quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Um retrocesso na corte europeia de direitos humanos: o caso francês

Por Rômulo de Andrade Moreira 
A duração da prisão provisória deve ser analisada caso a caso. Esta foi a decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos, ao deixar de fixar um prazo máximo para a prisão de um acusado antes do julgamento. Os Juízes de uma das Câmaras consideraram que tanto a necessidade do encarceramento como a sua duração dependem das circunstâncias. A Corte julgou a Reclamação de um francês que ficou preso provisoriamente por mais de dois anos e meio, até que fosse julgado e condenado por estupro. Para a Corte Europeia, o cárcere preventivo foi devidamente justificado pela Justiça francesa. Entre os motivos aceitos, está a necessidade de evitar que o suspeito fugisse, que ele interferisse nas investigações, coagisse testemunhas ou mesmo cometesse outros crimes.
Causou-nos ainda mais perplexidade, no entanto, um dos comentários postados no site da Revista Consultor Jurídico, logo abaixo da notícia (disponível aqui).
No comentário, um Procurador da República de 1ª. Instância, afirma: “Fico um pouco encabulado quando leio essas coisas. A doutrina ´garantista à brasileira` (sic) (que só vê o lado do acusado – necessário – e nunca o lado da vítima e da sociedade) sempre destoa do resto do mundo dito civilizado. Ah! Europa, tens tanto a aprender com os nossos juristas. Claro que há abusos horrendos no manejo da prisão preventiva no Brasil. Mas a visão tortuosa que a doutrina nacional (parte dela) tem do processo penal é bem diferente do que se pratica em nações democráticas na Europa e mesmo na América Latina.
Lamentável, sob todos os aspectos, o comentário jocoso e sarcástico do membro do Ministério Público que deveria, ao contrário de se regozijar (como a mim me pareceu), lamentar aquela decisão que permitiu um acusado permanecer preso por mais de dois anos e meio sem ter sido condenado por uma sentença definitiva.
Interessante que quando a mesma Revista Consultor Jurídico noticiou outros casos em que a Corte Europeia não tolerou tais abusos, não li nenhum comentário do Professou Vladimir Aras a respeito.

Por exemplo.
Li, dias atrás, que a morosidade da Justiça vai custar caro para os poloneses. A Corte Europeia de Direitos Humanos fixou um prazo de dois anos para a Polônia indenizar aqueles que foram vítimas da lentidão judicial. A decisão foi tomada depois de os Juízes Europeus constatarem que já receberam cerca de 650 reclamações de pessoas que se dizem prejudicadas pelo ritmo lento da Justiça polonesa.
Porém, em vez de julgar cada uma delas, a Corte considerou ser mais razoável comunicar a medida ao Governo da Polônia e passar essa função aos Juízes poloneses. Se o prazo não for cumprido, aí sim os Juízes da Corte voltam a entrar em ação. (Fonte: Revista Consultor Jurídico, 8 de julho de 2015, 10h15, disponível aqui).
Antes, no ano de 2012, a Itália foi condenada a indenizar um inspetor de Polícia que teve que esperar dez anos para a conclusão do processo criminal contra ele. O motivo da condenação, no entanto, não foram os dez anos, mas sim a espera de cinco anos no processo que ele moveu contra o Estado justamente pela demora judicial. A Corte Europeia de Direitos Humanos, que analisou a reclamação do inspetor, julgou que a demora acabou beneficiando o acusado. Por conta dela, crimes prescreveram e a pena imposta foi reduzida. Já a espera de quase cinco anos no pedido de indenização foi considerada inaceitável pelos juízes europeus. Eles decidiram que, via de regra, pedido de reparação pela demora judicial deve ser concluído em dois anos e meio, no máximo. Na Itália, o que garante reparação aos prejudicados pela morosidade da Justiça é a Lei 89, de março de 2001, apelidada de Lei Pinto, em referência ao redator da norma. A lei foi aprovada em resposta à exigência do Conselho da Europa, de que a demora injustificada de processos judiciais prejudica os cidadãos e estes têm direito de receber indenização do Estado.
