A Declaração Universal dos
Direitos Humanos (DUDH) foi adotada em 10 de dezembro de 1948. Para marcar o
aniversário de 70 anos, será publicado textos informativos sobre cada um de
seus artigos. A série, disponibilizada pelo Escritório do Alto Comissariado da
ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH), mostra até onde chegamos, até onde
devemos ir e o que fazer para honrar aqueles que ajudaram a dar vida a tais
aspirações.
Chefe da Comissão para os Direitos Humanos, Eleanor Roosevelt (direita), com Hansa Mehta, representante da Índia, em 1º de junho de 1949. Foto: ONU/Marvin Bolotsky |
Artigo 1: Todos os seres humanos nascem livres e
iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir
em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
A Declaração Universal dos
Direitos Humanos (DUDH), de 1948, é – obviamente – um documento sobre direitos
humanos. Então, por que dignidade é citada antes de direitos no Artigo 1?
A dignidade é a base de
todos os direitos humanos. Seres humanos possuem direitos, e devem ser tratados
com a mais elevada proteção, precisamente porque cada um possui valor
intrínseco. O ex-chefe de direitos humanos da ONU Zeid Ra’ad Al Hussein chamou
estas palavras iniciais de “talvez, as mais ressonantes e bonitas de todos os
acordos internacionais”. Elas destacam que “direitos humanos não são uma
recompensa para bom comportamento”, disse ele, mas o direito de todas as
pessoas, em todos os momentos, em todos os lugares.
Reagindo ao horror das duas
Guerras Mundiais, a comunidade internacional julgou importante em 1948
enfatizar o conceito de dignidade humana nas primeiras palavras deste documento
pioneiro, destacando um termo que já havia sido enfatizado na linha inicial do
Preâmbulo da DUDH, assim como na Carta que fundou as Nações Unidas, três anos
antes.
Mary Robinson, outra
ex-chefe de direitos humanos da ONU, considerou dignidade como um “senso
interior de consciência própria”, um conceito que “evoca uma empatia com o
outro, nos conecta uns com os outros”. Isto forneceu um ponto de partida para
novas interpretações dos direitos humanos. Como disse Robinson, “em nosso mundo
interconectado, esta empatia deve se expandir para atacar as flagrantes
desigualdades que levantam questões de justiça”.
Dignidade (uma palavra que
aparece cinco vezes ao longo da Declaração) é de um lado um argumento
irrefutável, e de outro um conceito ambíguo, nem sempre fácil de ser traduzido
para legislação. Mesmo assim, dignidade agora é reconhecida como um direito em
mais de 160 Constituições no mundo (de 193 membros da ONU), comparado aos
somente cinco países que usavam o termo em suas Constituições em 1945.
E frequentemente cabe aos
juízes garantir que a dignidade humana seja respeitada. Juízes como Albie
Sachs, que dedicou sua vida a garantir, e então proteger, a dignidade humana.
Como um ativista sul-africano antiapartheid, ele passou meses em prisão
solitária e perdeu um braço e a visão em um olho quando seu carro foi explodido
por agentes de segurança.
Mais tarde, ele ocupou por
15 anos o cargo de juiz do mais alto tribunal da África do Sul. Ele escreveu
que chorou após decidir que a companhia aérea South African Airways não poderia
discriminar uma comissária de bordo com HIV. “As lágrimas caíram por conta de
um grande senso de orgulho de ser membro de um tribunal que protegia direitos
fundamentais e assegurava dignidade para todos”, disse.
Assegurar a dignidade para
todos está no coração de uma campanha da ONU que se baseia nas primeiras
palavras do Artigo 1. “Livres e Iguais” é o slogan para a campanha da ONU
contra a homofobia e a transfobia, que começou em 2013 e busca “construir um
mundo onde ninguém precise ter medo de sua orientação sexual ou identidade de
gênero”, segundo o secretário-geral da ONU, António Guterres.
Gênero é um conceito que é
– possivelmente sutilmente – abordado no Artigo 1, e de fato em quase todos os
artigos da DUDH. Para sua época, o documento é notavelmente ausente de linguagem
sexista. Com a exceção de uma única frase em inglês “himself and his family”
(ele próprio e sua família), que aparece nos Artigos 23 e 25, o documento se
refere a “todos” ou “ninguém”.
Este uso pioneiro reflete o
fato de que mulheres tiveram uma função importante na elaboração da DUDH, pela
primeira vez na história da criação internacional de leis. O processo foi
comandado por Eleanor Roosevelt, ex-primeira-dama dos Estados Unidos e
defensora dos direitos humanos. Mulheres de Dinamarca, Paquistão, do bloco
comunista e de outras nações não ocidentais também fizeram contribuições
cruciais.
As primeiras palavras do
Artigo 1 ecoam a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento
francês adotado pouco após a revolução francesa, em 1789. Graças à firme
redatora indiana Hansa Mehta, a frase francesa “todos os homens nascem livres e
iguais” se tornou “todos os seres humanos nascem livres e iguais”.
Ela se opôs à afirmação de
Roosevelt de que “homens” incluíam as mulheres – um conceito amplamente aceito
na época. Mehta argumentou que países poderiam usar esta formulação para
restringir os direitos das mulheres, em vez de expandi-los.
As mulheres redatoras da
DUDH criaram um legado duradouro – mesmo em um mundo onde grande parte do
trabalho ainda precisa ser feita. Em quase todos os países, mulheres continuam
ganhando menos que homens. Práticas discriminatórias contra mulheres são frequentemente
justificadas por referências a atitudes tradicionais, históricas, religiosas ou
culturais. Meninas possuem menos probabilidade de irem ou permanecerem em
escolas do que meninos. Mulheres frequentemente têm suas mobilidades limitadas
por conta das expectativas de que serão cuidadoras. Elas frequentemente têm
opções limitadas sobre com quem se casar – ou se vão casar – e pouco controle
sobre suas escolhas reprodutivas.
Apesar daquilo que
ainda precisa ser alcançado, as mulheres pioneiras que foram parte do processo
de elaboração da DUDH de 1946 a 1948 preservaram a igualdade como um objetivo
universal, e forneceram a base na lei internacional para aqueles que ainda
lutam para torná-la uma realidade. Não apenas para as mulheres, é claro, mas
também para pessoas com deficiências, idosos, membros de minorias étnicas e
religiosas, grupos indígenas, migrantes, crianças e qualquer um em qualquer
lugar enfrentando discriminação.
Fonte: ONU Brasil
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