A Bolívia quer uma saída para o mar. O problema é que há um
país no caminho, o Chile.
Depois de um longo processo que começou em 2013, esta semana [19/03/2018] marca o início da última fase do julgamento em que as duas nações enfrentam na
Corte Internacional de Justiça de Haia, na Holanda.
Durante dez dias, os dois países apresentarão suas
declarações finais - depois delas, os juízes terão alguns meses para chegarem a
um veredito.
Na última segunda-feira, a Bolívia abriu a última etapa da
argumentação oral com uma apresentação que foi seguida pela fala do presidente
do país, Evo Morales - o autor da demanda.
O mandatário afirmou que apelou a Haia devido à negativa do
governo chileno em se sentar para negociar um acesso da Bolívia ao Oceano
Pacífico.
Mas qual é a reclamação concreta que La Paz está fazendo? E
o que o Chile está respondendo em meio a tudo isso? A BBC explica a seguir essa
polêmica jurídica sobre as fronteiras sul-americanas:
Mais de 100 anos
Para entender o contexto da disputa, é importante
compreender sua origem.
Até 1904, a Bolívia - que, com o Paraguai, hoje forma a
única dupla de países sul-americanos sem saída para o mar - tinha uma fronteira
oriental que chegava até o Oceano Pacífico.
Segundo historiadores, o país tinha 400 km de costa e cerca
de 120 mil quilômetros quadrados a mais de território em comparação à área que
tem hoje.
Foi na chamada Guerra do Pacífico, em que Bolívia e Peru
enfrentaram o Chile, que tudo mudou.
O conflito começou quando os chilenos invadiram a Bolívia
com o argumento de que La Paz havia violado o tratado comercial que eles
tinham.
Os três países batalharam entre 1879 e 1884 - no fim, o
Chile se impôs.
Em 1904, foi firmado um acordo de paz que determinou novos
limites entre os países. O tratado segue vigente até hoje, mas a Bolívia acusa
o Chile de não cumprir algumas de suas cláusulas - algo que o governo chileno
nega.
O que a Bolívia quer?
Ao contrário de outras disputas fronteiriças estabelecidas
perante o Tribunal de Haia, o que é reivindicado neste caso não é um terreno
específico ou mar.
A Bolívia também não pede que os magistrados se pronunciem
sobre o status legal do Tratado de Paz de 1904.
Tudo o que eles querem é que o Chile se proponha a negociar.
Em um documento que resume a posição da Bolívia chamado
"El Libro del Mar" ("O livro do mar", em tradução livre), o
governo de La Paz argumenta que o "Chile se comprometeu a negociar uma
saída soberana para o mar para a Bolívia por meio de acordos, práticas
diplomáticas e uma série de declarações dadas por seus principais
representantes".
"Esses numerosos instrumentos deixam claro que o Chile
se comprometeu a encontrar uma solução para o confinamento marítimo da Bolívia
por meio de negociações com o objetivo de chegar a um acordo", acrescenta
o texto.
Por isso, a reclamação da Bolívia no tribunal argumenta que:
1. O Chile tem a obrigação de negociar com a Bolívia com o
objetivo de chegar a um acordo que outorgue aos bolivianos uma saída soberana
para o Oceano Pacífico.
2. O Chile violou essa obrigação.
3. O Chile deve cumprir a referida obrigação de boa-fé,
pronta e formalmente, dentro de um prazo razoável e de forma efetiva, a fim de
conceder à Bolívia uma saída totalmente soberana para o Oceano Pacífico.
Entre os argumentos, o governo boliviano sustenta que sempre
se mostrou disposto a dialogar e que, no passado, diferentes gestões do governo
chileno se dispuseram a encontrar soluções - algo que não está mais acontecendo
agora.
A Bolívia ainda enfatiza o que aconteceu durante os governos
militares do chileno Augusto Pinochet e do boliviano Hugo Banzer, quando ambos
os países estavam mais próximos de chegar a um acordo, de acordo com sua visão.
O que diz o Chile?
A defesa do governo chileno se baseia na legitimidade e
vigência do que foi acordado em 1904. Para Santiago, o Chile sempre respeitou
os detalhes do Tratado de Paz, que incluem permitir à Bolívia o uso dos portos
marítimos chilenos.
"O Chile reconhece, em favor da Bolívia, o direito mais
amplo e mais livre de trânsito comercial por meio do seu território e dos
portos do Pacífico", especifica o acordo.
Mas apesar disso, o governo chileno argumenta que as
diversas negociações que aconteceram ao longo da história não significaram
nenhum comprometimento do país a entregar uma parte do território aos vizinhos
bolivianos.
O Chile também reforça que, se houve algum diálogo no
passado, isso aconteceu por causa de um ato de boa vontade e não porque havia
uma obrigação pendente.
"Mantemos a convicção de que a demanda boliviana carece
de uma base, porque confunde direitos com aspirações e tergiversa completamente
no aspecto histórico do que já aconteceu entre Chile e Bolívia", resumiu a
então presidente Michelle Bachelet em 2015, quando o Tribunal de Haia assumiu o
caso.
O Chile acusou a Bolívia de buscar renegociar o acordo de
1904 por meio desse processo jurídico, algo que já era vetado pelo Pacto de
Bogotá de 1948.
Um dos embaixadores da causa chilena, o ex-presidente do
país Ricardo Lagos (2000-2006), inclusive afirmou que "se a tese boliviana
fosse acolhida, não haveria nenhum tratado assegurado".
O que já disse a
Corte?
Para o Tribunal de Haia, a questão que envolve a obrigação
ou não do Chile de se dispor a negociar com a Bolívia não está clara pelos
acordos atuais e, por isso, a Corte aceitou o caso em 2015, descartando a
objeção chilena.
"As disposições relevantes do Tratado de 1904 não
abordam, de forma explícita ou implícita, a questão da obrigação que o Chile
teria ou não de negociar um acesso soberano ao Oceano Pacífico para a
Bolívia", disse à época o presidente da Corte, Ronny Abraham, depois de
ter declarado o tribunal competente para julgar o caso.
Após o fim das argumentações, que acontecerão até o próximo
dia 28, os 15 juízes terão alguns meses para chegarem a uma decisão. O anúncio
poderá acontecer no fim deste ano ou no início de 2019.
Alguns acreditam que, mesmo que a definição favoreça a Bolívia,
isso não significaria que o país recuperaria sua saída para o mar.
"A Corte Internacional de Justiça não pode obrigar
nenhum país a cumprir suas sentenças", afirmou David Mares, especialista
em relações internacionais da Universidade da Califórnia em San Diego, nos
Estados Unidos.
No entanto, tanto Mares como outros especialistas dizem que
a resolução de Haia terá um grande impacto na opinião pública e significará um
apoio importante para o país que seja favorecido por ela.
Fonte: BBC
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