Voto do Ministro Gilmar Mendes em processo com repercussão geral abre margem para alteração na jurisprudência consolidada no pais, em evidente detrimento do consumidor.
Ter a bagagem extraviada em razão da má prestação do serviço por parte da companhia aérea é uma situação bem constrangedora, sem falar nos prejuízos materiais. A questão é, nesses casso, aplica-se o CDC ou a CONVENÇÃO DE VARSÓVIA.
Imagine então ser surpreendido com uma decisão da justiça afastando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, sob o argumento de a que a regra a ser aplicada ao caso seria aquela imposta pelo Decreto 5.910/2006, editado pelo então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Referido decreto prevê a aplicação das regras criadas na Convenção de Varsóvia para decidir os conflitos envolvendo a prestação do servido de transporte internacional de pessoas, bagagem ou carga, efetuado em aeronaves.
Vários tribunais de estado e até mesmo o STJ, vinham decidindo majoritariamente pelo afastamento daConvenção de Varsóvia, face a sua incompatibilidade com as regras do Código de Defesa do consumidor, inclusive para as hipóteses de bagagem extraviada.
As companhias aéreas, por reconhecerem que a aplicação do CDC é muito mais favorável ao consumidor, pois não limita o valor das indenizações, tal como é feito pela Convenção de Varsóvia, ingressaram com sucessivos recursos, provocando o reconhecimento da repercussão geral do tema por parte do Supremo Tribunal Federal.
Em razão disso, o STF deu início ao julgamento do tema, sob o caráter de repercussão geral – RE 636331 – RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
A decisão ameaça modificar completamente o entendimento predominante até então, revelando-se como uma – possível – grande derrota do consumidor brasileiro e dos órgãos de Defesa que atuam no processo.
Aplicar a Convenção de Varsóvia seria um retrocesso na já consolida jurisprudência, que tem decidido massivamente pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Alterar a jurisprudência poderá significar enormes perdas financeiras para os consumidores que tiverembagagem extraviada em voos internacionais.
Entenda melhor a polêmica lendo o artigo a seguir:
01 – BAGAGEM EXTRAVIADA EM VOO INTERNACIONAL. O QUE É A CONVENÇÃO DE VARSÓVIA?
Trata-se do resultado da convenção ocorrida em Varsóvia, em outubro de 1929, cuja finalidade era criar um conjunto de regras que servisse como modelo internacional para regular o mercado de Transporte Aéreo Internacional.
Ao longo dos anos a Convenção de Varsóvia sofreu várias alterações. Para o caso em estudo – bagagem extraviada, destacam-se algumas regras, que seguem reproduzidas, seguidas do respectivo impacto em comparação com o CDC:
Artigo 1 – Âmbito de Aplicação:1. A presente Convenção se aplica a todo transporte internacional de pessoas, bagagem ou carga, efetuado em aeronaves, mediante remuneração. Aplica-se igualmente ao transporte gratuito efetuado em aeronaves, por uma empresa de transporte aéreo.
Afasta, de forma objetiva, a aplicação do Código de Defesa do Consumidorpara fins de regulação das relações envolvendo transporte aéreo internacional de pessoas, bagagem ou carga.
Artigo 3 – Passageiros e Bagagem:1. No transporte de passageiros será expedido um documento de transporte, individual ou coletivo, que contenha:2. O transportador entregará ao passageiro um talão de identificação de bagagem por cada volume de bagagem registrado.3. O passageiro receberá um aviso escrito, indicando que, quando seja aplicável a presente Convenção, esta regulará a responsabilidade do transportador por morte ou lesões, por destruição, perda ou avaria de bagagem, e por atraso.4. O descumprimento das disposições dos parágrafos precedentes não afetará a existência nem a validade do contrato de transporte, o qual, não obstante, ficará sujeito às regras da presente Convenção, incluindo as relativas aos limites de responsabilidade.
Estabelece a obrigação de declaração minuciosa dos objetos transportados e deixa clara a limitação da responsabilidade civil aos valores definidos pela própria Convenção de Varsóvia, os quais, evidentemente, são muito mais benéficos às empresas de transporte aéreo.