Em dezembro de 2010, a Itália foi repreendida pela Corte Europeia de Direitos Humanos por causa da pouca efetividade da lei. Os juízes consideraram que a Justiça italiana estava demorando demais para julgar os pedidos de indenização das vítimas da lentidão judicial. Na ocasião, a Corte mandou o país rever a sua lei e criar um fundo para garantir indenização aos prejudicados.[1]
Já neste ano de 2015, mais uma vez, a lentidão na Justiça italiana continua e o país foi condenado a pagar indenização por demorar a indenizar justamente aqueles que foram prejudicados pelo ritmo judicial lento. Para tentar evitar o pagamento duplo e facilitar a vida das vítimas, o Ministério da Justiça assinou um acordo com o Banco da Itália, que vai permitir o pagamento da compensação pela demora da Justiça em até 120 dias. Funciona assim: o cidadão espera anos para seu processo — penal ou cível — ser resolvido. Uma vez solucionado, ele inicia um novo processo pedindo indenização por ter tido de aguardar tanto tempo. Concluída essa segunda ação, se for considerado que a demora judicial o prejudicou de alguma forma, aí sim entra em jogo o acordo com o Banco da Itália e, em até quatro meses, o cidadão recebe sua indenização.[2]
Em nosso Continente, o Tribunal Constitucional do Peru acaba de fixar novo lineamento jurisprudencial sobre o prazo razoável do processo como doutrina jurisprudencial vinculante para todos os Juízes e Tribunais do País, em conformidade com o art. VI do Titulo Preliminar do Código de Processo Constitucional.
A questão foi decidida no julgamento de um Habeas Corpus impetrado por Aristóteles Romana Paucar Arce contra Juízes da 3ª. Turma Penal do Tribunal Superior de Justiça da Província Callao, onde se contestou o direito a ser julgado num prazo razoável (Processo nº. 0295-2012 na PHC/TC).
Consta da decisão:
Como se sabe, a través de diferentes pronunciamientos (Cfr. STC N.ºs 5350-2009-PHC, 2700-2012-PHC, 0350-2013-PHC, entre otras), el TC había señalado que en el ámbito del proceso penal el cómputo del plazo razonable comenzaba a correr desde el primer acto del proceso dirigido contra la persona como presunto responsable de un delito, el que a su vez podía estar representado por: i) la fecha de aprehensión o detención judicial preventiva del imputado, o ii) la fecha en que la autoridad judicial toma conocimiento del caso; entendiéndose en términos generales que dicho acto lo constituía el auto de apertura de instrucción. Con la expedición de la STC N.º 0295-2012-PHC, el TC ha precisado que el cómputo del plazo razonable del proceso penal comienza a correr desde la apertura de la investigación preliminar del delito, el cual comprende la investigación policial o la investigación fiscal; o desde el inicio del proceso judicial en los casos de delitos de acción privada, por constituir el primer acto oficial a través del cual la persona toma conocimiento de que el Estado ha iniciado una persecución penal en su contra. Sobre las consecuencias jurídicas derivadas de la afectación al derecho al plazo razonable del proceso o a ser juzgado dentro de un plazo razonable. En relación a las consecuencias jurídicas que se generan cuando se constata la violación del derecho a ser juzgado dentro de un plazo razonable, en la sentencia recaída en el Expediente N.º 3509-2009-PHC, el TC señaló que ello conllevaba a la exclusión del imputado del proceso penal. Posteriormente, en el Expediente N.º 5350-2009-PHC, advirtió que el órgano jurisdiccional debía emitir y notificar, en el plazo máximo de sesenta días naturales, la sentencia que defina la situación jurídica del procesado, bajo apercibimiento de darse por sobreseído el proceso penal, no pudiendo ser nuevamente investigado ni procesado por los mismos hechos, por cuanto ello conllevaría la vulneración del principio ne bis in ídem Al respecto, el TC ha considerado pertinente definir la línea jurisprudencial fijada, y, por tanto, precisar que la eventual constatación por parte de la judicatura constitucional de la violación del derecho a ser juzgado dentro de un plazo razonable no puede ni debe significar el archivo definitivo o la conclusión del proceso judicial de que se trate (civil, penal, laboral, etc.). Lo que corresponde es que, bien entendidas las cosas, se proceda a la reparación in natura por parte de los órganos jurisdiccionales, la misma que consiste en emitir el pronunciamiento definitivo sobre el fondo del asunto en el plazo más breve posible, a fin de resolver de manera definitiva la situación jurídica del procesado. En tanto que, en cuanto al plazo, éste deberá establecerse según las circunstancias concretas de cada caso. Lo expuesto no exime de las responsabilidades a que hubiere lugar para quienes incurrieron en la afectación el derecho al plazo razonable del proceso. Lima, 5 de junio de 2015.” (Disponível em http://www.tc.gob.pe/notas_prensa//notas/2015/nota_2015_026.html).
