sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Quem estuda Direito nos Estados Unidos?

Nos EUA, Direito é um curso posterior à graduação. Há vantagens nesse modelo, mas há também consequências indesejáveis.

Nos Estados Unidos, o curso de Direito é uma espécie de pós-graduação. Somente quem já possui um curso superior pode candidatar-se à admissão numa escola de Direito. Aliás, esse fato explica por que é raro o uso da expressão “College of Law”. Ela existe, mas é incomum. O Direito não é uma faculdade, mas um curso de três anos que pode ser feito após a graduação. Por isso, o termo “Law School” é mais usual.
Em regra, não se exige que a graduação seja relacionada à área jurídica. São admitidos alunos com formação em ciências afins ao Direito, como economia, ciência política, filosofia, jornalismo, psicologia, assim como alunos com formação em biologia, música, física nuclear e outras artes e ciências sem uma conexão evidente com o fenômeno jurídico.
Graduar-se numa área conexa pode dar ao candidato uma vantagem competitiva no processo seletivo para admissão no curso de Direito. O mercado norte-americano, atento a esse fato, oferece graduações bastante incomuns, destinadas ao público que deseja posteriormente ingressar numa Law School. É possível, por exemplo, encontrar cursos de graduação em criminal law. Assim, curiosamente, o aluno obtém um bacharelado numa área específica – o Direito Penal –, para só depois ingressar no curso de Direito e obter sua formação jurídica generalista.
Estudantes com diferentes formações ajudam a oxigenar o estudo do Direito. E essa talvez seja a maior vantagem do sistema norte-americano. A interdisciplinaridade é bem-vinda e bem aproveitada. Um aluno graduado em economia, por exemplo, tende a compilar dados sobre processos e realizar pesquisas empíricas sobre acordos com maior facilidade e consistência. Já um estudante com formação em psicologia é capaz de analisar os perfis dos ministros da Suprema Corte e desenvolver modelos para predizer suas decisões. O mesmo vale para a ciência política, a sociologia ou o jornalismo. Cada ciência pode contribuir de um modo para a compreensão e a crítica do Direito.

Ter em seus bancos alunos já graduados e capazes de aplicar seu conhecimento técnico-científico em favor do Direito faz da Law School um ambiente propício à construção de novos conhecimentos, não só ao estudo dos clássicos.

Outra vantagem desse sistema é o fato de que os alunos ingressam no curso de Direito mais velhos e mais maduros. Afinal, todos já passaram por pelo menos uma graduação. Boa parte deles, inclusive, já teve alguma experiência no mercado de trabalho. A experiência profissional dos alunos, inclusive, é um fator com bastante peso nos processos seletivos. Quanto mais rica sua experiência, maior a chance de ele ser selecionado por uma boa universidade. Tudo isso molda o comportamento dos estudantes em sala e fora dela. É absolutamente atípico ver alunos atrasados, despreparados ou alheios à aula. Nenhum estudante de Direito, nos Estados Unidos, veio diretamente das carteiras do ensino médio. Os colegas são vistos como competidores. Isso motiva cada um a, diariamente, dar o seu melhor.
Outra característica (não necessariamente boa) explicada pelo fato de o Direito ser uma pós-graduação é a curta duração do curso. Como os discentes já passaram por uma primeira faculdade, todos eles, em tese, já estudaram as matérias propedêuticas necessárias à formação jurídica. Por isso, o curso de Direito dura breves três anos. Mas não se engane com esse número. São três anos em período integral, com dedicação exclusiva. O número de horas-aula pode ser inferior ao modelo brasileiro, mas, na ponta do lápis, a carga de leitura, de trabalhos e de preparação para as aulas superam com folga a quantidade de trabalho e de leitura que nossos estudantes, no Brasil, diluem em cinco anos.
Mas, se há vantagens em fazer do Direito um curso posterior à graduação, há também suas consequências indesejáveis. A primeira delas é o custo. As carreiras jurídicas exigem que o profissional se afaste por pelo menos três anos do mercado de trabalho, volte a ser estudante e, adicionalmente, pague pesadas mensalidades à instituição de ensino. Assim, apenas uma pequena parcela da população, que pode contar com o auxílio da família, tem acesso à Law School. A outra alternativa é encarar os temidos financiamentos universitários, que não estão disponíveis a todo o público. São comuns os casos de estudantes que saem da Universidade com dívidas de sete dígitos. Esse sistema encarece o serviço jurídico.

Advogados estão entre os profissionais mais caros do mercado norte-americano. Em parte, o custo está relacionado à necessidade de o profissional recuperar o alto investimento em sua formação educacional. E isso, em regra, leva anos.

A segunda consequência é corolário da primeira. O alto custo associado ao estudo do Direito faz dele um curso de elite. Pessoas pobres dificilmente conseguem ingressar e se manter nos bancos de uma Law School. Há programas de bolsa e de inclusão, mas seu impacto não é tão significativo.
Pelo mesmo motivo, o curso atrai pessoas interessadas em ampliar seus rendimentos. Obviamente, ninguém vai investir cifras altíssimas para continuar ganhando o mesmo que já ganhava em seu antigo emprego. O estudante de Direito norte-americano, em geral, não é idealista. Não é alguém que, apaixonado por uma causa ou indignado por uma injustiça, resolveu dedicar-se ao Direito para mudar o mundo. O modelo norte-americano atrai pessoas pragmáticas, que visualizam a possibilidade de, após um período de pesados investimentos e de árdua dedicação, aumentarem significativamente o valor de sua hora de trabalho. Por isso, disciplinas consideradas abstratas ou humanitárias atraem sistematicamente menos alunos que aquelas voltadas ao mercado, como Direito desportivo ou Direito do entretenimento – essas, sim, áreas que movimentam bilhões de dólares em contratos.

JORDÃO VIOLIN – Doutorando e mestre em Direito Processual Civil pela UFPR. Tem LL.M. em direito norte-americano pela Syracuse University (EUA). Advogado e professor dos cursos de graduação e pós-graduação da PUC/PR

Fonte: JOTA



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