Artigo 10 – Responsabilidade pelas Indicações Inscritas nos Documentos:1. O expedidor é responsável pela exatidão das indicações e declarações concernentes à carga feitas por ele ou em seu nome no conhecimento aéreo, ou feitas por ele ou em seu nome ao transportador, para inscrição no recibo de carga ou para inclusão nos registros conservados por outros meios, previstos no número 2 do Artigo 4. A presente disposição aplica-se também quando a pessoa que atua em nome do expedidor é também preposto do transportador.2. O expedidor indenizará o transportador por todo dano que este haja sofrido, ou qualquer outra pessoa em relação à qual o transportador seja responsável, em conseqüência das indicações e declarações irregulares, inexatas ou incompletas feitas por ele ou em seu nome.3. Sujeito às disposições dos números 1 e 2 deste Artigo, o transportador deverá indenizar o expedidor por todo dano que este haja sofrido, ou qualquer outra pessoa em relação à qual o expedidor seja responsável, em conseqüência das indicações e declarações irregulares, inexatas ou incompletas feitas pelo transportador ou em seu nome no recibo de carga ou nos registros conservados por outros meios, mencionados no número 2 do Artigo 4.
Estabelece a responsabilidade plena do consumidor pelo conteúdo das informações constantes na declaração de conteúdo da bagagem, inclusive quando o formulário for preenchido por funcionário da companhia aérea;
Define o dever de o consumidor indenizar a companhia aérea por qualquer dano derivado de falhas no preenchimento da declaração de bagagem, entre elas inexatidão ou mesmo informação incompleta.DETALHE IMPORTANTE. NÃO EXISTE LIMITAÇÃO PARA O DEVER DE INDENIZAR A SER IMPOSTO AO CONSUMIDOR.
Define o dever de a companhia aérea indenizar o consumidor por danos ou extravio de bagagem, pelos mesmos motivos anteriormente descritos. DETALHE IMPORTANTE. O DEVER DE INDENIZAR DA COMPANHIA AÉREA SOFRE LIMITAÇÃO PELAS REGRAS DA CONVENÇÃO DE VARSÓVIA.
Artigo 11 – Valor Probatório dos Documentos:1. Tanto o conhecimento aéreo como o recibo de carga constituem presunção, salvo prova em contrário, da celebração do contrato, da aceitação da carga e das condições de transporte que contenham.2. As declarações do conhecimento aéreo ou do recibo de carga relativas ao peso, dimensões e embalagem da carga, assim como ao número de volumes, constituem presunção, salvo prova em contrário, dos dados declarados; as indicações relativas à quantidade, volume e estado da carga não constituem prova contra o transportador, salvo quando este as haja comprovado na presença do expedidor e haja feito constar no conhecimento aéreo ou no recibo de carga, ou que se trate de indicações relativas ao estado aparente da carga.
SOMENTE ESSE TÓPICO JÁ MERECERIA UM ARTIGO COMPLETO. NO ENTANTO, VOU RESUMIR.
Os documentos emitidos pela companhia aérea gozam da presunção de veracidade.
Os documentos emitidos pelo consumidor não gozam da presunção de veracidade, devendo salvo atestado de confirmação dessas informações por parte de um funcionário da companhia aérea.
Artigo 17 – Morte e Lesões dos Passageiros – Dano à Bagagem:1. O transportador é responsável pelo dano causado em caso de morte ou de lesão corporal de um passageiro, desde que o acidente que causou a morte ou a lesão haja ocorrido a bordo da aeronave ou durante quaisquer operações de embarque ou desembarque.2. O transportador é responsável pelo dano causado em caso de destruição, perda ou avaria da bagagem registrada, no caso em que a destruição, perda ou avaria haja ocorrido a bordo da aeronave ou durante qualquer período em que a bagagem registrada se encontre sob a custódia do transportador. Não obstante, o transportador não será responsável na medida em que o dano se deva à natureza, a um defeito ou a um vício próprio da bagagem. No caso da bagagem não registrada, incluindo os objetos pessoais, o transportador é responsável, se o dano se deve a sua culpa ou a de seus prepostos.3. Se o transportador admite a perda da bagagem registrada, ou caso a bagagem registrada não tenha chegado após vinte e um dias seguintes à data em que deveria haver chegado, o passageiro poderá fazer valer contra o transportador os direitos decorrentes do contrato de transporte.
Elimina, por completo, a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva e abre margem para alegação de que o dano aos itens transportados pode decorrer da natureza ou mesmo de alguma característica do item transportado.
Estabelece o prazo de 21 (vinte e um) dias, como uma espécie de carência, para que a companhia aérea recupere uma bagagem extraviada.
