Cada Estado, em razão de sua soberania, possui sistema jurídico, autonômico e descompromissado com o dos demais estados. Isso não impede que, por força da tradição, eles agrupem-se, comungando de certos princípios norteadores. Desses grupamentos, são bem conhecidos: os países de direito continental (ou francês) e os de direito comum (common law). Apegando-se apenas às generalidades, os primeiros dão relevo à lei escrita como fonte de direito, enquanto que, os últimos valorizam o costume, decantado por meio dos precedentes jurisprudenciais. Tacitus consensus populi, longa consuetudine inveteratus”[1], segundo Ulpiano e“... quod voluntate omnium sine lege vetustas comprobavit”[2], para Cícero, o costume tem como principais elementos: a prática reiterada, a convicção de que tal repetição se dá por necessidade jurídica e decurso razoável de tempo. Por outro lado, o costume pode reiterar o conteúdo da lei (consuetudo secundum legem), dilatar sua abrangência (praeter legem) ou contrariá-la (contra legem).
Nosso país, desde os albores de sua independência, herdando a tradição portuguesa, filiou-se, decisivamente, à primeira corrente. Nossas constituições, códigos e leis, editadas no século XIX — tido como século das nacionalidades e das codificações —, já foram vazadas por escrito e na forma de artigos, nos moldes do direito continental; e assim continua até o presente. Tal não significa, contudo, que o costume deixe de ter guarida no sistema jurídico brasileiro. Basta lembrar, dois importantes preceitos, um na área do Direito Comercial e outro no âmbito, mais amplo, das normas jurídicas de qualquer espécie. Segundo o Código Comercial Brasileiro, os vocábulos empregados nos contratos mercantis devem ser entendidos em consonância com o costume e o uso do comércio (artigo 130), prevalecendo o costume sobre qualquer outro significado que se possa dar às palavras (artigo 131). Ressalte-se que, mais do que servir meramente para interpretação da palavra constante da lei, o costume substitui-se, como que por transusbstanciação, ao vocábulo legal. Face à omissão da lei ou tratado internacional — fontes primárias ou diretas —, o artigo 4º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, determina que o juiz deve decidir a questão em consonância com a analogia, o costume e os princípios gerais de direito, tidas como fontes subsidiárias, indiretas ou integradoras.
O aumento do número de estados e o incremento da quantidade e da complexidade das relações internacionais, em especial das relativas ao comércio internacional, fez com que sob a égide de várias organizações internacionais, se iniciasse um movimento para a codificação do Direito Internacional. Dentre tais organizações cite-se a ONU (por intermédio da Comissão de Direito Internacional da Assembleia-Geral), a Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional (Uncitral), o Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (Unidroit) e a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado.
Em síntese, no seio das mencionadas organizações, o trabalho de codificação começa pela escolha do segmento do direito, que esteja apto ou maduro para a codificação e que tenha maior utilidade. Primeiramente são levantadas as práticas já existentes nesse setor para que elas formem um primeiro arcabouço escrito, em forma articulada, de projeto de convenção — “codificação” propriamente dita. Para os espaços ainda não cobertos por regras costumeiras, projetam-se normas novas, o que é conhecido como “desenvolvimento progressivo”. Mais exatamente essa expressão abrange tanto a feitura de projeto de convenção sobre parte ainda não regulada por norma preexistente de direito internacional, quanto a vasta reformulação de direito já existente.
Findo o projeto de convenção, a organização que o preparou decide sobre a conveniência da convocação de uma conferência diplomática (representantes de Estados), para negociar e eventualmente adotar o tratado internacional. O tratado adotado, de regra, fixa em seu texto o número de ratificações necessárias para sua entrada em vigor. Uma vez, alcançado esse número, o tratado passa a viger entre os Estados que o ratificaram. A ratificação pressupõe aprovação prévia do texto do tratado pelo Legislativo do Estado.
O fato, não incomum, de as formalidades subsequentes à adoção de um tratado se protraírem, às vezes por décadas; e, não tão raramente, deixarem de se realizar (mortalidade infantil do tratado), gera consequências.
Os relacionamentos jurídicos não param e, consequentemente, a evolução é continua! Muitas vezes, o texto do tratado adotado, mas ainda não em vigor, ou vigorante entre certo número de Estados, passa a ser aplicado na prática, podendo dar origem à sedimentação de novo costume internacional que abranja um número maior de Estados. O tempo de reiteração para que se materialize uma norma costumeira não se conta mais de séculos, como nos tempos de antanho. Com a aceleração do mundo moderno e o aumento dos relacionamentos internacionais, prazo muito menor é tido como suficiente. Dá-se, assim, o interessante ciclo: regras costumeiras internacionais, por meio da codificação transformam-se em regras escritas de tratados, interpenetrando-se com regras de desenvolvimento progressivo; que por seu turno, transformam-se em base para que se criem novas normas costumeiras! O acontecido com a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados é um bom exemplo. Adotada em 1969, somente entrou em vigor em 1980, quando atingiu trinta e cinco ratificações, número mínimo exigido em seu texto. Essa convenção, produto ao mesmo tempo de codificação e do desenvolvimento progressivo, mesmo antes de vigorar formalmente, já era tida pela doutrina e pela jurisprudência, em sua inteireza, como norma internacional, fruto de costume internacional, apesar da reiteração de apenas alguns anos.
Outro aspecto a considerar diz respeito a uma tendência que se vem robustecendo nas últimas décadas. As organizações que se dedicam à codificação e ao desenvolvimento progressivo do direito internacional, face às dificuldades e ao grande espaço de tempo entre a adoção de um tratado e sua entrada em vigor, para número razoável de Estados, vem preferindo mudar um pouco seus objetivos. Ao invés de preparar projeto de tratado, que uma vez em vigor acaba por ser hard law, tem realizado projetos de leis modelos (soft law), que podem servir de base aos Estados, na preparação de projetos de leis internos. Projetos de lei uniforme não estão imunes em se transformar em costumes internacionais.
Os tratados, embora sendo regidos pelo direito internacional público, veiculam regras de qualquer ramo do Direito; e o que se acaba de dizer acerca da Convenção de Viena de 1969, pode acontecer e acontece, com tratados que carreguem em seu bojo matéria de Direito do Comércio internacional, por exemplo. Como o direito internacional faz parte também do ordenamento jurídico interno, o juiz nacional pode ser competente para aplicar suas regras, brotadas quer do costume, quer do tratado, quer do costume posterior à adoção do tratado (e, eventualmente, do projeto de lei uniforme). Dessa maneira, um estudo profundo e técnico da força que o costume — praeter, secundum vel contra legem — de um lado; quer nacional ou internacional, de outro, possa ter em cada caso jurídico concreto pode valer a diferença entre ser vitorioso ou não. Cabe ao advogado, diligentemente, fazer tal perquirição!
[1] “tácito consenso do povo, inveterado por longo uso”
[2] “...aquele que o tempo consagrou pela aprovação de todos, sem a intervenção da lei.”
Fonte: Conjur
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