segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Corte Europeia decide que prolongadas restrições ao uso de imóvel durante avaliação para tombamento viola direito à propriedade

Em 4 de outubro de 2016, a Corte Europeia de Direitos Humanos tornou público o seu julgamento no caso Petar Matas v. Croácia, no qual concluiu-se que restrições ao pleno gozo da propriedade, durante processo de tombamento, devem ser impostas por um tempo razoável e dando direito de manifestação ao proprietário.
Os fatos relevantes ao caso remetem à 2001, ano em que Peter Matas, o autor da ação, adquiriu um imóvel estatal na cidade de Split, localizada no sudoeste da Croácia. O Sr. Matas transformou o seu edifício numa oficina de automóveis. Em março de 2003, o Departamento de Conservação do Patrimônio Cultural de Split emitiu uma medida de proteção preventiva, pelo prazo de três anos, em relação ao domicílio da oficina, sob o argumento de que o imóvel poderia ser um raro exemplo de arquitetura industrial clássica. A medida foi implementada para proteger o edifício enquanto a avaliação definitiva sobre o seu valor cultural fosse conduzida pelas autoridades competentes. Alegando que não foi possível encontrar uma parte dos dados cadastrais do edifício em questão, o Departamento de Conservação, em janeiro de 2007, prorrogou a medida de proteção por mais três anos.
As duas medidas foram anotadas no registro do imóvel, mas o Sr. Matas não foi notificado de nenhuma delas. Ao tomar conhecimento da segunda medida preventiva, em outubro de 2007, ele protocolou uma petição no Ministério da Cultura alegando que, segundo a Lei do Patrimônio Cultural da Croácia, medidas dessa natureza não podem exceder três anos. O seu pedido foi julgado improcedente em janeiro de 2008. Depois disso, ele deu início a uma nova ação administrativa contestando a legalidade das medidas preventivas e solicitando compensação pelos seus prejuízos devido a impossibilidade de vender o imóvel e de modificar as atividades empresariais no mesmo (esses restrições foram impostas pelas medidas restritivas do Departamento de Conservação). Mais uma vez, seu pedido foi julgado improcedente. Ele recorreu à corte constitucional da Croácia, mas a decisão administrativa foi mantida.
Nesse meio tempo, o Departamento de Conservação do Patrimônio Cultural de Split decidiu que o edifício da oficina não deveria ser registrado como patrimônio cultural. Apenas depois disso, as medidas de proteção deixaram de vigorar.
O Sr. Matas iniciou a ação na Corte Europeia reclamando reparação pelos danos ao seu direito humano à propriedade. Em seu julgamento, a Corte destacou que embora as medidas de proteção preventiva não privaram o Sr. Matas do direito de usar a sua oficina, elas impuseram uma série de restrições significativas ao gozo de sua propriedade, incluindo o seu uso comercial como ele bem entendesse. Essas medidas encontram fundamento na lei vigente da Croácia (a Lei do Patrimônio Cultural) e objetivavam alcançar um objetivo legítimo, qual seja proteger e promover as raízes históricas, culturais e artísticas de uma região e seus habitantes. Apesar disso, a Corte decidiu que essas medidas não respeitaram os critérios de validade impostos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Em primeiro lugar, nos seis anos em que as duas medidas de proteção preventiva estavam em vigor, nenhuma medição, avaliação ou estudo foi conduzido quanto ao valor cultural do imóvel do Sr. Matas. A Corte concluiu que a justificativa da Croácia para o prazo prolongado das medidas preventivas, baseada na incapacidade de obter um trecho do registro do edifício, não é razoável. A Corte relembrou que os dados cadastrais de imóveis são informações públicas e que podem ser facilmente obtidos via Internet e outros meios.
Além disso, a forma como as restrições ao uso da propriedade do Sr. Matas foram impostas pelas autoridades croatas se revela repleta de vícios processuais relevantes. Ao adotar as medidas de proteção em março de 2003 e janeiro de 2007, as autoridades não informaram o Sr. Matas dos motivos que justificaram a imposição de tais medidas. Ele nem mesmo foi comunicado das mesmas. Em decorrência disso, a Croácia descumpriu a sua obrigação de considerar o ponto de vista do Sr. Matas sobre a questão. Ademais, a Croácia também violou o direito à propriedade ao não avaliar se a aplicação prolongada das medidas de proteção preventiva poderiam afetar desproporcionalmente esse direito. Por fim, todos os pedidos de compensação feitos pelo Sr. Matas em relação aos seus dados foram indeferidos.
Pelos motivos acima expostos, a Corte Europeia concluiu que a Croácia violou o direito à propriedade do Sr. Matas.
O julgamento completo, em inglês, pode ser encontrado aqui.

Autor: Bruno de Oliveira Biazatti
Fonte: CEDIN

Nenhum comentário:

Postar um comentário