Nos EUA, Direito é um curso posterior à graduação. Há vantagens nesse modelo, mas há também consequências indesejáveis.
Nos Estados Unidos, o curso de
Direito é uma espécie de pós-graduação. Somente quem já possui um curso
superior pode candidatar-se à admissão numa escola de Direito. Aliás, esse fato
explica por que é raro o uso da expressão “College of Law”. Ela existe, mas é
incomum. O Direito não é uma faculdade, mas um curso de três anos que pode ser
feito após a graduação. Por isso, o termo “Law School” é mais usual.
Em regra, não se exige que a
graduação seja relacionada à área jurídica. São admitidos alunos com formação
em ciências afins ao Direito, como economia, ciência política, filosofia,
jornalismo, psicologia, assim como alunos com formação em biologia, música,
física nuclear e outras artes e ciências sem uma conexão evidente com o
fenômeno jurídico.
Graduar-se numa área conexa pode
dar ao candidato uma vantagem competitiva no processo seletivo para admissão no
curso de Direito. O mercado norte-americano, atento a esse fato, oferece
graduações bastante incomuns, destinadas ao público que deseja posteriormente
ingressar numa Law School. É possível, por exemplo, encontrar cursos de graduação
em criminal law. Assim, curiosamente, o aluno obtém um bacharelado numa área
específica – o Direito Penal –, para só depois ingressar no curso de Direito e
obter sua formação jurídica generalista.
Estudantes com diferentes formações
ajudam a oxigenar o estudo do Direito. E essa talvez seja a maior vantagem do
sistema norte-americano. A interdisciplinaridade é bem-vinda e bem aproveitada.
Um aluno graduado em economia, por exemplo, tende a compilar dados sobre
processos e realizar pesquisas empíricas sobre acordos com maior facilidade e
consistência. Já um estudante com formação em psicologia é capaz de analisar os
perfis dos ministros da Suprema Corte e desenvolver modelos para predizer suas
decisões. O mesmo vale para a ciência política, a sociologia ou o jornalismo.
Cada ciência pode contribuir de um modo para a compreensão e a crítica do
Direito.
Ter em seus bancos alunos já
graduados e capazes de aplicar seu conhecimento técnico-científico em favor do
Direito faz da Law School um ambiente propício à construção de novos
conhecimentos, não só ao estudo dos clássicos.
Outra vantagem desse sistema é o
fato de que os alunos ingressam no curso de Direito mais velhos e mais maduros.
Afinal, todos já passaram por pelo menos uma graduação. Boa parte deles,
inclusive, já teve alguma experiência no mercado de trabalho. A experiência
profissional dos alunos, inclusive, é um fator com bastante peso nos processos
seletivos. Quanto mais rica sua experiência, maior a chance de ele ser
selecionado por uma boa universidade. Tudo isso molda o comportamento dos
estudantes em sala e fora dela. É absolutamente atípico ver alunos atrasados,
despreparados ou alheios à aula. Nenhum estudante de Direito, nos Estados
Unidos, veio diretamente das carteiras do ensino médio. Os colegas são vistos
como competidores. Isso motiva cada um a, diariamente, dar o seu melhor.
Outra característica (não
necessariamente boa) explicada pelo fato de o Direito ser uma pós-graduação é a
curta duração do curso. Como os discentes já passaram por uma primeira
faculdade, todos eles, em tese, já estudaram as matérias propedêuticas
necessárias à formação jurídica. Por isso, o curso de Direito dura breves três
anos. Mas não se engane com esse número. São três anos em período integral, com
dedicação exclusiva. O número de horas-aula pode ser inferior ao modelo
brasileiro, mas, na ponta do lápis, a carga de leitura, de trabalhos e de
preparação para as aulas superam com folga a quantidade de trabalho e de
leitura que nossos estudantes, no Brasil, diluem em cinco anos.
Mas, se há vantagens em fazer do
Direito um curso posterior à graduação, há também suas consequências
indesejáveis. A primeira delas é o custo. As carreiras jurídicas exigem que o
profissional se afaste por pelo menos três anos do mercado de trabalho, volte a
ser estudante e, adicionalmente, pague pesadas mensalidades à instituição de
ensino. Assim, apenas uma pequena parcela da população, que pode contar com o
auxílio da família, tem acesso à Law School. A outra alternativa é encarar os
temidos financiamentos universitários, que não estão disponíveis a todo o
público. São comuns os casos de estudantes que saem da Universidade com dívidas
de sete dígitos. Esse sistema encarece o serviço jurídico.
Advogados estão entre os
profissionais mais caros do mercado norte-americano. Em parte, o custo está
relacionado à necessidade de o profissional recuperar o alto investimento em
sua formação educacional. E isso, em regra, leva anos.
A segunda consequência é corolário
da primeira. O alto custo associado ao estudo do Direito faz dele um curso de
elite. Pessoas pobres dificilmente conseguem ingressar e se manter nos bancos
de uma Law School. Há programas de bolsa e de inclusão, mas seu impacto não é
tão significativo.
Pelo mesmo motivo, o curso atrai
pessoas interessadas em ampliar seus rendimentos. Obviamente, ninguém vai
investir cifras altíssimas para continuar ganhando o mesmo que já ganhava em
seu antigo emprego. O estudante de Direito norte-americano, em geral, não é
idealista. Não é alguém que, apaixonado por uma causa ou indignado por uma
injustiça, resolveu dedicar-se ao Direito para mudar o mundo. O modelo
norte-americano atrai pessoas pragmáticas, que visualizam a possibilidade de,
após um período de pesados investimentos e de árdua dedicação, aumentarem
significativamente o valor de sua hora de trabalho. Por isso, disciplinas
consideradas abstratas ou humanitárias atraem sistematicamente menos alunos que
aquelas voltadas ao mercado, como Direito desportivo ou Direito do
entretenimento – essas, sim, áreas que movimentam bilhões de dólares em
contratos.
JORDÃO VIOLIN – Doutorando e mestre
em Direito Processual Civil pela UFPR. Tem LL.M. em direito norte-americano
pela Syracuse University (EUA). Advogado e professor dos cursos de graduação e
pós-graduação da PUC/PR
Fonte: JOTA
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