As primeiras refugiadas reconhecidas pelo Brasil como
apátridas – pessoas sem nacionalidade – receberam a naturalização brasileira
nesta quinta-feira (4/10). Os documentos foram entregues pelo Ministério da
Justiça durante um evento da Agência da ONU para Refugiados (Acnur) em Genebra,
na Suíça.
Nascidas no Líbano, as irmãs Maha, de 30 anos, e Souad Mamo,
de 32, nunca tiveram a nacionalidade reconhecida por nenhum país. A cerimônia
foi organizada na Suíça pois Maha estava no local para palestrar sobre a
condição de apatridia – as irmãs são de família síria, mas, por questões legais
e religiosas, não tiveram direito à cidadania local.
Por causa da condição, as ex-refugiadas não tinham
documentos de identificação no país de origem e, por isso, não podiam ter
acesso a serviços básicos – como escola e saúde – em nenhum lugar do mundo. Sem
pátria, a família Mamo pediu refúgio ao Brasil em 2014.
A entrega da cidadania brasileira às duas mulheres, até
então apátridas, foi considerada pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim,
"um momento histórico".
"Ao conceder a nacionalidade brasileira às irmãs Maha e
Souad Maho, o Brasil reafirma sua tradição de acolhimento aos vulneráveis e
desassistidos e dá um exemplo ao mundo de que foi, e sempre será, um país
comprometido com a erradicação da apatridia."
Hoje, as irmãs moram em Belo Horizonte (MG). Na cerimônia, a
mais jovem delas compartilhou sua trajetória pessoal como apátrida e explicou o
procedimento de naturalização facilitada pelo qual passou no Brasil.
"Não ter documentos não significa apenas que você está
sem papel na carteira. Você não consegue viajar, nem comprar um chip de
telefone, nem sair com amigos para uma boate", explicou Maha em entrevista
anterior ao G1.
Sem documentos
No Líbano, a falta de documentos impediu a família Mamo de
ter acesso a serviços básicos, como educação e saúde. À Síria, elas também não
podiam pertencer. Como o pai é cristão e a mãe, muçulmana, o casamento
inter-religioso não foi reconhecido no país árabe e, consequentemente, nem os
filhos decorrentes da união.
Para conseguir frequentar a escola, as irmãs precisaram
"dar um jeitinho", como explica a administradora de empresas. Ela
contou com o apoio de uma universidade que abriu as portas e a aprovou no curso
de "business and computing" – um diploma duplo oferecido por escolas
de computação e administração.
Além disso, quando ficavam doentes, para conseguir uma
consulta médica em um hospital, as irmãs contavam com favores de amigos. Eles
emprestavam a identidade para que elas pudessem ser atendidas.
Pedido de refúgio
Em 2014, Maha, Souad e o irmão delas, Edward, chegaram ao
Brasil. Como nunca tiveram documentos, os irmãos precisaram pedir refúgio na
embaixada brasileira em Beirute, no Líbano, para conseguir autorização para
viajar.
Passaporte de Maha; documento é emitido pelo Brasil em casos de emergências — Foto: Maha Mamo/Arquivo Pessoal |
O primeiro contato, lembra Maha, foi por meio de uma carta,
uma espécie de "pedido de socorro" de quem não tinha nacionalidade –
e, por isso, ao longo de toda a vida não teve direito a estudar no próprio país,
trabalhar ou receber assistência médica.
O mesmo pedido foi enviado a embaixadas, presidentes e
ministros de mais de 190 países ao longo de 10 anos. Como resposta, a
princípio, a embaixada brasileira negou o pedido de refúgio de Maha. Depois de
outra tentativa, a família conseguiu que o país emitisse um "passaporte
emergencial" e as acolhesse como refugiadas.
A autorização aconteceu no mesmo período em que o Brasil
abriu as portas para acolher refugiados sírios que fugiam da guerra no país.
"É triste falar isso, mas, por sorte, a guerra que aconteceu na Síria
abriu essa esperança para gente no Brasil."
O irmão delas, Edward, não participou da cerimônia de
naturalização nesta sexta (4) na Suíça. Ele foi morto em 2014 durante um
assalto em Belo Horizonte (MG).
Apatridia
De acordo com o Acnur, estima-se que existam cerca de 10
milhões de pessoas no mundo que não possuem nacionalidade – ou não têm sua
nacionalidade reconhecida por qualquer país.
Por não terem certidão de nascimento e, consequentemente,
outros documentos de identidade, os apátridas enfrentam inúmeras dificuldades
com atividades simples do dia a dia, como frequentar uma escola, consultar um
médico, trabalhar ou abrir uma conta bancária, por exemplo.
A apatridia ocorre por várias razões, como discriminação
contra minorias na legislação nacional, falha em reconhecer todos os residentes
do país como cidadãos quando este país se torna independente (secessão de
Estados) e conflitos de leis entre países.
Para o Acnur, identificar e visibilizar as pessoas apátridas
é fundamental para enfrentar as dificuldades que enfrentam e permitir que os
governos possam prevenir e reduzir a apatridia.
Nas Américas, Maha Mamo tem sensibilizado diversos
funcionários governamentais, parlamentares e equipes do ACNUR e organizações da
sociedade civil sobre o problema da apatridia e a importância de facilitar a
naturalização de pessoas apátridas, participando de diversos cursos regionais
sobre o tema.
Também teve um papel de destaque do encontro regional
preparatório das Américas para a Reunião de Alto Nível sobre Apatridia que
acontecerá em Genebra, em 2019.
Fonte: G1
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