EMENTA: AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. LEI 13.146/2015. ESTATUTO DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA. ENSINO INCLUSIVO. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA
PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INDEFERIMENTO.
1. A Convenção Internacional
sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência concretiza o princípio da igualdade
como fundamento de uma sociedade democrática que respeita a dignidade humana.
2. À luz da Convenção e, por
consequência, da própria Constituição da República, o ensino inclusivo em todos
os níveis de educação não é realidade estranha ao ordenamento jurídico pátrio,
mas sim imperativo que se põe mediante regra explícita.
3. A Lei nº 13.146/2015 indica
assumir o compromisso ético de acolhimento e pluralidade democrática adotados
pela Constituição ao exigir que não apenas as escolas públicas, mas também as
particulares deverão pautar sua atuação educacional a partir de todas as
facetas e potencialidades que o direito fundamental à educação possui e que são
densificadas em seu Capítulo IV.
4. Medida cautelar indeferida.
A requerente alega violação aos
arts. 5º, caput, incisos XXII, XXIII, LIV, 170, incisos II e III, 205, 206,
caput, incisos II e III, 208, caput, inciso III, 209, 227, caput, § 1º, inciso
II, todos da Constituição da República.
O tema nesta Ação Direta de
Inconstitucionalidade é a obrigatoriedade das escolas privadas de oferecer
atendimento educacional adequado e inclusivo às pessoas com deficiência. Em
apertada síntese, a requerente afirma que a Lei nº 13.146/2015 estabelece
medidas de alto custo para as escolas privadas, violando os dispositivos constitucionais
supra mencionados, o que levaria ao encerramento das atividades de muitas
delas.
Requer, cautelarmente, a
suspensão da eficácia do parágrafo 1º do art. 28, e caput do art. 30 da Lei nº
13.146/2015.
O Presidente da Câmara dos
Deputados prestou informações acerca da tramitação do projeto de lei que deu
origem à norma impugnada (eDOC 17).
O Presidente do Senado Federal,
em suas informações (eDOC 21), afirma a constitucionalidade da Lei nº
13.146/2015 e sua compatibilidade com a Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, o que afastaria o fumus boni iuris. Alega
a ausência de periculum in mora em virtude da vacatio legis de 180 (cento e
oitenta) dias. E, por fim, para evitar o periculum in mora reverso requer o
indeferimento da cautelar pleiteada.
A Senhora Presidente da República
informou (eDOC 23) que com a aprovação da Lei nº 13.146/2015 “a questão da
deficiência, que antes era vista como um problema médico, passou a ser encarada
como uma questão social, que demanda a adoção de medidas necessárias à
eliminação de obstáculos e à garantia da plena inclusão na vida comunitária”.
Requereu o indeferimento da medida cautelar e, por fim, a improcedência dos
pedidos da petição inicial.
A Advocacia-Geral da União (eDOC
34) manifestou-se pelo indeferimento da medida cautelar, sob o argumento de que
os dispositivos impugnados são compatíveis com a Constituição da República.
Argumenta ainda que as disposições normativas permitem a política de educação
inclusiva da pessoa com deficiência, visando à garantia de igualdade de
oportunidades.
Foram admitidos como amici curiae
a Federação Nacional das Apaes – FENAPAES – (eDOC 31), Federação Brasileira das
Associações de Síndrome de Down – FBASD – (eDOC 60), Associação Nacional do
Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência
– AMPID – (eDOC 60), o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil –
CFOAB – (eDOC 87) e a Associação Brasileira para a Ação por Direitos das
Pessoas com Autismo – ABRAÇA (eDOC 87).
Foi solicitado pronunciamento da
Procuradoria-Geral da República (eDOC 88).
É o relatório. Decido.
Em questão inicial a ser dirimida
para análise deste pedido de medida cautelar, consigno não haver óbice para a
propositura desta ação pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de
Ensino – CONFENEN.
Este Tribunal chancelou em
diversas oportunidades a legitimidade da requerente para acionar a jurisdição
constitucional. Nesse sentido confira-se: ADI 3.330 (rel. min. Ayres Britto,
DJe 21.03.2013), ADI 3.710 (rel. min. Joaquim Barbosa, DJe 26.04.2007), ADI
1007 (rel. min. Eros Grau, DJ 24.02.2006), ADI 1.266 (rel. min. Eros Grau, DJ
23.09.2005), ADI 2.448 (rel. min. Sydney Sanches, DJ 13.06.2003), ADI 1.472
(rel. min. Ilmar Galvão, DJ 25.10.2002).
Ultrapassado o ponto, passo à
análise dos pressupostos do pedido cautelar.
