domingo, 5 de maio de 2013

Tribunal internacional pode anular o julgamento do Mensalão


Por Valério de Oliveira Mazzuoli
O histórico julgamento do Mensalão pode, sim, ser anulado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (tribunal da Organização dos Estados Americanos – OEA). A questão, muito simplesmente, é a seguinte: o Supremo Tribunal Federal deveria ter desmembrado o processo do Mensalão ao menos para os réus que não detinham, à época do julgamento, foro por prerrogativa de função; e assim não procedeu. Com isto, violou uma regra de direito internacional – a do “duplo grau de jurisdição” – prevista na Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, tratado internacional de direitos humanos que o Brasil ratificou (obrigou-se) em 1992.
Esse processo internacional, que poderá levar à anulação do julgamento do Mensalão, inicia-se com uma “queixa” (de qualquer cidadão) perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (que tem sede em Washington, nos EUA); depois de certo trâmite interno (inclusive com a oitiva do Estado etc.), pode esta Comissão entender que o país violou a regra internacional do “duplo grau” e ingressar, em desfavor do país, com uma ação na Corte Interamericana de Direitos Humanos (sediada em San José, Costa Rica) para que seja o julgamento do Mensalão anulado.
Há, inclusive, um precedente já julgado pela Corte Interamericana sobre o assunto, e que se encaixa como uma luva ao caso do Mensalão. Trata-se do caso Caso Barreto Leiva Vs. Venezuela, julgado pela Corte Interamericana em 17 de novembro de 2009, ocasião em que o tribunal da OEA entendeu que a Venezuela violou o direito ao duplo grau de jurisdição ao não oportunizar ao Sr. Barreto Leiva o direito de apelar para um tribunal superior, eis que a condenação que este último sofreou proveio de um tribunal que conheceu do caso em instância única (no caso do Mensalão, este tribunal é STF). Em outras palavras, o tribunal entendeu que o réu não dispôs, em consequência da conexão, da possibilidade de impugnar a sentença condenatória, o que viola frontalmente a garantia do duplo grau prevista (sem qualquer ressalva) na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8, 2, h).
Como se percebe, o precedente do Caso Barreto Leiva coincide perfeitamente com a situação dos réus condenados no processo do “Mensalão”, uma vez que todos (tendo ou não foro por prerrogativa de função) foram impedidos de recorrer da sentença condenatória para outrotribunal interno, em desrespeito à regra internacional do duplo grau que o Brasil aceitou e se comprometeu a cumprir.
Na Convenção Europeia de Direitos Humanos há ressalva expressa a permitir o julgamento de quaisquer pessoas pelo mais alto tribunal do país, sem que tal configure violação ao duplo grau de jurisdição (art. 2º, 2). Porém, no que tange ao nosso país, é certo que nos encontramos sujeitos à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, desde que o Brasil aceitou a competência contenciosa do tribunal (por meio do Decreto Legislativo nº 89/1998); e não há qualquer ressalva – diferentemente do que faz a Convenção Europeia – no que tange ao direito ao duplo grau de jurisdição na sistemática da Convenção Americana.
Enfim, considerando a similitude absoluta entre o Caso Barreto Leiva, julgado pela Corte Interamericana, e o que foi decidido no processo do Mensalão, não há dúvidas de que este último poderá ser objeto de impugnação perante o tribunal da OEA. Se isso ocorrer, servirá de alerta para o STF, em todas as ações que vier a julgar, para que observe, além da Constituição, também os tratados internacionais (especialmente os de direitos humanos) ratificados e em vigor no Brasil.

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