quarta-feira, 29 de março de 2017

Como uma crise de refugiados destruiu o Império Romano

Há 16 séculos, a Europa vivia uma séria crise de refugiados. Assim como hoje, um povo usava rotas nos Bálcãs para fugir de atrocidades e buscar esperança em terras estrangeiras. Em 376, não eram os sírios que se deslocavam em massa, mas os godos, um dos povos que os romanos chamavam genericamente de bárbaros. Eles migraram para o sul e pediram abrigo no império mais poderoso do Ocidente. De origem germânica, esse povo habitava o leste europeu e se subdividia em ostrogodos (a turma mais a leste) e visigodos (mais a oeste).
Naquele ano, o historiador e militar romano Amiano Marcelino registrou que os godos estavam sendo expulsos de suas terras por uma “raça selvagem sem paralelos que desceu feito redemoinhos das montanhas, como se tivesse brotado de um canto escondido na terra, e destruiu tudo que se encontrasse em seu caminho”. Eram os hunos, um povo nômade que se deslocou para a Europa Central em busca de terras e pastagens. À medida que avançavam, expandiam seus domínios por meio de alianças e conquistas.
Os godos entraram na linha de tiro huna e migraram para a Trácia, região que hoje fica nos territórios de Bulgária, Grécia e Turquia e que na época era uma província romana. Caso conseguissem se estabelecer, estariam em uma terra fértil, do outro lado do Rio Danúbio e mais protegidos da fúria dos hunos. Mas faltava combinar com Roma. A Trácia fazia parte da porção oriental do império, governada por Valente. Então, Fritigerno, líder dos godos, propôs que seu povo fosse recebido como súdito de Roma, prometendo uma ocupação tranquila e, de quebra, fornecendo tropas auxiliares caso o exército imperial precisasse de uma forcinha extra. Era uma proposta de Corleone. A Trácia era pouco habitada, suas terras precisavam de mãos trabalhadoras e alguns milhares de homens a mais para eventuais batalhas era uma baita oferta. Além disso, em sinal de boa fé, Fritigerno se converteu ao cristianismo, religião que havia décadas deixara as catacumbas para se tornar a fé dos imperadores. Ou seja, Valente não poderia recusar tal proposta. 
De fato, o imperador topou, e os refugiados puderam se estabelecer no território. Com isso, os godos caminhavam para se tornar mais um dos povos assimilados pelo império. Estrangeiros viravam cidadãos e seus descendentes podiam conseguir cargos na administração pública ou no exército. Era a receita a longo prazo que protegia Roma: faça dos outros também romanos.  O império era um um relativo poço de diversidade para a época. Ao longo de sua história, houve imperadores que nasceram em províncias distantes da capital e até mesmo da Península Italiana. Homens que vieram das atuais Espanha, Croácia, França, Hungria, Bulgária, Sérvia e até de Turquia, Marrocos, Líbia e Síria tornaram-se imperadores. (claramente, assimilar essa turma toda e permitir ascensão social era uma medida muito mais inteligente quanto, por exemplo, construir um muro).
Tudo ia na santa paz de Júpiter até que militares corruptos, que deveriam administrar as provisões enviadas aos imigrantes a fim de ajudá-los a se firmar na terra nova, passaram a encher os próprios bolsos. Os godos começaram a passar fome, e a eles só restava adquirir carne de cão dos militares.
(Corrupção e carne duvidosa, onde vimos isso mesmo?)
Famintos e se sentindo traídos, os godos começaram a se rebelar. Em 378, cercaram Adrianópolis, na atual Turquia. Tratava-se de uma cidade ancestral, chamada na mitologia grega de Orestia e rebatizada em homenagem ao imperador Adriano. O próprio Valente decidiu marchar para enfrentar os bárbaros. Menosprezou as forças ostrogodas e visigodas e não esperou o reforço do ocidente. Mesmo assim, com apenas 40 mil homens, peitou os 100 mil de Fritigerno.
Foi um massacre, descrito por Santo Ambrósio, que viveu na época, como “o fim da humanidade, o fim do mundo”Os romanos foram trucidados. Valente não só morreu em batalha, como seu corpo jamais foi recuperado. O imperador tornou-se uma carcaça indigente abandonada na Trácia, junto a milhares de outros corpos de anônimos, que de um dia para o outro viraram lembrança e comida de abutre.
Valente foi sucedido por Teodósio, que tornou o cristianismo religião oficial do império de vez. Ele também captou a clara superioridade dos godos sobre as já manjadas legiões romanas nos campos de batalha e passou a recrutá-los para as forças imperiais. Isso segurou as pontas por um tempo. Quando ele morreu, em 395, o império foi oficialmente dividido em Ocidente e Oriente. A porção oeste estava cada vez mais fragilizada, e os godos chegaram à Itália em 402. Outros bárbaros também aproveitavam a situação. Os vândalos vandalizaram a Gália, e os próprios godos chegaram a Roma em 409. 
E aí o povo que havia expulsado os godos décadas antes ganhou um rei avassalador. O huno Átila simbolizou o fim de Roma, apesar de não ter conquistado a capital de fato. Tal feito coube a Genserico, rei dos vândalos, em 455. Por isso, a Batalha de Adrianópolis é considerada o começo do fim do império mais badalado da Antiguidade. Era melhor ter tratado dignamente os refugiados.
A queda de Roma (Reprodução/Como uma crise de refugiados destruiu o Império Romano)
Fonte: Exame


sexta-feira, 24 de março de 2017

A repercussão da “Carne Fraca” sobre as exportações brasileiras e as respostas do governo

