No dia 5 de julho, a Corte Europeia de Direitos Humanos publicou seu julgamento no caso A.M. v. Países Baixos, no qual decidiu que uma ordem de expulsão de um nacional do Afeganistão, o senhor A.M. (cuja identidade foi mantida em sigilo), emitida pelos Países Baixos, não viola a Convenção Europeia de Direitos Humanos, especialmente a proibição de tortura e tratamento cruel e degradante.
A.M. é originário do Afeganistão e entrou no território dos Países Baixos em 2003, depois de ter passado pelo Paquistão, Irã e Alemanha. Assim que entrou no território neerlandês, ele deu início a procedimentos para receber o status de asilado, sob a alegação de que temia ser perseguido no Afeganistão. A.M. afirmou que seria perseguido, caso fosse expulso para o Afeganistão, devido as suas atividades pretéritas como membro do partido comunista afegão e também pela sua participação como membro voluntário da Guarda Revolucionária. Além disso, ele alegou que havia o risco de ser torturado pelo grupo Hezb-e Wahdat, uma facção jihadista na qual atuou como membro. A.M. afirmou, por fim, que foi detido e torturado no Afeganistão por 45 dias, até conseguir escapar da prisão onde estava sendo mantido.
Em outubro de 2005, a Ministra da Imigração e Integração dos Países Baixos negou o pedido de asilo de A.M., com fundamento no artigo 1(F)(b) da Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados. Esse dispositivo afirma que uma pessoa não terá direito à condição de refugiado se “houver razões sérias para concluir que [essa pessoa] cometeu um crime grave de direito comum fora do país de refúgio antes de ser nele admitida como refugiado”. A Ministra destacou que, durante uma entrevista conduzida como parte do processo de concessão de asilo, A.M. admitiu que o Hezb-e Wahdat realizou vários atos contrários ao Direito Internacional, tais como saques de residências civis, atos de tortura e apreensão de carros privados. Como era membro dessa facção, a decisão da Ministra apontou que A.M. sabia ou tinha a obrigação de saber das atividades ilegais do Hezb-e Wahdat . Além disso, destacou-se que A.M., em relatos prévios perante autoridades dos Países Baixos, deturpou os fatos, banalizou a sua participação como membro do Hezb-e Wahdat e ocultou informações importantes. Diante do exposto, a Ministra da Imigração e Integração deferiu o pedido de asilo.
Depois disso, o Vice-Ministro da Justiça dos Países Baixos emitiu uma ordem de exclusão, a fim de expulsar A.M. do território neerlandês. A.M. apelou da decisão nas vias administrativas, mas não obteve sucesso. Em decisão final, datada de fevereiro de 2009, os Países Baixos declararam que a ordem de exclusão é válida e deve ser executada.
Inconformado com a decisão, A.M. iniciou uma ação contra os Países Baixos na Corte Europeia de Direitos Humanos, contestando a validade da sua ordem de exclusão. Ele alegou que há evidências suficientes para concluir que, se fosse efetivamente expulso para o Afeganistão, seria exposto à tortura ou tratamento cruel e degradante. Em junho de 2009, a Corte Europeia emitiu uma ordem cautelar, proibindo o Governo dos Países Baixos de realizar a expulsão de A.M. para o Afeganistão até que ela analise o mérito da controvérsia.
Em seu acórdão, a Corte Europeia observou que os Estados têm o direito costumeiro de controlar a entrada, permanência e expulsão de estrangeiros, desde que o exercício dessa prerrogativa não esteja em desconformidade com as obrigações convencionais dos Estados, incluindo aquelas contraídas à luz dos direitos humanos. Nesse prisma, a expulsão de um estrangeiro não poderá ser executada sempre que existem razões substanciais para crer que o estrangeiro em questão, se expulso, estará sob o risco real de ser submetido à tortura ou tratamento cruel e degradante no território do Estado de destino.
Conduto, a mera possibilidade de maus-tratos em decorrência de uma situação instável no Estado de destino não cria, em si, uma obrigação de não expulsão. Uma situação geral de instabilidade apenas será suficiente para tornar uma expulsão ilegal, à luz da proibição de tortura e tratamento cruel e degradante, em casos muito extremos, onde a situação geral de violência no país de destino é de tamanha intensidade que a expulsão de qualquer pessoa para esse país representaria um risco real do indivíduo ser submetido à tortura ou tratamento cruel e degradante.
Com isso, a proibição à expulsão com fulcro na proibição à tortura e tratamento cruel e degradante exige que o risco ao qual o estrangeiro estaria sujeito no Estado de destino, se fosse expulso, deve atingir um nível mínimo de gravidade. A fim de determinar o nível do risco à tortura ou tratamento cruel e degradante deve-se avaliar todas as circunstâncias e especificidades do caso concreto. Devido ao caráter absoluto dessa proibição de expulsão específica, ela deve se aplicar ainda quando o perigo emana de pessoas ou grupos que não sejam partes da estrutura estatal. Apesar disso, deve ser demonstrado que esse risco é real e suficientemente sério, e que as autoridades do Estado receptor são incapazes de evitar o risco.
Ao aplicar essas observações ao caso de A.M., a Corte Europeia concluiu que ele não demonstrou, de forma individualizada, que ele estaria exposto a um risco real de tortura ou tratamento cruel e degradante se expulso para o Afeganistão. A Corte observou que depois da queda do regime comunista afegão, A.M. atuou como membro de uma facção mujahedeen, o Hezb-e Wadat, sem qualquer ameaça pelo Estado ou grupos privados. Não há nenhuma evidência nos autos capaz de demonstrar que Hezb-e Wadat realizou esforços para rastrear A.M. depois de ele ter encerrado a sua participação nessa facção. A Corte também indicou que não há motivos suficientes para concluir que entidades privadas ou governamentais representam um risco a A.M. devido ao seu passado comunista e também pelas suas atividades no Hezb-e Wahdat. Foi observado ainda que não há no Afeganistão uma situação geral de violência na medida necessária para representar um risco real a A.M. caso ele seja expulso para lá. Um aspecto importante da decisão é o fato de que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) não lista as pessoas envolvidas no antigo regime comunista e os ex-membros do Hezb-e Wahdat como estando sob risco no Afeganistão.
Diante de todo o exposto, concluiu-se que a expulsão de A.M. para o Afeganistão não viola o Direito Internacional e, dessa forma, pode ser executada.
O julgamento completo do caso A.M. v. Países Baixos pode ser lido aqui.
Para uma lista dos casos da Corte Europeia de Direitos Humanos envolvendo expulsão de requerentes de asilo, clique aqui
Fonte: CEDIN
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