A busca na tessitura
constitucional pela resposta jurídica para a questão somente pode ser realizada
com um olhar que não se negue a ver a responsabilidade pela alteridade
compreendida como elemento estruturante da narrativa constitucional.
A atuação do Estado na inclusão
das pessoas com deficiência, quer mediante o seu braço Executivo ou
Legislativo, pressupõe a maturação do entendimento de que se trata de ação
positiva em uma dupla via.
Explico: essa atuação não apenas
diz respeito à inclusão das pessoas com deficiência, mas também, em perspectiva
inversa, refere-se ao direito de todos os demais cidadãos ao acesso a uma arena
democrática plural. A pluralidade - de pessoas, credos, ideologias, etc. - é
elemento essencial da democracia e da vida democrática em comunidade.
Nessa toada, a Constituição
Federal prevê em diversos dispositivos a proteção da pessoa com deficiência,
conforme se verifica nos artigos 7º, XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 40, § 4º,
I, 201, § 1º, 203, IV e V, 208, III, 227, § 1º, II, e § 2º, e 244.
Pluralidade e igualdade são duas
faces da mesma moeda. O respeito à pluralidade não prescinde do respeito ao
princípio da igualdade. E na atual quadra histórica, uma leitura focada tão
somente em seu aspecto formal não satisfaz a completude que exige o princípio.
Assim, a igualdade não se esgota
com a previsão normativa de acesso igualitário a bens jurídicos, mas engloba
também a previsão normativa de medidas que efetivamente possibilitem tal acesso
e sua efetivação concreta.
Posta a questão nestes termos,
foi promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009 a Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, dotada do propósito de promover, proteger
e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e
liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, promovendo o
respeito pela sua inerente dignidade (art. 1º).
A edição do decreto seguiu o
procedimento previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição da República, o que lhe
confere status equivalente ao de emenda constitucional, reforçando o
compromisso internacional da República com a defesa dos direitos humanos e
compondo o bloco de constitucionalidade que funda o ordenamento jurídico
pátrio.
É imprescindível, portanto, a
análise do art. 24 da Convenção, que dispõe:
“Artigo 24
Educação
1. Os Estados Partes reconhecem o
direito das pessoas com deficiência à educação. Para efetivar esse direito sem
discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes
assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o
aprendizado ao longo de toda a vida, com os seguintes objetivos:
a) O pleno desenvolvimento do
potencial humano e do senso de dignidade e auto-estima, além do fortalecimento
do respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais e pela
diversidade humana;
b) O máximo desenvolvimento
possível da personalidade e dos talentos e da criatividade das pessoas com
deficiência, assim como de suas habilidades físicas e intelectuais;
c) A participação efetiva das
pessoas com deficiência em uma sociedade livre.
2. Para a realização desse
direito, os Estados Partes assegurarão que:
a) As pessoas com deficiência não
sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que
as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e
compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de deficiência;
b) As pessoas com deficiência
possam ter acesso ao ensino primário inclusivo, de qualidade e gratuito, e ao
ensino secundário, em igualdade de condições com as demais pessoas na
comunidade em que vivem;
c) Adaptações razoáveis de acordo
com as necessidades individuais sejam providenciadas;
d) As pessoas com deficiência
recebam o apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas
a facilitar sua efetiva educação;
e) Medidas de apoio
individualizadas e efetivas sejam adotadas em ambientes que maximizem o
desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena.
3. Os Estados Partes assegurarão
às pessoas com deficiência a possibilidade de adquirir as competências práticas
e sociais necessárias de modo a facilitar às pessoas com deficiência sua plena
e igual participação no sistema de ensino e na vida em comunidade. Para tanto,
os Estados Partes tomarão medidas apropriadas, incluindo:
a) Facilitação do aprendizado do
braille, escrita alternativa, modos, meios e formatos de comunicação
aumentativa e alternativa, e habilidades de orientação e mobilidade, além de
facilitação do apoio e aconselhamento de pares;
b) Facilitação do aprendizado da
língua de sinais e promoção da identidade lingüística da comunidade surda;
c) Garantia de que a educação de
pessoas, em particular crianças cegas, surdocegas e surdas, seja ministrada nas
línguas e nos modos e meios de comunicação mais adequados ao indivíduo e em
ambientes que favoreçam ao máximo seu desenvolvimento acadêmico e social.
4. A fim de contribuir para o
exercício desse direito, os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para
empregar professores, inclusive professores com deficiência, habilitados para o
ensino da língua de sinais e/ou do braille, e para capacitar profissionais e
equipes atuantes em todos os níveis de ensino. Essa capacitação incorporará a
conscientização da deficiência e a utilização de modos, meios e formatos
apropriados de comunicação aumentativa e alternativa, e técnicas e materiais
pedagógicos, como apoios para pessoas com deficiência.