Artigo 19 – Atraso:O transportador é responsável pelo dano ocasionado por atrasos no transporte aéreo de passageiros, bagagem ou carga. Não obstante, o transportador não será responsável pelo dano ocasionado por atraso se prova que ele e seus prepostos adotaram todas as medidas que eram razoavelmente necessárias para evitar o dano ou que lhes foi impossível, a um e a outros, adotar tais medidas.
Estabelece o critério de – ADOÇÃO DE ESFORÇOS POSSÍVEIS, como meio de exclusão do dever de indenizar por parte da companhia aérea.
Artigo 22 – Limites de Responsabilidade Relativos ao Atraso da Bagagem e da Carga:1. Em caso de dano causado por atraso no transporte de pessoas, como se especifica no Artigo 19, a responsabilidade do transportador se limita a 4.150 Direitos Especiais de Saque por passageiro.2. No transporte de bagagem, a responsabilidade do transportador em caso de destruição, perda, avaria ou atraso se limita a 1.000 Direitos Especiais de Saque por passageiro, a menos que o passageiro haja feito ao transportador, ao entregar-lhe a bagagem registrada, uma declaração especial de valor da entrega desta no lugar de destino, e tenha pago uma quantia suplementar, se for cabível. Neste caso, o transportador estará obrigado a pagar uma soma que não excederá o valor declarado, a menos que prove que este valor é superior ao valor real da entrega no lugar de destino.
Reforça a limitação do dever de indenizar por meio da fixação de um fator referencial.
Reitera o dever de o consumidor preencher a declaração de conteúdo de bagagem, inclusive valorando os itens, sob pena de exonerar a companhia aérea de indenizar os bens extraviados.
Estabelece a possibilidade de cobrança extra, em razão de valor elevado dos bens transportados.
Artigo 35 – Prazo Para as Ações:1. O direito à indenização se extinguirá se a ação não for iniciada dentro do prazo de dois anos, contados a partir da data de chegada ao destino, ou do dia em que a aeronave deveria haver chegado, ou do da interrupção do transporte.2. A forma de computar esse prazo será determinada pela lei nacional do tribunal que conhecer da questão.
Afasta a previsão disposta no artigo 27 do CDC, reduzindo de 05 (cinco) para 02 (dois) anos o prazo para ajuizar ação de reparação dos danos causados.
Conforme visto, as diferenças entre o Código de Defesa do Consumidor e a Convenção de Varsóvia são enormes.
Esse é o motivo da polêmica ter sido levada ao extremo, a ponto de promover a abertura de julgamento sobre bagagem extraviada, em caráter de repercussão geral pelo STF.
02 – BAGAGEM EXTRAVIADA EM VOO INTERNACIONAL. ENTENDIMENTO DO STJ:
A polêmica não é recente, tanto que numa rápida pesquisa realizada em 23/10/16, foram encontrados quase 300 julgados somente no STJ.
Conforme demonstrado no tópico anterior, existe uma clara antinomia entre o CDC e a Convenção de Varsóvia.
Para o Superior Tribunal de Justiça, após a edição de Código de Defesa do Consumidor, não existe mais espaço para aplicação da Convenção de Varsóvia.
Com esse fundamento, o STJ ratificou decisao do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que condenou a American Airlines a indenizar um consumidor que teve sua bagagem extraviada em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de indenização ante a má prestação dos serviços.
A turma entendeu pelo afastamento da Convenção de Varsóvia, aplicando o CDC como regra orientadora para solução do conflito, com a ressalva de que esse o entendimento jurisprudencial firmado pelo STJ:
Confira o trecho destacado do julgado:
(3) CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. INAPLICABILIDADE. PREVALÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES. RESPONSABILIDADE DA RÉ CONFIGURADA. (4) DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO. (5) QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO COM RAZOABILIDADE.3. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que a responsabilidade civil das companhias aéreas em decorrência da má prestação de serviços após a entrada em vigor da Lei nº 8.078/90 não é mais regulada pela Convenção de Varsóvia e suas posteriores modificações (Convenção de Haia e Convenção de Montreal) ou pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, subordinando-se ao Código de Defesa do Consumidor.4. O Tribunal local, soberano na análise do acervo fático-probatório dos autos, reconheceu o dever de a companhia aérea indenizar seu cliente ante a má prestação de serviços, com base nas provas dos autos. A reforma de tal entendimento atrai o óbice da Súmula nº 7 do STJ.5. O valor da indenização fixada em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) pelo Tribunal local não destoa dos aceitos por esta Corte para casos semelhantes, devendo ser mantido conforme fixado, porquanto atende ao caráter pedagógico da medida, sem, contudo, ensejar o enriquecimento ilícito da parte.Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Brasília (DF), 16 de junho de 2016 (Data do Julgamento)MINISTRO MOURA RIBEIRO – Relator
O tópico 03 do recorte acima é claro. Seja nas hipóteses de bagagem extraviada, danos na bagagem, atraso na entrega ou quaisquer outros conflitos derivados da má prestação do serviço de contrato aéreo internacional, aplica-se o CDC e não a Convenção de Varsóvia.
