Em um dia quente de agosto no Parque Memorial da Paz, em Hiroshima, flores de lótus decoram o lago que cerca o Sino da Paz. Uma turma de crianças de escola, com seus chapéus amarelos, faz fila para tocar o sino - todos os visitantes são bem-vindos para fazê-lo, por sinal, e badaladas regularmente são ouvidas no parque.
Enquanto esperam sua vez, as crianças apontam animadamente para as libélulas azuis voando entre as flores.
A flor de lótus tem imenso valor simbólico no Japão. Em templos de todo o país há estátuas de Buda sentado em uma delas. A maneira como elas crescem a partir do leito lamacento do fundo de lagos simboliza como Buda pairou sobre o sofrimento para atingir a iluminação.
No Parque Memorial da Paz, porém, há um significado extra: as flores refletem como a cidade renasceu das cinzas.
Desolação
Em 6 agosto de 1945, a Força Aérea Americana despejou uma bomba atômica sobre Hiroshima, matando dezenas de milhares de pessoas.
Hiroshima se tornou uma desolação carbonizada, e muita gente acreditou nas palavras de Harold Jacobsen, um dos cientistas do Projeto Manhattan (o programa nuclear americano), para quem a cidade japonesa ficaria inabitável por pelo menos 70 anos.
Mas uma série de incríveis eventos garantiu que Hiroshima fizesse história por razões mais inspiradoras.
Primeiro, ainda no outono de 1945, ervas daninhas começaram a brotar no solo da cidade, contrariando as expectativas dos especialistas. No verão do ano seguinte, a planta ornamental oleandro cresceu. Árvores de cânfora, algumas com centenas de anos de idade, voltaram a dar brotos. Sua recuperação foi um conforto para os habitantes da cidade.
As duas plantas foram mais tarde proclamadas flor e árvore oficiais de Hiroshima, símbolos celebrados de sua resistência.
Hiroshima recebeu ajuda nacional e internacional, com doações variando de bondes a árvores. A cidade japonesa de Wakayama, por exemplo, doou um pagode do século 16 como gesto de solidariedade. O pagode alaranjado hoje adorna o Templo Mitaki, um dos pontos mais serenos de Hiroshima.
Mas o passo fundamental na regeneração ocorreu em 6 de agosto de 1949, com a aprovação da Lei de Construção Memorial. A legislação foi fruto do esforço persistente dos moradores, em especial do então prefeito, Shinzo Hamai. No primeiro Festival da Paz de Hiroshima, em 1947, Hamai estabeleceu um exemplo para seus sucessores ao proclamar "Vamos unir forças para varrer de nossa terra o horror da guerra e construir a paz".
A Lei de Construção não tinha como objetivo apenas reconstruir Hiroshima. Ela vislumbrava a cidade como um símbolo da paz. Pela primeira vez na história, um município inteiro dedicou esforços para a promoção da paz. Este ideal segue vivo em Hiroshima.
O Parque Memorial da Paz se tornou um símbolo desse espirito. Foi construído no centro de Hiroshima, às margens do rio Motoyasu.
Com mais de 120 mil metros quadrado de área, o terreno anteriormente abrigava um distrito comercial e residencial, mas hoje é lar de mais de 60 monumentos e instalações dedicados à paz. Incluindo o Museu Memorial da Paz.
Tombamento
Na margem oposta do rio, o esqueleto do Salão de Promoção Industrial foi preservado, como uma expressão de esperança na erradicação de armas nucleares. Suas ruínas permanecem intocadas desde o ataque nuclear e são o coração espiritual de Hiroshima. Muitos moradores simplesmente chamam o local de "Domo da Bomba A" (o tipo de bomba que explodiu sobre a cidade).
"É o símbolo da importancia da paz duradoura", diz a estudante Ayaka Ogami.
O local também faz parte da lista de monumentos tombados pela Unesco, a agência da ONU para a cultura. Recebe a visita de mais de um milhão de turistas por ano.
A palavra "paz" está em todos os lugares de Hiroshima. Há o Boulevard da Paz, uma avenida de 4km cercada por árvores e lanternas de pedra. Na mesma rua, em frente ao Parque Memorial, ficam os Portões da Paz, uma série de arcos de vidro de 9m de altura, com a palavra "paz" escrita em 49 línguas. E de muitos pontos da cidade você pode ver o Pagode da Paz, no alto do Monte Futaba, uma espécie de domo prateado contendo parte das cinzas de Buda, doadas pela Mongólia.
"Em respeito às pessoas que trabalharam tão duro pela reconstrução de Hiroshima, temos que fazer desta cidade um lugar lindo de se viver", diz Maiko Awane, do Escritório de Promoção do Turismo da Prefeitura de Hiroshima.
Isso porque, além dos monumentos, Hiroshima é bem mais verde que muitas cidades do mundo, com parques, jardins e trilhas em abundância.
Mas Hiroshima não criou um ambiente de paz apenas em sua própria cidade. Promove a paz no resto do mundo por meio de incontáveis iniciativas. O Museu de Arte Contemporânea de Hiroshima tem um prêmio anual para trabalhos que ajudem a divulgar mensagens de harmonia. A entidade Peace Art Hiroshima promove "Concertos da Paz" para conectar pessoas ao redor do mundo.
"Queremos mandar uma mensagem de paz para o mundo e criar um sistema que apoie de forma contínua atividades de promoção da paz", diz Hidehiko Yuzaki, prefeito de Hiroshima.
No coração de todos esses esforços está o projeto Prefeitos pela Paz. Fundada nos anos 1980, a iniciativa é "filha" do ex-prefeito Takashi Araki, que sonhava encorajar cidades no Japão e no resto do mundo a trabalhar juntas pela paz e pelo desarmamento nuclear - mas também discutindo assuntos como pobreza e fome. Atualmente, mais de 7400 cidades em 162 países já aderiram - 16 apenas em outubro de 2017.
A educação sobre a paz começa cedo em Hiroshima - escolas têm uma Semana Anual da Paz, em que alunos aprendem sobre o passado da cidade e a importância da paz. Durante as férias de verão, muitos estudantes trabalham como guias voluntários para estrangeiros no Parque Memorial.
"Espero passar um pouco da história de Hiroshima para muitas pessoas no mundo", afirma Saki Nakamaya, um dos estudantes. Moe Kanazawa, que concluiu estudos em Paz e Coexistência da Universidade de Hiroshima, um curso que debate formas de prevenir conflitos, vai além. "É dever de todos nós que estamos vivos hoje em Hiroshima trabalhar para o que aconteceu (em 1945) nunca seja esquecido e nunca se repita".
Visitantes invariavelmente deixam a cidade com um senso de admiração e respeito pelo caráter dos moradores, que decidiram levantar a poeira e dar a volta por cima, transformando uma trágica experiência em uma força para o bem. Muitos visitantes dizem também que notam um aumento em seus níveis de compaixão, empatia e altruísmo - o "efeito Hiroshima".
"Espero que muita gente visite Hiroshima e reflita sobre a importância da Paz", diz Awane.
Fonte: BBC
Nenhum comentário:
Postar um comentário