A Convenção Americana de Direitos Humanos, além de seus protocolos e as sentenças da Corte IDH, forma o que se denomina “bloco de convencionalidade [1]”, que se faz paradigma de controle de validade de atos em sentido lato (sentenças, leis, atos administrativos, constituições) expedidos pelos estados nacionais e submetidos ao sistema americano de direitos humanos.
O controle de convencionalidade tem fundamento jurídico nos artigos 1.1º, 2º e 63 da CADH, visto que se baseia na condição obrigatória que assumem os Estados-partes do SIDH de fazer com que o seu direito interno esteja de acordo [2].
Compõem também o bloco de convencionalidade as demais convenções interamericanas, bem como tratados internacionais que, pela cláusula de interpretação do art. 29, podem ser invocados e aplicados, desde que mais favoráveis à pessoa ou menos restritivos em direitos.
No HC 91657, em caso envolvendo o direito à liberdade provisória com revogação de prisão preventiva para extradição, o STF, aplicou o art. 7º, n. 5, da Convenção Interamericana em interpretação conjugada com o art. 5º, LXVI, da Constituição Federal, conforme ementa:
“Em nosso Estado de Direito, a prisão é uma medida excepcional e, por essa razão, não pode ser utilizada como meio generalizado de limitação das liberdades dos cidadãos.
E não vejo razão, tanto com base em nossa Carta Magna, quanto nos tratados internacionais com relação ao respeito aos direitos humanos e dignidade da pessoa humana de que somos signatários, para que não apliquemos tal entendimento no que concerne àquelas prisões preventivas para fins de extradição.
O pacto de San José da Costa Rica, celebrado com a finalidade de evitar a perpetuação da cultura da impunidade quanto à violação de direitos e garantias fundamentais nos âmbitos nacionais, e ratificado pelo Governo Brasileiro, proclama a liberdade provisória como direito fundamental da pessoa humana, e, como tal, tem caráter de universalidade e transnacionalidade”. [3]
O STF utiliza-se do bloco de constitucionalidade para aplicar ou referir a Convenção Americana de Direitos Humanos, nem sempre se prestando a reverenciar a jurisprudência interamericana, mas pode-se dizer que no caso referido houve controle de convencionalidade concomitante à interpretação constitucional.
Noutros casos, alguns julgados e opiniões consultivas da Corte IDH apareceram na jurisprudência do STF, sempre no bojo ou em meio à interpretação de direitos e garantias constitucionais, como ocorreu na dispensa de exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista (RE 511.961), em que é feita menção a uma Opinião Consultiva (OC-5/85, de 13 de novembro de 1985), posto que esta declarou incompatibilidade entre o art. 13 da Convenção Americana e a obrigatoriedade de diploma de jornalista.
Por fim, diga-se que além dos tratados internacionais, da jurisprudência interamericana, incluídas aí as Opiniões Consultivas, integram também o bloco de convencionalidade as chamadas normas de ius cogens.
A noção de norma imperativa de direito internacional geral está no art. 53 da Convenção de Viena (Decreto 7.030 de 14 de dezembro de 2009):
“É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.”
Para que uma norma internacional seja considerada de ius cogens, imperativa, deve assim ser reconhecida pela comunidade internacional (“um conjunto qualificado de Estados”), o que implica sua aceitação sem acordo em contrário e que esta norma só pode ser modificada por norma da mesma natureza, remanescendo a discussão se as normas ius cogens são costumeiras, ou se também encontradiças em tratados, e em que medida estas normas também possam ser consideradas por ius cogens regionais [4].
No caso Masacre Plan de Sánchez vs. Guatemala, Sentença de 29 de abril de 2004, no voto razonado de Antonio Cançado Trindade, parágrafo 14, extrai-se que:
“Violaciones graves de los derechos humanos, actos de genocidio, crímenes contra la humanidad, entre otras atrocidades, son violadores de prohibiciones absolutas, del jus cogens.” [5]
Portanto, se houve violações de tais normas de ius cogens, mesmo que ausente convenção ou tratado específico, dado se tratar, em grande maioria, de costumes internacionais, por parte do Estado Brasileiro durante o regime militar, é o que o STF deverá dizer a respeito, enfrentando o tema do ius cogens, quando do julgamento da ADPF 320 e dos embargos da ADPF 153, sobre a convencionalidade da lei de anistia brasileira.
Sobre o tema, ainda que na esfera da responsabilidade civil, não ainda na criminal, o STJ já declarou ser imprescritível a ação declaratória de “relação jurídica de responsabilidade do réu por danos morais decorrentes da prática de tortura”, afirmando que “deve ser reconhecido também o direito individual daqueles que sofreram diretamente as arbitrariedades cometidas durante o regime militar de buscar a plena apuração dos fatos, com a declaração da existência de tortura e da responsabilidade daqueles que a perpetraram” [6].
Luiz Guilherme Arcaro Conci é professor da Faculdade de Direito da PUC-SP, onde coordena o curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Constitucional. Professor Titular de Ciência Política e Teoria do Estado da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo – Autarquia Municipal. Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP, com estágio pós-doutoral na Universidade Complutense de Madri (2013-2014). Foi Presidente da Coordenação do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (2013-2015). Tem participado de cursos, publicações, pesquisas e eventos acadêmicos na América Latina e na Europa discutindo temas ligados aos direitos humanos no espaço latino-americano. É Advogado e Consultor Jurídico.
Konstantin Gerber é advogado Consultor em São Paulo, mestre e doutorando em filosofia do direito pela PUC-SP, onde integra o grupo de pesquisas em direitos fundamentais. É professor convidado do curso de especialização em Direito Constitucional da PUC-SP.
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