segunda-feira, 25 de julho de 2016

TPI decide que o descumprimento de mandados de prisão contra Omar Al Bashir por Uganda e Djibuti viola o Estatuto de Roma

Em 11 de julho de 2016, a Câmara de Instrução II do Tribunal Penal Internacional (TPI), encarregada do caso Al Bashir, decidiu que Uganda e Djibuti violaram o Estatuto de Roma por não terem detido e entregue Omar Al Bashir ao Tribunal.  A Câmara remeteu a questão para a Assembleia dos Estados Partes do Estatuto de Roma e para o Conselho de Segurança das Nações Unidas, que deverão tomar as medidas que considerarem cabíveis para lidar com a situação.
Omar Hassan Ahmad Al Bashir é o atual Presidente em exercício do Sudão e tem dois mandados de prisão emitidos pelo TPI contra ele: um emitido em 4 de março de 2009 e outro em 12 de julho 2010. Al Bashir foi indiciado por cinco crimes contra a humanidade (homicídio, extermínio, transferência forçada, tortura e estupro), dois crimes de guerra (dirigir ataques intencionais contra a população civil e pilhagem), e três acusações de genocídio contra os grupos étnicos Fur, Masalit e Zaghawa  (homicídio dos membros do grupo, ofensas graves à integridade física ou mental dos membros do grupo, e sujeição intencional do grupo a condições de vida com o propósito de provocar a sua destruição física, total ou parcial). Todos os Estados Partes do Estatuto de Roma têm a obrigação de executar esses mandados de prisão, devendo prender Al Bashir e entregá-lo para o TPI.
O Sudão não é um Estado Parte do Estatuto de Roma, mas a situação no país foi submetida ao TPI pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas através da Resolução no. 1593, datada de 31 de março de 2005. Devido a essa resolução, o TPI tem competência para julgar todos os crimes ocorridos no território sudanês depois do dia 1º de julho de 2002. O Conselho de Segurança tem a prerrogativa de submeter situações ao TPI garantida pelo artigo 13, alínea “b” do Estatuto de Roma, o qual afirma: “O [TPI] poderá exercer a sua jurisdição em relação a qualquer um dos crimes a que se refere o artigo 5o, de acordo com o disposto no [Estatuto de Roma], se: [...] O Conselho de Segurança, agindo nos termos do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, denunciar ao Procurador qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes.”
A Câmara de Instrução II, composta pelo Presidente Cuno Tarfusser (da Itália) e pelos juízes Marc Perrin de Brichambaut (da França) e Chang-ho Chung (da Coreia do Sul), emitiu duas decisões lidando separadamente com a conduta de Uganda e Djibuti. Os dois acórdãos foram emitidos em 11 de julho de 2016.

I. Decisão referente à Uganda
Através da mídia, o TPI tomou conhecimento que Al Bashir iria viajar para Uganda, a fim de comparecer a cerimônia de posse do Presidente Yoweri Museveni. Diante disso, no dia 11 de maio de 2016, a Secretaria do TPI transmitiu uma nota verbal às autoridades ugandesas relembrando do seu dever de deter e entregar Al-Bashir. No dia 12 de maio, o acusado de fato esteve em Uganda, mas esse Estado nada fez para prendê-lo.
Em 27 de junho, a Câmara de Instrução recebeu uma carta enviada por Uganda afirmando que não entregou Al-Bashir devido a uma decisão da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana, na qual se determinou que os Estados membros da União Africana, de acordo com as imunidades previstas no artigo 98 do Estatuto de Roma, não devem deter e entregar Al-Bashir ao TPI.
Em sua decisão, a Câmara relembrou que Uganda é um Estado Parte do Estatuto de Roma, o que significa que tem a obrigação de cooperar com o Tribunal, inclusive por meio da prisão e entrega de acusados. Também destacou-se que, nos termos do artigo 97 do Estatuto, em caso de qualquer questão que pudesse impedir ou retardar a execução de um mandado de prisão, o Estado teria o dever de consultar o Tribunal sem demora, a fim de encontrar uma solução para a questão.
A Câmara reforçou que a decisão da União Africana, impondo aos seus membros o dever de não cooperar com o TPI, não é motivo válido para justificar o descumprimento dos mandados de prisão contra Al-Bashir. Em decisão datada de 9 de abril de 2014, o TPI já havia assentado que essa determinação da União Africana se encontra em desconformidade com o Direito Internacional. Segundo o Tribunal, quando o Conselho de Segurança submeteu a situação do Sudão a sua jurisdição, ele determinou que a imunidade de Al-Bashir como chefe de Estado não poderia ser usada como obstáculo aos procedimentos perante o TPI. É nada mais do que lógico que quando o Conselho de Segurança deu poderes ao TPI para julgar os crimes do Sudão, ele teve a intenção de afastar qualquer impedimento ao julgamento dos acusados, incluindo a imunidade desses. Diante disso, o Conselho de Segurança implicitamente renunciou as imunidades que Al Bashir teria direito sob a lei internacional, não havendo, assim, qualquer empecilho normativo capaz de justificar o inadimplemento dos dois mandados de prisão contra ele. Diante do exposto, aquela decisão da União Africana se encontra sem efeito.
Com isso, a Câmara concluiu que Uganda violou o Estatuto de Roma ao não prender e entregar Al Bashir quando ele esteve em seu território, em maio de 2016.
Para o inteiro conteúdo da decisão referente à Uganda, clique aqui.