5. Os Estados Partes assegurarão
que as pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino superior em geral,
treinamento profissional de acordo com sua vocação, educação para adultos e
formação continuada, sem discriminação e em igualdade de condições. Para tanto,
os Estados Partes assegurarão a provisão de adaptações razoáveis para pessoas
com deficiência”.
Ou seja, à luz da Convenção
Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, e, por consequência,
da própria Constituição da República, o ensino inclusivo em todos os níveis de
educação não é realidade estranha ao ordenamento jurídico pátrio. Ao contrário,
é imperativo que se põe mediante regra explícita.
Mais do que isso, dispositivos de
status constitucional estabelecem a meta de inclusão plena, ao mesmo tempo em
que se veda a exclusão das pessoas com deficiência do sistema educacional geral
sob o pretexto de sua deficiência.
Se é certo que se prevê como
dever do Estado facilitar às pessoas com deficiência sua plena e igual
participação no sistema de ensino e na vida em comunidade, bem como, de outro
lado, a necessária disponibilização do ensino primário gratuito e compulsório,
é igualmente certo inexistir qualquer limitação da educação das pessoas com
deficiência a estabelecimentos públicos ou privados que prestem o serviço
público educacional.
A Lei nº 13.146/2015 estabelece a
obrigatoriedade de as escolas privadas promoverem a inserção das pessoas com
deficiência no ensino regular e prover as medidas de adaptação necessárias sem
que o ônus financeiro seja repassado às mensalidades, anuidades e matrículas.
Analisada a moldura normativa, ao
menos neste momento processual, infere-se que, por meio da lei impugnada, o
Brasil atendeu ao compromisso constitucional e internacional de proteção e
ampliação progressiva dos direitos fundamentais e humanos das pessoas com
deficiência.
Ressalte-se que, não obstante o
serviço público de educação ser livre à iniciativa privada, ou seja,
independentemente de concessão ou permissão, isso não significa que os agentes
econômicos que o prestam o possam fazê-lo ilimitadamente ou sem
responsabilidade.
É necessária, a um só tempo, a
sua autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público, bem como o
cumprimento das normas gerais de educação nacional - as que se incluem não
somente na Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB),
como pretende a Requerente, mas também aquelas previstas pela própria
Constituição em sua inteireza e aquelas previstas pela lei impugnada em seu
Capítulo IV -, ambas condicionantes previstas no art. 209 da Constituição.
Não se pode, assim, pretender
entravar a normatividade constitucional sobre o tema com base em leitura dos
direitos fundamentais que os convolem em sua negação.
Nessa linha, não se acolhe o
invocar da função social da propriedade para se negar a cumprir obrigações de
funcionalização previstas constitucionalmente, limitando-a à geração de
empregos e ao atendimento à legislação trabalhista e tributária, ou, ainda, o
invocar da dignidade da pessoa humana na perspectiva de eventual sofrimento
psíquico dos educadores e “usuários que não possuem qualquer necessidade especial”.
Em suma: à escola não é dado escolher, segregar, separar, mas é seu dever
ensinar, incluir, conviver.
Ademais, o enclausuramento em
face do diferente furta o colorido da vivência cotidiana, privando-nos da
estupefação diante do que se coloca como novo, como diferente. Esse
estranhamento “não pode nos imobilizar em face dos problemas que enfrentamos
relativamente aos direitos humanos, isto é, ao direito a ter direitos, ao
contrário, o estranhamento deve ser o fio condutor de uma atitude que a partir
da vulnerabilidade assume a única posição ética possível, a do acolhimento.”
(CHUEIRI, Vera Karam de; CÂMARA, Heloísa. Direitos Humanos em movimento:
migração, refúgio, saudade e hospitalidade, Revista Direito, Estado e Sociedade
(PUC-RJ), Vol. 45, 2014. p. 174).
A Lei nº 13.146/2015 parece
justamente assumir esse compromisso ético de acolhimento quando exige que não
apenas as escolas públicas, mas também as particulares deverão pautar sua
atuação educacional a partir de todas as facetas e potencialidades que o
direito fundamental à educação possui e que são densificadas em seu Capítulo
IV.
