Por Vladimir Passos de Freitas
A Índia é um Estado Federal parlamentar, com 28 estados e 7
territórios, 3.29 milhões de km2, uma população ao redor de 1 bilhão e 300
milhões de habitantes, onde se fala, preponderantemente, o hindi e o inglês
(mas há dezenas de línguas e dialetos locais), sendo o hinduísmo a religião da
maioria (cerca de 70%), havendo um percentual menor de mulçumanos, sikhs,
cristãos e budistas.
O sistema judicial da Índia tem forte influência dos
britânicos, que com ela mantiveram relações comerciais desde 1600 e
dominaram-na por cerca de 89 anos (1858-1947). Por isso, o sistema é o da
Common Law, porém com a possibilidade de o Judiciário rever as decisões do
Parlamento, como nos Estados Unidos.
O Poder Judiciário estrutura-se através da Suprema Corte,
localizada na capital Delhi, 21 Cortes Superiores (High Courts), nas capitais
de 21 estados, Cortes Distritais (v.g., Família), Tribunais Administrativos
(v.g., taxas) e tribunais para pequenas causas. Nos tribunais sempre se
encontra o retrato de Mahatma Gandhi, o libertador. Não existem julgamentos por
Tribunal do Júri desde 1959.
A Suprema Corte possui 26 justices (título equivalente ao de
ministro). Eles são indicados pelo presidente da República e permanecem no
cargo até os 65 anos, quando são aposentados compulsoriamente. A competência da
Corte, basicamente, situa-se nos conflitos entre os estados e a União,
reconhecimento da inconstitucionalidade de leis nacionais e estaduais e
apelações contra decisões das Cortes Superiores, quando o caso envolve questão
de grande relevância ou interpretação da Constituição. Ela pode, ainda, avocar
processos em tramitação nos demais tribunais.
Os julgamentos da Corte, em geral, são feitos em Turmas de
dois ou três juízes. Quando a questão é constitucional, a Turma pode atingir
cinco ou mais juízes. O juiz mais antigo é o presidente da Suprema Corte da
Índia. A nomeação dos justices é feita dentre membros dos Tribunais Superiores
e também, em casos especiais, dentre advogados experientes.
As Cortes Superiores (High Courts) equivalem aos nossos
Tribunais de Justiça, julgam as apelações e administram a Justiça de primeira
instância no âmbito de sua jurisdição. Abaixo delas existem Cortes
Subordinadas, que são as Cortes Distritais (equivalentes a comarcas). As High
Courts decidem também recursos oriundos de Tribunais Administrativos, como
Tribunal de Taxas, Eletricidade e Reclamações relacionadas com as Estradas de
Ferro. Os recursos de apelação são julgados por dois juízes e, em caso de
empate, é chamado um terceiro.
Nas Cortes Superiores os juízes também têm o título de
Justice e as nomeações são feitas com base nas recomendações de um colegiado,
que escolhe entre os juízes recrutados na primeira instância e advogados. A
idade para a aposentadoria compulsória é de apenas 62 anos. O presidente da
High Court é escolhido pelo presidente da República, que consulta o governador
do estado e o presidente da Suprema Corte. Para os demais justices, o
presidente da República consulta o presidente da Suprema Corte e o presidente
das High Courts da Índia. O presidente da República pode indicar juízes
temporários por até 2 anos. Juízes devem ter 10 anos de experiência e podem ser
removidos por má conduta ou corrupção. A High Court de Calcuttaé a mais antiga
de todas, foi instalada em 1862. A High Court de Rajhasthan possui um
expressivo Museu Judiciário.
Os justices das Cortes Superiores recebem cerca U$ 2.000 por
mês. Todavia, têm direito a residência oficial, com dois serviçais, um
segurança, carro oficial para uso permanente, com sirene (no tráfico da Índia
isto é muito importante) e combustível, não pagam contas de água e luz. Nas
dependências das Cortes todos os advogados usam beca e na de Nova Delhi, à
porta dos gabinetes dos juízes, um servidor elegantemente vestido, com calça
preta, túnica comprida vermelha e um turbante, recebe os que pretendem falar
com o juiz. Neste Tribunal, advogados de réus pobres comunicam-se com os presos
através de vídeo.
A primeira instância compõe-se de Cortes Distritais
(equivalentes a Comarcas), criadas pelo número de casos, população e
distribuição no distrito. Elas são presididas por um juiz distrital indicado
pelo governador do estado. Além do juiz distrital pode haver juízes auxiliares
(Additional District Judges) e juízes assistentes (Assistant District Judges),
dependendo da carga de trabalho. As Cortes Distritais julgam as apelações de
sentenças das Cortes a ela inferiores (Subordinate Courts) situadas no
distrito. Estes tribunais julgam pequenas causas e o modelo assemelha-se ao
norte-americano, onde há juízes municipais e do condado. Os julgadores têm o
título de magistrados, que no Direito anglo-saxão equivale a um juiz para
pequenas causas.
Merece referência a existência do Tribunal Ambiental (National
Green Tribunal), instalado em 18 de outubro de 2010, com sede em Nova Delhi mas
que julga de forma itinerante em outras capitais. Ele tem competência para
julgar casos de danos a recursos naturais, poluição, proteção ao patrimônio
cultural e outros semelhantes. Não possui, todavia, jurisdição penal. O
Tribunal tem 10 julgadores e 10 experts em áreas diversas (comissioners). O
presidente é escolhido entre os membros da High Court, podendo ser um
aposentado. Contra suas decisões cabe apelação para a Suprema Corte.
Regra geral, o povo deposita grande confiança no Poder
Judiciário, que é, de todos, o mais respeitado. Mas, mesmo assim, existem
críticas quanto à sua morosidade e também de entidades ligadas aos direitos
humanos, existindo uma campanha para que se crie uma “Comissão Nacional de
Justiça”, assemelhada ao nosso Conselho Nacional de Justiça. A conciliação, tal
como no Brasil, é muito estimulada e os tribunais possuem comissões, estudos,
iniciativas em tal sentido.
No âmbito do Direito material, a maior diferença com o
Brasil está no casamento. Ele continua na maioria dos casos, até hoje, sendo
uma escolha dos pais. Na Índia casa-se com a família e não apenas com o (a)
noivo (a). A aproximação se dá por iniciativa pessoal ou anúncio nos jornais.
No jornal Sunday Times de Jaypur, de 13 de janeiro de 2013, um caderno especial
(matrimonials) apresenta quatro páginas de propostas e os autores não são
econômicos no elogio de suas virtudes (v.g., belo, culto, de boa família). Há
anúncios curiosos, como o de segundo casamento, com o alerta de que o primeiro
matrimônio não se consumou. Os casamentos se dão entre pessoas da mesma casta,
ou seja, classe social. O dote, muito embora proibido por lei, continua a
existir na prática. E se o pai não cumpre o prometido, a esposa pode ver-se em
maus lençóis, havendo até casos de assassinato por fogo.
Este, em síntese, é o sistema judicial da Índia, país
misterioso, fascinante e de contrastes que, com o Brasil e a Rússia, é
considerado uma das economias emergentes no mundo.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal
aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito
Ambiental da PUC-PR.
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