A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou o princípio da excepcionalidade para reformar acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) que havia determinado o retorno imediato de dois menores à Irlanda, de onde foram trazidos pela mãe ilicitamente.
Os dois irmãos são portadores de dupla cidadania e tinham residência habitual na cidade de Douglas, na Irlanda, sob a guarda compartilhada da mãe (cidadã brasileira) e do pai (cidadão irlandês). Em dezembro de 2003, a mãe trouxe os filhos para o Brasil e prometeu retornar em março de 2004. Mas, em fevereiro de 2004, ela pediu o divórcio e comunicou ao então marido que eles jamais retornariam ao país.
Imediatamente, o pai acionou a autoridade brasileira, requerendo o repatriamento dos filhos com base na Convenção de Haia sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, de 1980, da qual o Brasil é signatário desde 2000.
Em junho de 2004, a União ajuizou ação ordinária de busca, apreensão e restituição dos menores na 3ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária de Vitória, com base na retenção ilícita de menores prevista no artigo 3º da Convenção, que classifica o ato como sequestro internacional de crianças – deslocamento ilegal da criança de seu país ou sua retenção indevida em outro local que não o de sua residência habitual.
Desde então, a ação tramitou pela 3ª Vara Federal e pelo TRF2 até chegar ao STJ, em recurso especial interposto pela mãe das crianças. Atualmente, a filha está com 17 anos e o filho com 15 anos e seis meses de idade.
Daí a excepcionalidade aplicada pelo relator do recurso no STJ, ministro Humberto Martins, uma vez que o artigo 4º da Convenção de Haia determina que sua aplicação deixa de ter efeito quando a criança atinge a idade de 16 anos.
Exceção
Segundo o ministro, mesmo configurando ilícita retenção de menores, o caso em questão deve observar a exceção prevista no artigo 12 da Convenção de Haia – que admite a permanência quando comprovado que a criança já se encontra integrada no seu novo meio – e a particularidade do seu artigo 4º.
No caso, a Convenção não mais atinge a jovem de 17 anos, mas ainda opera seus efeitos em relação ao jovem menor de 16 anos. Para o relator, repatriar apenas o irmão e deixar a irmã no Brasil soa prejudicial ao melhor interesse daquele, pois, não bastasse a alienação reprovável promovida pela sequestradora, o menor seria submetido também ao distanciamento geográfico da irmã.
“Em observância ao bom senso e à prudência, a oitiva do jovem de 15 anos sobre eventual desejo de retornar ao país e a avaliação pericial de suas condições psicológicas são medidas que se impõem”, concluiu o ministro em seu voto.
Para Humberto Martins, certamente o adolescente já conta com discernimento suficiente para opinar sobre seu retorno ou não ao país natal, como faculta o artigo 12, “b”, da Convenção. “Afinal, o interesse maior da criança é o objetivo principal almejado pela Convenção de Haia”, enfatizou.
Ademais, afirmou o ministro, uma vez provada a existência de exceção, o julgador ou a autoridade tem a discricionariedade de formar seu convencimento no sentido do retorno ou da permanência da criança, desde que essas exceções sejam interpretadas restritivamente, mediante prova efetiva da presença da situação de excepcionalidade.
Bom senso
Humberto Martins fez questão de ressaltar que seu voto não viola a Convenção de Haia, e que o Brasil, como signatário, deve cumpri-la de boa-fé, respeitadas eventuais exceções.
“Esta corte está ciente de que o repatriamento é a regra, e não a exceção. Não estão em superioridade as leis nacionais, e sim a convenção internacional da qual o Brasil é signatário e cujo escopo é assegurar, dentro do possível, o retorno de crianças ao país de residência habitual para que a guarda seja regularmente julgada”, disse o ministro.
Segundo o relator, tanto é verdade que o STJ está ciente de que a regra geral da Convenção aponta para o repatriamento, que, recentemente, a própria Segunda Turma determinou o retorno imediato de uma criança de cinco anos de idade para a Itália.
Todavia, consignou o ministro, o caso julgado traz uma particularidade, já que a jovem de 17 anos deixou de ser atingida pelos efeitos da Convenção e seu irmão completará 16 anos dentro de seis meses – em 8 de agosto –, quando também estará enquadrado no artigo 4º.
“A despeito do risco de concretização de condição imutável (cessação dos efeitos da Convenção em face do menor) e da reciprocidade imposta pela adesão à Convenção de Haia, devem sobrepujar, neste caso excepcional, o bom senso e a prudência”, enfatizou o ministro.
Em decisão unânime, a Turma deu provimento ao recurso especial para cessar os efeitos da Convenção no tocante à jovem de 17 anos e determinar o retorno dos autos à origem, para que o jovem de 15 anos e seis meses seja submetido à avaliação psicológica e ouvido quanto a seu desejo de retornar ou não ao país de origem.
Fonte: Atualidades do Direito
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