Oficial brasileiro,
alçado à presidência da Assembleia-Geral da ONU em 1947, mediou os debates que
resultaram na divisão do território palestino
Janeiro de 1950. Oswaldo Aranha é o paraninfo da nova turma
de graduados do Instituto Rio Branco, centro de formação do corpo diplomático
do Itamaraty. Em seu discurso, o oficial, que não era diplomata de carreira,
mas esteve à frente do Ministério de Relações Exteriores do Brasil entre os
anos 1938 e 1944, ressaltou a importância do órgão no papel do país dentro da
comunidade global, mas pontuou que a profissão de diplomata, uma das muitas
exercidas em sua vida pública “será sempre a mais ignorada, a menos aplaudida e
a mais difícil de exercer”.
Para um advogado formado pela Faculdade de Direito do Rio de
Janeiro em 1916 que combateu, do Rio Grande do Sul, a revolução de 1923 e teve
papel fundamental na chegada de Getúlio Vargas à Presidência em 1930, a
afirmação de Aranha sobre a profissão “mais difícil” dos diplomatas deve ser
tomada como um indicativo dos percalços enfrentados em sua carreira no meio,
que teve início de fato em Washington. Contrário à promulgação do Estado Novo
em 1934, ele deixou o posto de ministro da Fazenda e assumiu naquele mesmo ano
como embaixador nos Estados Unidos, onde conquistou espaço junto ao governo
Roosevelt e fez amigos famosos, como o banqueiro Nelson Rockefeller e o
cineasta Orson Welles. “Getúlio o nomeou chanceler justamente por sua
popularidade nos Estados Unidos”, conta Stanley Hilton, autor de “Oswaldo
Aranha – Uma Biografia“.
Contrariando o discurso do oficial gaúcho, nascido em 1884
em Alegrete (RS), é difícil ignorar e não aclamar parte dos feitos de Oswaldo
Aranha como chefe da diplomacia brasileira. Ele foi um dos principais
articuladores dentro do governo de Getúlio Vargas – a relação entre ambos foi
bem resumida pela filha do ex-presidente: “Como brigavam, como se disputavam,
como se ajudavam!” – para que o Estado Novo se afastasse do eixo nazifascista e
se unisse aos aliados na II Guerra Mundial. No cenário internacional, contudo,
o papel do brasileiro que mais chama atenção foi sua participação no (difícil e
complexo) processo que deu origem a Israel.
Acasos
O protagonismo de Aranha à frente da missão brasileira na
ONU veio por acaso. Pedro Leão Velloso, o então representante do país no órgão
e que fora secretário-geral do Itamaraty durante a gestão de Aranha e lhe
sucedeu interinamente no ministério, faleceu uma semana após o político, então
afastado de posições oficiais, ter participado de um evento de diplomacia nos
Estados Unidos. Ele assumiu o cargo da organização em janeiro de 1947,
coincidindo com o período no qual o Brasil assumiu a presidência no Conselho de
Segurança.
O governo britânico, responsável por administrar o mandato
do território da Palestina, convocou a Sessão Especial da Assembleia Geral – a
primeira da história da instituição – para discutir a questão no fim de abril
daquele ano. Aranha foi escolhido por 45 dos 50 votos na sede temporária da ONU
em Flushing Meadows, Nova York, para ser o presidente da reunião. Desde então,
o Brasil é tradicionalmente responsável pelo discurso de abertura da
Assembleia-Geral.
Como presidente temporário, Oswaldo Aranha também foi
responsável pelas palavras de introdução da II Sessão da Assembleia-Geral das
Nações Unidas. O que era para ser uma despedida – nem ele nem o Itamaraty
lançaram sua candidatura ao cargo – tornou-se mais uma etapa em Nova York.
Alçado ao pleito por representantes latino-americanos, o brasileiro derrotou na
última rodada de votação o representante da Austrália no órgão por 29 votos a
22 para presidir a cúpula, cuja principal pauta de discussão seria a crise na
Palestina.
Aranha mediou o debate entre grupos com aspirações
irreconciliáveis: de um lado, os países árabes, favoráveis à criação de um
Estado único palestino (a partilha seria “ilegal” e “injusta”, nas palavras do
representante do Iêmen); de outro, nações favoráveis à repartição do território
entre árabes e judeus em duas unidades políticas distintas.
A pauta começou a ser debatida em 26 de novembro e se
estenderia ao logo do dia, porém uma moção para arrastar o debate pela noite
foi derrotada em votação. As conversas só retomaram dois dias depois (o feriado
de Ação de Graças nos Estados Unidos deu tempo para mais atividades de
bastidores), mas foi postergada novamente pela França, que pediu o adiamento
das sessões – medida justificada por Aranha para “possibilitar que algumas
ações de conciliação fossem realizadas pelas partes interessadas”. Caso o
cronograma original fosse mantido, “a votação para a partilha da Palestina
muito provavelmente seria derrotada”, escreveu em 1982 o autor australiano
Peter Grose em seu livro Israel In The Mind of America.
Importância
“Quando se fala da importância de Oswaldo Aranha, um dos
aspectos mais mencionados é justamente o fato de ele ter interrompido a sessão,
o que possibilitou o convencimento de alguns países ainda indecisos sobre a
questão”, analisa Samuel Feldberg, professor de Relações Internacionais e
pesquisador convidado da Universidade de Tel-Aviv.
Na tarde do dia 29 de novembro, por 33 votos a favor, 13
contrários e 10 abstenções, a Assembleia-Geral da ONU aprovou a Resolução 181
(II), oficializando a repartição do território da Palestina – o primeiro passo
concreto para a criação do Estado Judaico, que veio a ser proclamado no dia 14
de maio do ano seguinte.
No discurso que colocou fim à sessão histórica da
Assembleia-Geral, Aranha disse que, “tanto na Assembleia quanto na Sessão
Especial, meu papel de presidente impõe uma atitude de neutralidade”, e, por
isso “não tive influência sobre as deliberações sobre a Palestina”. A atuação
na mediação das sessões rendeu ao brasileiro a nomeação ao Nobel da Paz em 1948
– ano no qual a Academia Sueca, responsável pelo prêmio, não elegeu vencedores.
“Calhou de a história colocar Oswaldo Aranha sentado em uma
certa cadeira em um dia fatídico para presidir sobre a morte da antiga
Palestina”, minimiza Ahron Bregman, professor do departamento de Estudos de
Guerra da universidade King’s College de Londres. Para ele, ex-major do
Exército israelense e veterano da campanha no Líbano, o brasileiro é “uma
figura trágica” – visão distinta daquela promovida em Tel-Aviv, onde o
ex-presidente da Assembleia-Geral ainda é tratado com deferência, inclusive
dando nome a uma rua na capital de Israel.
Em seu pronunciamento final na Assembleia-Geral da ONU,
Aranha reconheceu a decisão de 1947 como “um experimento corajoso e histórico”
e esbanjou otimismo com um futuro que não veio a se concretizar. “Gostaria de
expressar minha profunda confiança que os povos Árabes irão contribuir, mais
uma vez, tomados de um espírito de compreensão, para a resolução de um problema
vital e eliminar uma das maiores fontes de instabilidade da vida
internacional”.
Fonte: Veja
Nenhum comentário:
Postar um comentário