A discrepância de preços entre o Brasil e o exterior tem assustado e irritado o consumidor nacional. Segundo o professor Fabiano S. Coelho — coordenador da FGV nas áreas de formação de preços e gestão de custos e PhD em formação de preços — esta diferença é tanta que, por exemplo, no caso do PS4, se o consumidor for aos EUA, arcando com passagem, hotel, alimentação e outros pequenos gastos só para comprar console, sairá mais em conta.
— Muitos podem pensar que os altos impostos de importação e internos explicam esta diferença, mas mesmos em produtos que não possuem nenhum ingrediente importado, essa diferença existe. Exemplo é o índice Big Mac, que compara o preço do sanduíche carro-chefe da rede de lanchonetes McDonald’s no mundo inteiro. Nos EUA, o preço do Big Mac é US$ 4,56 enquanto no Brasil é 16% mais caro — conta Coelho.
De acordo com o especialista, autor do livro “Formação Estratégica de Precificação”, diversos itens podem explicar tal diferença:
■ Maior poder aquisitivo da classe baixa — Nos últimos anos, 40 milhões de brasileiros saíram da pobreza e outros 9 milhões saíram da classe C e subiram para a B. São novos consumidores ávidos por produtos que não tinham condições de comprar e sempre desejaram ter;
■ Histórico de alta inflação — Até 1994, o Brasil viveu grande período de altos índices inflacionários. Isso fez com que houvesse grande dificuldade por parte dos clientes na avaliação de preços. Os referenciais ficaram comprometidos e as pessoas sentiam-se perdidas já que os preços aumentavam todos os dias;
■ Baixa taxa de poupança brasileira — O brasileiro consome muito e poupa pouco. Enquanto aqui poupa-se 27% do que se ganha, a média da América Latina é de 39%. Muito desse hábito remonta à época de alta inflação que assolava o Brasil na década de 80;
■ Maior disponibilidade de crédito — Incentivados pelo governo e interessados nessa nova fatia da população, os bancos aumentaram significantemente a disponibilidade de créditos, o que fez aumentar também a inadimplência;
■ Oferta e procura — Com o aumento do consumo e do crédito, inúmeros produtos naturalmente aumentaram de valor pela simples regra da oferta e da procura e muitos clientes reposicionaram suas marcas para se destacar;
■ Custo Brasil — O crescimento do PIB nos últimos anos deu-se basicamente a partir do consumo interno e exportação de commodities. A produtividade das empresas brasileiras ainda é baixa e faltam investimentos em diversas áreas como portos, ferrovias, aeroportos, estradas, entre outros. Além disso, o spread bancário é alto e a alta burocracia em diversos segmentos faz com que as empresas necessitem de mais pessoas do que em outros países (por exemplo, na área tributária) e mais tempo gasto de forma ineficiente (como o tempo necessário para abrir uma empresa). A Amazon, por exemplo, passou por problemas sérios para lançar o Kindle no Brasil por conta disso. O lote inicial ficou retido na alfândega de Vitória (ES) aguardando liberação da Anatel e só pôde começar a ser vendido duas semanas depois. Além disso, tiveram que contratar Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do governo Lula, para batalhar no Congresso por um projeto de lei que, em nome da cultura, isenta o Kindle de impostos — só que isto está se arrastando na Câmara;
■ Carga tributária — O Brasil tem a 14ª mais alta carga tributária do mundo (36,2% do PIB) e um sistema tributário complexo e engessado;
■ Alta concentração e protecionismo brasileiro — Percebe-se que no Brasil a concentração aumenta a cada instante. Inúmeras fusões e aquisições são realizadas inclusive com apoio do Governo (desejando criar as “campeãs nacionais”). De dezenove setores da economia, em quatorze houve aumento da participação de mercado das quatro maiores empresas de cada segmento. Isso faz com que abusos econômicos aconteçam. Além disso, por conta de inúmeros problemas estruturais causados pelo custo Brasil e carga tributária, estas empresas solicitam a cada dia que medidas governamentais sejam criadas para protegê-las de mercadorias vindas do exterior, o que aumenta a ineficiência interna.
■ Necessidade da sociedade brasileira de autoafirmação — Percebe-se claramente na sociedade brasileira a necessidade de expor sua condição social. No livro “O Teatro dos Vícios”, de Emanuel Araújo, o autor exemplifica que, no século XVIII, muitos escravos, quando conseguiam comprar sua liberdade, tratavam de adquirir escravos também para se afirmarem na sociedade. Essa necessidade é a origem da compulsão por adquirir produtos de marca , em que os compradores estão dispostos a pagar o que for para expor a todos seus símbolos de status.