No entanto, esse entendimento se encontra ameaçado, pois, conforme adiantado, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu o critério de repercussão geral para julgamento de recurso extraordinário interposto AIR FRANCE.
03 – BAGAGEM EXTRAVIADA EM VOO INTERNACIONAL. ENTENDIMENTO DO STF:
Em março de 2011, foi distribuído perante o STF o recurso extraordinário RE 636331, também interposto contra decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
No julgamento, o TJRJ condenou a AIR FRANCE a indenizar uma consumidora que teve sua bagagem extraviada, afastando a limitação imposta pela Convenção de Varsóvia, ao argumento de que a regra ser aplicada seria o CDC:
APELAÇÃO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE AÉREO. EXTRAVIO DE BAGAGEM. INAPLICABILIDADE DA CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INDENIZAÇÃO AMPLA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. VIAGEM REALIZADA POR COMPANHIA AÉREA COM CONEXÃO EM PAÍS EUROPEU. VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES E HIPOSSUFICIÊNCIA. POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.1 – Em caso de extravio de bagagem ocorrido durante o transporte aéreo, há relação de consumo entre as partes, devendo a reparação, assim, cuja finalidade da recorrente – AIR FRANCE, é afastar a aplicação do CDC ao caso concreto ser integral, nos termos do CDC, e não mais limitada pela legislação especial.2- Editada lei específica, em atenção à Constituição Federal (art. 5º, XXXII), destinada a tutelar direitos do consumidor, e mostrando-se irrecusável o reconhecimento da relação de consumo, suas disposições devem prevalecer.3 – Havendo antinomia, o previsto em Tratado perde eficácia, prevalecendo a lei interna posterior que se revela com ele incompatível.4 – Sendo o consumidor hipossuficiente e verossímeis as suas alegações, é cabível a inversão do ônus da prova.5 – O valor do dano material não está limitado em função do Código da Aeronáutica, Pacto de Varsóvia ou Protocolo de Montreal.6 – Na forma do enunciado sumular nº 45 deste E. Tribunal de Justiça “É devida indenização por dano moral sofrido pelo passageiro, em decorrência do extravio de bagagem, nos casos de transporte aéreo.”7 – Provido parcialmente o recurso da autora e desprovido o recurso da ré.
Merece destaque especial para o fato de que o TJRJ já editou 45, que define a aplicação do CDC para os casos envolvendo bagagem extraviada ou quaisquer outros danos decorrentes da má prestação do serviço no contrato de prestação de transporte aéreo:
“É DEVIDA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL SOFRIDO PELO PASSAGEIRO, EM DECORRÊNCIA DO EXTRAVIO DE BAGAGEM, NOS CASOS DE TRANSPORTE AÉREO.”REFERÊNCIA: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 03/2001 – PROC. 2001.146.00003 JULGAMENTO EM 4/06/2002 – VOTAÇÃO UNÂNIME. RELATOR: DES. GUSTAVO ADOLPHO KUHL LEITE.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso, para manter a tese de aplicação do CDC, afastando a Convenção de Varsóvia, para os casos de julgamento envolvendo bagagem extraviada ou outros danos decorrentes da má prestação do serviço de transporte aéreo internacional.