Dias após deflagrada a Operação “Carne Fraca” (17 de fevereiro), o comércio exterior brasileiro foi submetido a embargos temporários por parte de alguns dos maiores mercados importadores de carne bovina do país. Em um contexto no qual é prevista considerável queda no volume de exportação de carne, o Brasil tem tentado evitar que novos parceiros comerciais apliquem sanções sob o argumento de que o problema não implica um questionamento generalizado sobre a qualidade da carne brasileira.
Até o momento, quinze países anunciaram que restringiriam a importação de carne bovina do Brasil. Alguns mercados impuseram sanções temporárias à importação, como Chile, Hong Kong e Egito. Como resposta, o governo suspendeu a exportação dos 21 frigoríficos investigados pela Operação, ainda que a venda no mercado interno continue liberada. A medida foi tomada para atender demandas da União Europeia (UE) e do Japão. China e Arábia Saudita, por sua vez, aumentaram a fiscalização sobre a carne brasileira que chega a seus portos.
Dentre os principais destinos, Coreia do Sul, China e UE receberam 27% da carne exportada pelo Brasil em 2016. Na terça-feira, a exportação de carne de boi e de frango, que atinge a cifra de US$ 63 milhões por dia, caiu para US$ 74 mil, uma queda de 99,9%. No médio prazo, estima-se que haverá uma queda de 10 a 20% nas exportações de carne.
A questão tem exigido do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, conversas com vistas a apaziguar autoridades estrangeiras. O principal argumento brasileiro é de que a questão não coloca em xeque a qualidade da carne brasileira. Em nota à imprensa, o Ministério da Agricultura defendeu que “os controles sanitários brasileiros são sólidos e confiáveis”. Ainda, afirmou que, das “4.837 unidades de processamento de produtos de origem animal sujeitas a inspeções sanitárias federais, apenas 21 estão supostamente envolvidas em irregularidades”.
A delegação brasileira também fez um pronunciamento no Comitê sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da Organização Mundial do Comércio (OMC), afirmando que “em espírito de transparência e cooperação, nós esperamos que os membros não usem medidas que possam ser consideradas arbitrárias”.
Além do Ministério da Agricultura, outros órgãos e associações ligados à agricultura também lançaram notas sobre a questão. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), por exemplo, clarificou seu papel na regulamentação da carne bovina brasileira e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) defendeu que é necessário investigar com rigor a questão para que a imagem dos produtores não seja “maculada pela ação irresponsável e criminosa de alguns”.
Antes de ganhar saliência, a Operação “Carne Fraca” já estava em vigor havia dois anos e detectou que Superintendências Regionais do Ministério da Pesca e Agricultura estavam envolvidas em esquemas de corrupção com representantes das empresas responsáveis pelos frigoríficos irregulares.
Ainda é pouco clara a dimensão dos impactos, mas o escândalo pode afetar os avanços recentes do Brasil no que diz respeito ao acesso ao mercado de carne de outros países (ver Boletim de Notícias). Alguns eurodeputados exigiram garantias do Brasil e defenderam que a questão decorre de uma falha no sistema geral de controle de fraudes do Brasil. O assunto também constituiu objeto de questionamentos por parte desses deputados às negociações do bloco com o Mercado Comum do Sul (Mercosul).


Brasil é denunciado à ONU após TST vetar 'lista suja' do trabalho escravo

O Brasil foi denunciado na ONU nesta segunda-feira por conta da decisão do Tribunal Superior do Trabalho de vetar, a pedido do governo, a lista de empresas flagradas com mão de obra análoga à escravidão. A iniciativa foi da entidade Conectas, que levou o caso ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra.
No dia 7 de março, o ministro Ives Gandra Filho, presidente do TST, suspendeu a divulgação das listas depois de dois recursos impetrados pelo governo federal contra decisões anteriores da Justiça do Trabalho. A decisão deu ao governo 120 dias para "reformulação e aperfeiçoamento" da portaria que cria a "lista suja". Para a Conectas, trata-se de uma manobra para esvaziar o instrumento.
A sentença foi revertida no dia 14 de março após um pedido de liminar feito pelo Ministério Público do Trabalho. Ainda assim, a entidade protestou na ONU apontando que essa era "a primeira vez que o Executivo federal se alinha com os interesses dos setores corporativos que se beneficiam da suspensão do documento".
"Qualquer decisão do Judiciário de suspender a lista com base no argumento de violação de liberdades individuais favorece as corporações privadas envolvidas em trabalho escravo em detrimento dos mais vulneráveis", afirmou a entidade no Conselho.
O Itamaraty pediu direito de resposta e insistiu que tem o "compromisso de longa data" com a erradicação da escravidão. O governo ainda explicou que um grupo foi nomeado para reformular o instrumento e que uma nova versão deve estar pronta em julho.

Fonte: Estadão