antiga União Soviética no Afeganistão, nos anos 1980.
Naquela ocasião, as armas estavam sendo enviadas para alguns grupos aprovados pela CIA (o serviço de inteligência americano), mas eram canalizadas para o serviço secreto do Paquistão e, às vezes, iam para outros grupos que combatiam a União Soviética e tinham propostas ainda mais radicais, como a rede Al-Qaeda do falecido Osama Bin Laden.
A situação atual é ainda mais complexa e confusa do que a do Afeganistão nos anos 80. Hoje, são conflitos em dois países, Iraque e Síria, com um número bem maior de países apoiando grupos diversos.
Bevan acredita que traçar a rota das armas é o primeiro passo para evitar o desvio.
"Nós podemos ir ao fabricante e dizer: essas armas são suas e sabemos que você as vendeu legalmente, mas o seu comprador as transferiu sem autorização. Então você tem um problema e agora precisa fazer algo em relação a ele."
A prova da destruição provocada pelas armas está em toda parte no Iraque e na Síria. Tentar conter esse fluxo não será fácil enquanto outros Estados estiverem apoiando grupos simpatizantes locais.

E no caos deste conflito não há garantia de quem vai terminar pondo as mãos nas armas nem de como elas serão usadas.

Fonte: BBC

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Conselho de Segurança faz reunião de emergência sobre violência na Síria

Os 15 países-membros do Conselho de Segurança realizaram uma sessão de emergência neste domingo (25.09.2016) após uma série de bombardeios à cidade de Alepo, na Síria.
Segundo as Nações Unidas, 275 mil sírios estão sem poder sair do leste de Alepo, onde a ajuda humanitária está acabando.
Ataque sem precedentes
O enviado especial da ONU à Síria, Staffan de Mistura, participou da reunião e disse que os Estados Unidos e a Rússia têm que fazer todo o possível para evitar que o país árabe chegue ao precipício.
Mistura afirmou ainda que pelo menos 200 pessoas morreram no bombardeio de quinta-feira à cidade. O enviado especial da ONU contou que o nível do ataque foi sem precedentes.
Entre a munição utilizada estavam bombas anti-bunker que deixaram crateras nas áreas atingidas.
Staffan de Mistura pediu ao Conselho de Segurança, com base no ponto de vista humanitário, que pressione pelo fim da violência e a proteção de civis e da infraestrutura.
Ele disse ainda que é preciso haver uma pausa de 48 horas por semana para a passagem de ajuda aos moradores de Alepo.  Segundo o enviado especial, a ONU e os parceiros têm de ter acesso à cidade sem nenhuma condição seja do governo ou da oposição.  Ele também pediu a evacuação médica de doentes que precisam de socorro.
Escombros
Um acordo de cessar-fogo temporário que estava em vigor após uma decisão dos Estados Unidos e da Rússia foi suspenso na semana passada.  De Mistura afirmou que os dois países, que são membros permanentes do Conselho de Segurança, devem fazer mais para acabar com o que ele chamou de um banho de sangue.  Pelo menos 2 milhões de pessoas estão vivendo numa cidade sitiada.
Após o bombardeio com a pesada munição, de Mistura afirmou que a cidade foi reduzida a escombros.
O Grupo Internacional de Apoio à Síria é co-presidido por norte-americanos e russos, mas a força-tarefa conta ainda com a ONU, a Liga Árabe, a União Europeia e 16 países.
Ainda na manhã deste domingo, o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon disse que está chocado com a escalada da violência em Alepo.
Segundo ele, o uso de bombas anti-bunker eleva o conflito para um novo nível de barbárie. Ban lembrou que a lei internacional é clara: o uso de armas indiscriminadas em áreas populosas é um crime de guerra.
Ao mencionar a reunião de emergência no Conselho de Segurança, Ban perguntou que desculpa pode haver para não acabar com o que ele chamou de uma carnificina, e terminou pedindo a todos que façam sua parte para pôr fim à violência na Síria.

Fonte: Radio ONU

domingo, 29 de março de 2015

Menina síria se rende ao confundir câmera fotográfica com uma arma

Um fotógrafo capturou nesta sexta-feira (27/03/2015), na Síria, a imagem de uma criança que se rendeu em frente sua câmera. Segundo informações do site Huffington Post, a pequena levantou os braços ao confundir a câmera com um rifle.
Menina síria se rende ao confundir câmera com um rifle. 
O fotógrafo que registrou a imagem queria retratar a realidade das crianças sírias, e não imaginou que a menina iria pensar que ele estava apontando uma arma para ela.
A fotografia mostra um exemplo de crianças que são marcadas desde muito jovens pela violência da sangrenta guerra civil que assola a região.
A imagem é a prova de que crianças de cinco anos já entendem como funcionam as armas e sabem como reagir para pedir socorro ou paz diante de um rifle.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) estima que cerca de 14 milhões de crianças são afetadas pelos conflitos na síria.
Leia também: 
Fonte: R7