No parecer, o Ilmo. Procurador Federal, Paulo da Rocha Campos, ainda indicou precedente do próprio STF apontando a aplicação do CDC para situação envolvendo bagagem extraviada e casos análogos:
O Supremo Tribunal Federal, aliás, já decidiu que: “afastam-se as normas especiais do Código Brasileiro da Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia quando implicarem retrocesso social ou vilipêndio aos direitos assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor.” (RE 351750, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator (a) p/ Acórdão: Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 17/03/2009, DJe-181 DIVULG 24-09-2009 PUBLIC 25-09-2009 EMENT VOL-02375-03 PP-01081 RJSP v. 57, n. 384, 2009, p. 137-143). [Grifos não originais]
O Procurador destacou ainda que, sendo a hipótese de antinomia entre pactos internacionais, estes não se sobrepõem à Constituição Federal:
Destarte, não há, na espécie, qualquer ofensa ao artigo 178 da Constituição Federal, conforme bem expôs o eminente Ministro Marco Aurélio no julgamento do AI n.º 824673/SP, julgado em 08 de setembro de 2011, in verbis: “descabe cogitar, na espécie, de violência aos artigos 5º, § 2º, e 178 do Diploma Maior, cujo preceito restou atendido, valendo notar que os tratados subscritos pelo Brasil não se superpõem à Constituição Federal. Em síntese, em momento algum deliberou-se contrariamente à regra segundo a qual os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” [Grifos não originais]
Com essas considerações, o MP opinou pelo desprovimento do Recurso Extraordinário, mantendo-se na íntegra o entendimento que prevê a aplicação do CDC.
Em que pese todos esses argumentos, o Relator, Ministro Gilmar Mendes, votou pelo provimento do Recurso Extraordinário, ressalvando alguns pontos específicos.
Para Gilmar Mendes:
1. A Convenção de Varsóvia e o Código de Defesa do Consumidor têm o mesmo status hierárquico;
2. Havendo clara antinomia entre as normas, a regra a ser aplicada é a Convenção de Varsóvia, pois enquanto essa lei trata do caso de forma específica – CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL, o CDC trata de normas gerais – RELAÇÕES DE CONSUMO;
3. Desse modo, face a especificidade da Convenção, esta se sobrepõe ao CDC.
Fundamentado nessas premissas, o Ministro Gilmar Mendes votou pelo provimento do recurso.
Os ministros Roberto Barroso e Teori Zavascki votaram com o relator, dando provimento ao recurso. Após 03 votos a favor da tese da Air France, a Ministra Rosa Weber pediu vistas.
Em 29/06/2016, o processo retornou ao relator, encontrando-se apto para ser incluído na pauta para julgamento. Confira: RE 636331 – RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
04 – BAGAGEM EXTRAVIADA EM VOO INTERNACIONAL. CONCLUSÕES:
Restou evidenciado que a jurisprudência nacional tem entendido, de forma massiva, pelo afastamento daConvenção de Varsóvia, aplicando-se o CDCpara a hipótese de bagagem extraviada e demais danos decorrentes da má prestação do serviço no contrato de transporte aéreo.
Ainda, foram esclarecidas as diferenças entre o CDC e a Convenção de Varsóvia, revelando as imensas desvantagens para o consumidor na hipótese da aplicação do pacto internacional para as hipóteses debagagem extraviada em voo internacional.
Dentre os prejuízos a serem suportados pelo consumidor, destacam-se a limitação do valor de indenização, a não aplicação da inversão do ônus da prova, além da exclusão da teoria da responsabilidade objetiva.
O julgamento do Recurso Extraordinário RE 636331, foi admitido com o caráter de repercussão geral:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO DO CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DANOS MORAIS. EXTRAVIO DE BAGAGEM. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO PLENÁRIO VIRTUAL RE Nº 636.331-RG. TEMA 210. DEVOLUÇÃO DO FEITO AO TRIBUNAL DE ORIGEM (ART. 328, PARÁGRAFO ÚNICO, DO RISTF).
Com isso, eventual decisão fixando a tese de aplicação da Convenção de Varsóvia, excluindo a aplicação do CDC, em virtude das já demonstradas desvantagens, o consumidor será o maior prejudicado.
Portanto, na hipótese de o julgamento seguir a tese levantada pelo relator, já acompanhada por mais dois ministros, representará uma imensa derrota, não somente para os usuários de transporte aéreo internacional, mas também para toda sociedade em geral.
É importante destacar que a decisão do processo envolvendo o tema bagagem extraviada e situações análogas, poderá abrir um forte e perigoso precedente, pois o CDC é reconhecidamente uma das leis de proteção ao consumidor mais rigorosas do mundo.
Eventual decisão pelo STF afastando sua aplicação para determinar a incidência de pactos internacionais, visivelmente mais favorável às operadoras de voos, representará um precedente para que outras regras internacionais também se sobreponham ao CDC.
A nós, meros espectadores, cabe tão somente aguardar os próximos capítulos do julgamento do Recurso Extraordinário 636331, que já se encontra apto para julgamento.
Fonte: JusBrasil
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