Como não é difícil intuir, a
capacidade de surpreender-se com, na e pela alteridade, muito mais do que mera
manifestação de empatia, constitui elemento essencial para um desarmado - e
verdadeiro – convívio e também debate democrático. Nesse sentido e ainda na
toada da Professora Vera Karam de Chueiri ao tratar da hospitalidade, parece
evidenciar-se que somente “no desestabilizar das certezas – de exclusão – surge
a necessidade do encontro, do abraço, de ver os olhos de quem só se vê através
da mediação de números” (CHUEIRI, Vera Karam de; CÂMARA, Heloísa. Direitos
Humanos em movimento: migração, refúgio, saudade e hospitalidade, Revista
Direito, Estado e Sociedade (PUC-RJ), Vol. 45, 2014. p. 174).
Para além de vivificar importante
compromisso da narrativa constitucional pátria - recorde-se uma vez mais a
incorporação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência pelo
procedimento previsto no art. 5º, §3º, CRFB - o ensino inclusivo milita em
favor da dialógica implementação dos objetivos esquadrinhados pela Constituição
da República.
É somente com o convívio com a
diferença e com o seu necessário acolhimento que pode haver a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, em que o bem de todos seja promovido sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação (Art. 3º, I e IV, CRFB).
Esse foi inclusive um dos
consideranda da celebração da Convenção:
“m) Reconhecendo as valiosas
contribuições existentes e potenciais das pessoas com deficiência ao bem-estar
comum e à diversidade de suas comunidades, e que a promoção do pleno exercício,
pelas pessoas com deficiência, de seus direitos humanos e liberdades
fundamentais e de sua plena participação na sociedade resultará no
fortalecimento de seu senso de pertencimento à sociedade e no significativo
avanço do desenvolvimento humano, social e econômico da sociedade, bem como na
erradicação da pobreza,”
Frise-se o ponto: o ensino
privado não deve privar os estudantes - com e sem deficiência – da construção
diária de uma sociedade inclusiva e acolhedora, transmudando-se em verdadeiro
local de exclusão, ao arrepio da ordem constitucional vigente.
De outro canto, impossível não recordar
que o elemento constitutivo do compromisso com o outro faz-se presente nas
reflexões de Emmanuel Lévinas, nas quais se aponta para uma noção de
responsabilidade balizada pela ética.
Vale dizer, o comportamento dá-se
(e é avaliado) não a partir do “eu” ou do “nós”, mas sim pelas “necessidades do
outro” como elemento constituinte. Explicam Álvaro Ricardo de Souza Cruz e
Leonardo Wykrota:
“O ‘Mesmo’ é inacabado,
incompleto, imperfeito. O ‘Mesmo precisa do Outro para subsistir. Ele evade em
busca de uma eterna impossibilidade: ser! Porque se fôssemos, o tempo deixaria
de ser! Não somos, pois não temos uma essência fixa. Estamos sempre a caminho
de ser, sem nunca sermos um ser para além de si.
A face do Outro, enquanto
legítimo estrangeiro diante de nós, sempre nos remete a um compromisso que nos
constitui. É bem simples: se evadirmos para o Outro, porquanto somos
incompletos, não podemos eliminar essa possibilidade exterminando o Outro!
Então: ‘Não Matarás!’ Logo, um compromisso que em Lévinas não é uma obrigação
no sentido tradicional do termo, mas o modo pelo qual nos constituímos como
seres humanos. Assim, somente somos livres quando somos responsáveis, e não o
contrário.’” (CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza; WYKROTA, Leonardo Martins. Nos
Corredores do Direito. In: CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. (Coord.) (O) Outro
(e)(o) Direito. V. 1. Belo Horizonte: Arraes, 2015. p. 27)
Nessa mesma linha, em sede
doutrinária se percebeu que “(…) conviver com a diferença não é direito dos
diferentes apenas; é direito nosso, da maioria, de poder conviver com a
minoria; e aprender a desenvolver tolerância e acolhimento” (ARAÚJO, Luiz
Alberto David. Painel sobre a Proteção das Pessoas com Deficiência no Brasil: A
Aparente Insuficiência da Constituição e uma Tentativa de Diagnóstico. In:
ROMBOLI, Roberto; ARAÚJO, Marcelo Labanca Corrêa de (Orgs.). Justiça
Constitucional e Tutela Jurisdicional dos Direitos Fundamentais. Belo
Horizonte: Arraes, 2015. p. 510).
Diante disso, torna-se imperativo
analisar, desde logo, o pedido de concessão urgente de medida cautelar,
considerando, a um só tempo, a relevância do tema ora posto à análise e a
necessidade de uma imediata resposta desta Corte Suprema aos questionamentos
levantados nesta ADI. Assim, se evita que, com a pluralidade de potenciais
decisões conflitantes nas instâncias ordinárias, semeie-se insegurança jurídica
e violação de direitos fundamentais.
Consigno, por oportuno, que o
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal assim dispõe sobre as atribuições
do Relator:
“Art. 21. São atribuições do
Relator:
(...)
