As agências reguladoras no Brasil crescem em número e
importância a cada dia, mas ainda são pouco conhecidas pela população e pelos
profissionais do Direito. Sua origem, como noticia Odete Medauar, deu-se com a
criação nos Estados Unidos, em 1887, da Interstate Commerce Comission, para
disciplinar os negócios privados (O Direito Administrativo em evolução, RT, p.
55).
O modelo, aos poucos, difundiu-se pelo mundo. José VicenteGodoi Junior, em dissertação de mestrado defendida na Unimar, analisa e dá
exemplos de agências na Inglaterra, França, Portugal e Estados Unidos. Fernando
Quadros da Silva observa que “o modelo de agência reguladora, adotado pelo
legislador federal brasileiro, é inspirado nas agências independentes dos
Estados Unidos, que regulam setorialmente as atividades, por meio de
colegiados” (Agências Reguladoras, Juruá, p. 96).
A Constituição de 1988, no artigo 21, inciso XI, previu a
criação de um órgão regulador para explorar os serviços de telecomunicação. No
dia 16 de julho de 1997, a Lei 9.472 criou a Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel), definindo-a como autarquia especial, pertencente à
administração indireta e vinculada ao Ministério das Telecomunicações.
Mas a Carta Magna, ao tratar da Ordem Econômica, lançou base
para a criação de outras agências, mencionando, no artigo 174, o Estado como
ente regulador da atividade econômica. Posteriormente, por meio da Lei
10.871/2004, dispôs sobre a criação de carreiras e organização de cargos
efetivos das agências reguladoras.
Registre-se que elas não devem ser confundidas com as
autarquias. Estas, apesar de teoricamente pertencerem à administração descentralizada,
na realidade se tornaram tão burocráticas e ineficientes quanto os órgãos da
administração direta.
As agências reguladoras têm objetivos mais elevados. Seus
dirigentes têm mandato fixo e estabilidade, são indicados pelo presidente da
República e precisam ser aprovados pelo Senado. Gozam de autonomia quase igual
à dos magistrados. Seus servidores são admitidos em concursos rigorosos e a
remuneração é adequada. A Antaq, agência que regula os Transportes Aquaviários,
dispõe de 22 vagas para técnicos administrativos, nível médio, com rendimentos
de R$ 5.064,18 e de 76 vagas para especialistas de regulação de serviços de
transportes aquaviários, nível superior, com vencimentos de R$ 10.323,20.
Com a concessão de garantias a seus membros e vencimentos
acima dos que se pagam na administração direta, pretende-se das agências que
tenham independência política, que regulem adequadamente as atividades que lhes
são delegadas e que as fiscalizem com eficiência, assegurando a efetividade.
No Brasil atualmente temos as seguintes agências: Anatel,
Aneel, ANP, Anac, Anvisa, ANS, ANA, ANTT, Antaq e Ancine. Algumas destacam-se
por possuírem maior tradição e efetividade. A Anatel conquistou o respeito da
população pela forma rápida e objetiva com que atende às reclamações que lhe
são feitas. Para ficar em apenas um exemplo, no ano de 2012 ela proibiu a TIM
de vender novas linhas por 11 dias, em 18 estados (Estado de S. Paulo,
8.2.2013, B12).
A Anvisa, de outubro de 2012 a fevereiro de 2013, fez 29
inspeções em navios de cruzeiros, assegurando o cumprimento de suas exigências
(por exemplo, grau de limpeza e tratamento de lixo hospitalar). A ANP tem uma
missão difícil e de relevância máxima. Qual seja, regular e fiscalizar a
exploração de petróleo e gás. Suas exigências para o campo de Roncador, na
Bacia de Campos (RJ), obrigarão a Petrobrás a investir mais de R$ 1 bilhão
(Estado de S. Paulo, 18.1.2013, B1).
A Agência Nacional de Águas (ANA) passa por uma crise, face
à acusação contra seu ex-diretor Paulo Vieira, supostamente envolvido na
corrupção de funcionários de órgãos federais para a compra de pareceres
técnicos para a aprovação de projeto de interesse de um ex-senador da República
(Estado de S. Paulo 17.12.2012, A4). Este fato, objeto da chamada Operação Porto
Seguro da Polícia Federal, revela a absoluta necessidade de que os Diretores
das Agências sejam recrutados entre pessoas de reconhecido conhecimento técnico
e respeitabilidade notória, além de não exercerem atividade político
partidária.
É fácil? Óbvio que não. Estes cargos são extremamente
disputados, as pressões são fortes. Mas é neste e em outros detalhes que se
distingue um estadista de um político comum. Se o que se quer é o bem do
Brasil, nomeiam-se diretores com estas características. Se o que se pretende é
mais e mais acordos políticos, nomeia-se um político não reeleito, sem
conhecimento da área.
Finalmente, registre-se que as agências não se restringem às
criadas pela União. Aos estados e municípios também se faculta a criação de
suas agências, para tratar de temas de seus respectivos interesses.
No âmbito municipal, a mais antiga é a Agência Municipal de
Regulação dos Serviços Públicos Delegados de Cachoeiro do Itapemirim (ES),
criada pela Lei 4.798, em 1999. Na área estadual existem dezenas de agências
espalhadas pelo território nacional. Elas se encontram unidas na Abar, a
Associação Brasileira de Agências de Regulação, que já possui 40 entidades
associadas.
Este é o quadro atual. Inegavelmente, ainda falta às
agências brasileiras tornarem-se mais conhecidas e gozarem de maior autonomia.
Por vezes são confundidas com órgãos dos Ministérios aos quais se vinculam. O
ideal a ser perseguido é que sejam cada vez mais técnicas e menos politizadas.
E que nas suas áreas específicas, os julgamentos administrativos sejam tão
isentos quanto os do Poder Judiciário, com a vantagem de serem respaldados por
conhecimentos técnicos.
Nos EUA, os juízes só reveem as decisões dos Tribunais
Administrativos existentes nas agências em caso de ofensa ao devido processo
legal. E mais: o interessado deve fazer todas as provas de suas alegações no
processo administrativo. Se não o fizer, estará impedido de fazê-las no
processo judicial.
Em suma, o Brasil passa por uma fase de transformação social
e econômica. É uma evolução lenta, mas que deve seguir firme. Neste caminho, as
agências reguladoras têm um papel de grande importância. E os profissionais do
Direito devem conhecer e enfrentar esta nova realidade, inclusive se
especializando.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal
aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito
Ambiental da PUC-PR.
Fonte: Conjur
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