Este aspecto, porém, evidencia apenas parte dos problemas. O preço referência termina de explicar. Por anos, o Brasil ficou fechado ao mundo. Apenas no Governo Collor houve maior incentivo para abertura do mercado nacional às importações.
A magia das marcas
Como era uma época em que a qualidade dos produtos nacionais era duvidosa, criou-se a referência de que tudo do exterior é intrinsecamente melhor do que o produto nacional. Hoje, mais de vinte anos após esse processo, ainda existe a percepção, por exemplo, que a qualidade do vinho chileno e argentino é bem superior à do brasileiro — mesmo a indústria nacional tendo feito investimentos maciços em qualidade, levando o vinho brasileiro a ser reconhecido por críticos nacionais e internacionais, como Jancis Robinson, Steve Spurrier, Adam Strum, Charles Metcalfe, entre outros.
Marcas que no exterior são conhecidas como medianas — Victoria Secrets, Tommy Hilfiger, Ralph Lauren, Honda etc.— são tratadas como marcas de grife no Brasil.
— Assim, as marcas nacionais se tornaram referência para as marcas estrangeiras entrarem no Brasil. Para exemplificar, o Honda City (LX, motor 1.5, 115 cavalos e pneu aro 15) é vendido no Brasil a R$ 60.500,00 enquanto no México (que importa o carro da fábrica de Sumaré/SP) é vendido a R$ 36.000,007. No Brasil, 36% do produto final de um carro são referentes a impostos, enquanto que no México este percentual é de 18% — explica Coelho. — Ou seja, o preço no Brasil sem impostos é R$ 38.720,00. Para o México, será considerado o valor de R$ 27.220,00, sendo R$ 29.520,00 o valor efetivo sem os impostos (R$ 36.000,00 x 0,82) menos R$ 2.300,00 (valor estimado do custo existente de logística para se levar o carro do Brasil ao México e o lucro da Honda Brasil ao vender para a Honda México).
O especialista observa: “Mas antes que se coloque a culpa nos gestores da Honda — pela percepção que desejam apenas obter maior lucro no Brasil — imaginemos se eles embutissem a mesma margem de lucro do México à taxa de impostos brasileiros. Isso faria com que o preço aqui do Honda City fosse R$ 42.531,00 (R$ 27.220,00 embutindo-se a carga tributária brasileira de 36%)”.
— Acontece que, no Brasil, o carro mil cilindradas cria o preço referência para as outras montadoras. Dos carros mais baratos que o Brasil tem, destacam-se o Ford Ká (motor 1.0, 68 cavalos e pneu aro 13, a partir de R$ 25.000,00), o Fiat Novo Uno (motor 1.0, 73 cavalos e pneu aro 13, a partir de R$ 26.000,00) e o Renault Clio (motor 1.0, 77 cavalos e pneu aro 13, a partir de R$ 24.000,00) — exemplifica. — Se o carro mil cilindradas (sem nenhum opcional, itens de segurança que o Honda City possui, conforto e outros artigos de qualidade) está na faixa de R$ 25.000,00, então cobrar valor R$ 42.531,00 pode parecer insuficiente frente a todos os diferenciais, isso explica porque a Honda acaba cobrando valor bem superior ao praticado em outros países.
Até a vodca...
Coelho explica que, assim, algumas marcas estrangeiras acabam embutindo no preço o chamado Lucro Brasil pela referencia que possuem dos produtos nacionais.
— Outro exemplo típico é da vodca. Duas marcas são tidas como no mesmo nível de qualidade na Europa: Smirnoff e Absolut. Entretanto, a Smirnoff chegou oficialmente no Brasil em 1974. Já a Absolut apenas em 2000. Ao entrar no Brasil, esta se posicionou com preço superior ao da Smirnoff, fazendo com que o brasileiro percebesse este produto como de maior qualidade — relata.
De acordo com Fabiano Coelho, “é importante entender esse fenômeno do Lucro Brasil por conta das decisões governamentais. Muitas vezes, percebe-se tentativas do Governo de conceder isenções fiscais, incentivos à indústria nacional e taxação de produtos estrangeiros de forma a incentivar o consumo de produtos nacionais. Só que o preço referência mostra que isso só fará aumentar o lucro dos empresários e nunca baixará o preço efetivo do produto”.
— Existem duas maneiras básicas de fazer os preços baixarem: aumentar competitividade e concorrência, ou reduzir o preço do produto tido como referência — conclui.
Fonte: O Globo
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