II. Decisão referente ao Djibuti
Em 10 de maio de 2016, a Secretaria do TPI notificou a Câmara de Instrução II de que Omar Al-Bashir viajou ao Djibuti no dia 8 de maio de 2016, a fim de participar da cerimônia de posse do Presidente Ismail Omer Gaili. Nessa ocasião, as autoridades do Djibouti nada fizeram para prender Al-Bashir.
No dia 24 de junho, o Djibuti enviou uma carta ao TPI apresentando os seus motivos por não ter executado os mandados de prisão contra Al-Bashir. Basicamente três argumentos foram desenvolvidos: (i) o ordenamento jurídico interno do Djibuti não prevê os procedimentos judiciais e administrativos necessários para a detenção e entrega de suspeitos ao TPI; (ii) nos termos do artigo 98 do Estatuto de Roma, Al-Bashir não pode ser detido, porque tem direito às imunidades cabíveis aos chefes de Estado em exercício; (iii) como membro da União Africana, o Djibuti deve respeitar a decisão dessa organização dirigindo os seus Estados Membros a não cumprir os mandados de prisão contra Al-Bashir; e (iv) no âmbito da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (Intergovernmental Authority on Development -IGAD), o Djibuti faz parte do processo de paz na República do Sudão e na República do Sudão do Sul.
Rejeitando os argumentos do Djibuti, a Câmara afirmou que esse Estado é parte do Estatuto de Roma e, portanto, tem o dever de cooperar com o TPI. Quanto ao primeiro argumento apresentado (a falta de procedimentos na lei interna), a Câmara destacou que, de fato, o Estatuto de Roma determina que os Estados Partes devem promulgar instrumentos legais criando procedimentos internos de cooperação com o Tribunal. Conduto, a inexistência desses procedimentos (como ocorre no Djibuti) não pode servir como justificativa ao descumprimento dos pedidos de cooperação feitos pelo Tribunal. Nada no Estatuto afirma que a cooperação com o TPI está condicionada à adoção de leis internas estabelecendo esses procedimentos judiciais.
Referindo-se à imunidade de Al-Bashir e a decisão da União Africana, a Câmara apresentou o mesmo argumento desenvolvido no caso de Uganda: a resolução do Conselho de Segurança submetendo a situação do Sudão ao TPI priva Al-Bashir de suas imunidades jurisdicionais face o Tribunal. Assim, a imunidade que ele teria como chefe de Estado não é capaz de impedir o prosseguimento do processo criminal no TPI.
No tocante ao último ponto da carta do Djibuti, a Câmara se demonstrou sensível ao procedimento político de construção da paz da região. Porém, destacou que os Estados Partes do Estatuto de Roma devem exercer suas pretensões e objetivos políticos circunscritos aos limites de suas obrigações legais. É inadmissível que os Estados coloquem seus deveres jurídicos de lado por simples conveniência política.
Pelo exposto, a Câmara concluiu que o Djibuti também violou o Estatuto de Roma quando não prendeu Al Bashir, no momento em que esse esteve em seu território.
Para o inteiro conteúdo da decisão referente ao Djibuti, clique aqui.
Como já dito, as condutas de Uganda e Djibuti foram remetidas para a Assembleia dos Estados Partes do Estatuto de Roma e para o Conselho de Segurança das Nações Unidas, para que tomem as medidas cabíveis.
Clique aqui para mais informações sobre o caso Al-Bashir.
Autor: Bruno de Oliveira Biazatti
Fonte: CEDIN

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