Esta questão relativa à mora processual, especialmente em ações penais públicas condenatórias, é extremamente preocupante em nosso País, particularmente porque aqui se banalizou a prisão provisória e, portanto, mantém-se com bastante frequência preso o réu, quando ainda não definitivamente julgado e condenado. O que deveria ser uma excepcionalidade, passou a ser uma banalidade. Desgraçadamente!
Observamos que a Emenda Constitucional nº. 45/04 acrescentou mais um inciso ao art. 5º. da Constituição Federal, estabelecendo expressamente que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” (LXXVIII).
Aliás, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos concebeu a chamada Teoria dos Sete Critérios que podem autorizar, excepcionalmente, a dilação processual; segundo esta teoria, sete situações devem ser observadas para se aferir o excesso prazal, dentre as quais, a complexidade do caso, a conduta processual do acusado e a conduta das autoridades judiciárias.[3]
Deve também ser observado, entre nós pelo menos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos firmado em Nova York, em 19 de dezembro de 1966 e promulgado pelo Governo brasileiro através do Decreto nº. 592/92:
3. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, a, pelo menos, as seguintes garantias:
(…) “c) De ser julgado sem dilações indevidas” (art. 14, 3, c).
Igualmente lê-se no Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969, promulgado entre nós pelo Decreto nº. 678/92:
Art. 8º. – Garantias Judiciais
1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente…” (grifo nosso).
Tais normas já se incorporaram ao nosso Direito Positivo, devendo ser obrigatoriamente observadas pelos nossos juízes e Tribunais, por força do disposto no art. 5º., § 2º., da Constituição Federal:
“A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, adotada no Brasil através do Dec. 678/92, consigna a ideia de que toda pessoa detida ou retida tem o direito de ser julgada dentro de um prazo razoável ou ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo.” (Superior Tribunal de Justiça – 5ª. Turma – Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº. 5239 – Relator Ministro Edson Vidigal – j. 7.5.96 – DJU 29.9.97, p. 48.228).
No mesmo sentido, confira-se a Convenção Europeia para salvaguarda dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, art. 6º., 1. Na atual Carta Magna espanhola, art. 24, 2, temos: “Asimismo, todos tienen derecho (…) a un proceso público sin dilaciones indebidas y con todas las garantías…” (grifo nosso). Do mesmo modo a VI Emenda à Constituição americana: “Em todas as causas criminais, o acusado gozará do direito a um juízo rápido e público…”

Notas e Referências:
[1] Fonte: Revista Consultor Jurídico, 8 de março de 2012, 13h11 (http://www.conjur.com.br/2012-mar-08/corte-europeia-demora-cinco-anos-condenar-italia-lentidao-judicial, acessado dia 03 de junho de 2015).
[2] Fonte: Fonte: Revista Consultor Jurídico, 2 de junho de 2015, 11h35 (http://www.conjur.com.br/2015-jun-02/italia-acordo-banco-indenizar-vitimas-lentidao-judicial, acessado dia 03 de junho de 2015).
[3] Sobre o assunto, conferir “El plazo razonable en el proceso del estado de derecho”, de Daniel Pastor, Buenos Aires: Ad-Hoc, 2002, pp. 111 e seguintes.

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