IV - submeter ao Plenário ou à
Turma, nos processos da competência respectiva, medidas cautelares necessárias
à proteção de direito suscetível de grave dano de incerta reparação, ou ainda
destinadas a garantir a eficácia da ulterior decisão da causa;
V - determinar, em caso de
urgência, as medidas do inciso anterior, ad referendum do Plenário ou da
Turma”.
Como se depreende do dispositivo
acima transcrito, cabe ao Relator, constatada a possibilidade de a demora na
apreciação do pleito cautelar gerar grave dano a direito, deferir cautelares,
ad referendum do Plenário, suficientes para a sua adequada proteção. Dessa
forma, e por identidade de razão, não apenas pode, mas deve o Relator,
atendendo ao direito fundamental de acesso à jurisdição, apreciar desde logo a
medida cautelar para indeferi-la, quando constatar que a própria demora na
apreciação do pleito cautelar pelo Plenário poderá, por si só, gerar grave
dano, como acima consignei.
Ressalte-se que os dispositivos
regimentais acima citados jamais foram objeto de questionamento no âmbito de
fiscalização abstrata de constitucionalidade nesta Corte, de modo que a eles
são aplicáveis a presunção de constitucionalidade dos atos do Poder Público,
sendo possível sua aplicação nos excepcionais casos para os quais estão
previstos.
Conclui-se, portanto, pela
possibilidade do exame monocrático da questão atinente ao pedido de medida
cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, ad referendum do Plenário,
com fundamento no próprio art. 21, V, do RISTF, e na jurisprudência da Corte.
De outro canto, a presente
decisão não ofende aprioristicamente a competência do Tribunal Pleno,
consistindo apenas em um diferimento da análise colegiada, dada a
excepcionalidade institucional e as peculiaridades empíricas do presente caso.
Isso posto, não se vislumbra por
ora, no olhar prefacial que caracteriza o juízo cautelar, a fumaça do direito
pleiteado, o que igualmente tem reflexos na análise do periculum in mora
invocado pela requerente. Tal ocorre no presente caso pelo fato de que não se
pode dizer que os estabelecimentos de ensino privados tenham sido surpreendidos
por normatividade inconstitucional estabelecida sobre o tema pela lei
impugnada.
O ensino inclusivo é política
pública estável, desenhada, amadurecida e depurada ao longo do tempo em espaços
deliberativos nacionais e internacionais dos quais o Brasil faz parte. Não
bastasse isso, foi incorporado à Constituição da República como regra.
E ainda, não é possível sucumbir
a argumentos fatalistas que permitam uma captura da Constituição e do mundo
jurídico por supostos argumentos econômicos que, em realidade, se circunscrevem
ao campo retórico. Sua apresentação desacompanhada de sério e prévio
levantamento a dar-lhes sustentáculo, quando cabível, não se coaduna com a
nobre legitimidade atribuída para se incoar a atuação desta Corte.
Inclusive o olhar voltado ao
econômico milita em sentido contrário ao da suspensão da eficácia dos
dispositivos impugnados.
Como é sabido, as instituições
privadas de ensino exercem atividade econômica e, enquanto tal, devem se
adaptar para acolher as pessoas com deficiência, prestando serviços
educacionais que não enfoquem a questão da deficiência limitada à perspectiva
médica, mas também ambiental. Esta última deve ser pensada a partir dos
espaços, ambientes e recursos adequados à superação de barreiras – as
verdadeiras deficiências de nossa sociedade.
Tais requisitos, por mandamento
constitucional, aplicam-se a todos os agentes econômicos, de modo que há
verdadeiro perigo inverso na concessão da cautelar. Perceba-se: corre-se o
risco de se criar às instituições particulares de ensino odioso privilégio do
qual não se podem furtar os demais agentes econômicos. Privilégio odioso porque
oficializa a discriminação.
Por fim, o fato de a própria Lei
nº 13.146/2015 - publicada em 07.07.2015 - ter estabelecido prazo de vacatio de
180 (cento e oitenta) dias (art. 127) igualmente afasta a pretensão
acautelatória.
Diante dos pressupostos teóricos
e da moldura normativa esboçados, indefiro, ad referendum do Plenário deste
STF, a medida cautelar por não vislumbrar a fumaça do direito pleiteado e, por
consequência, periculum in mora.
Peço dia para o julgamento do
referendo da presente decisão, por mim indeferida, pelo Plenário desta Corte.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 18 de novembro de 2015.
Ministro Edson Fachin
Relator
*decisão publicada no DJe de
20.11.2015
Fonte: STF (Informativo 817)
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