domingo, 31 de maio de 2015

Serviço Alemão de Intercâmbio oferece bolsas para a área do direito

O Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico abre na próxima semana as inscrições para o Mestrado em Políticas Públicas e Boa Governança. Graduados na área do direito podem participar. 
Para se candidatar, é preciso ter um rendimento acadêmico de excelência e conhecimento de inglês. 
Os interessados devem enviar a documentação para a universidade alemã onde desejem estudar entre 1º de junho de 31 de julho. 
Os selecionados receberão uma bolsa mensal, ajuda de custo com passagem aérea, curso preparatório de alemão e seguro-saúde. 

O racismo dos filhos de imigrantes no Brasil contra os haitianos

haitianos2É estarrecedor. Netos e bisnetos de imigrantes torcendo o nariz para a imigração haitiana. Ainda mais no Brasil. Ainda mais no Rio Grande do Sul. Durante a semana, ao apoiar o acolhimento aos caribenhos, ouvi de tudo. “Ignorante, mal-informado, mal-intencionado.” Senti vergonha de ler o que li e de ouvir o que ouvi. Não por mim. Estou acostumado às críticas. Senti vergonha pelo passado. Talvez porque conheça bem duas histórias.
A primeira é do Haiti contemporâneo. Estive lá duas vezes na condição de jornalista. Em 1995, pensei: “Impossível piorar”. Quando voltei, em 2009, vi que eu estava errado assim que desembarquei em Porto Príncipe.
A segunda história que conheço bem é a da minha família – a mesma das famílias de milhões de gaúchos. Imigrantes miseráveis, sem dinheiro e cheios de esperança que cruzaram o mar e o mundo em busca de uma nova vida. Aqui chegaram, aqui foram acolhidos, aqui viraram iguais aos outros e iguais entre si.
Os tempos eram outros, argumentam. Sim, eram outros. Mas os dramas e a essência das pessoas são os mesmos. É o ângulo pelo qual enxergo a questão. O direito à liberdade é o mesmo. O sonho é o mesmo.
Quando os europeus chegaram, faltava mão de obra. Hoje, sobra. Mesmo assim, é impossível que um país tão grande não consiga organizar esse novo fluxo imigratório.
Criar incentivos para a colonização de áreas menos habitadas, estimular o preenchimento de vagas em locais onde elas estão disponíveis.
Há uma outra questão camuflada nesse debate. Camuflada, mas fundamental. O racismo. Se os novos imigrantes que chegam ao Brasil e ao Rio Grande fossem loiros de olhos claros, a celeuma seria bem menor. Mas são negros, são pobres, são sós. Têm nomes estranhos e falam uma língua estranha, o creole.
Outro dia, fui abastecer meu carro em um posto de Porto Alegre. A frentista era haitiana. Orgulhosa por estar trabalhando. Vi o brilho no olho dela. Me lembrei dos meus avós. E saí me perguntando como seres humanos podem esquecer tão rapidamente das suas próprias trajetórias.
O Haiti não é aqui.
Aqui é o Brasil.
Não temos o direito de negar a essa gente as oportunidades que nossas famílias tiveram em um passado não tão distante. Nem que tenhamos que nos sacrificar um pouco mais para isso.
Fonte: DCM

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Contra desperdício, França aprova lei que obriga supermercados a doar alimentos não vendidos

Firmas deixarão de destruir produtos estocados — e que ainda não tiveram o prazo de validade vencido — sob pena de multa de € 75 mil ou dois anos de prisão
Com o objetivo de combater o desperdício de comida no país, o Parlamento da França aprovou por unanimidade na noite de quinta-feira (21/03) um projeto de lei que proíbe os supermercados de destruir os alimentos que não foram vendidos.
Com a aprovação, a medida obrigará os supermercados do país a assinar contratos formais com instituições de caridade para que possam doar as sobras de alimentos — que ainda não tiveram o prazo de validade vencido e estão em condições de serem consumidos. A punição para quem descumprir a norma poderá chegar a multa de até 75 mil euros ou dois anos de prisão.
Caso os restos não sejam destinados a esses órgãos, as companhias poderão ainda encaminhá-los para zonas rurais para servir de ração de gado ou como composto orgânico para a agricultura. 
Em média, um francês joga fora de 20 a 30 quilos de comida por ano, segundo estimativas do Palácio do Eliseu. Além de não ser sustentável, o problema de desperdício custa até 20 bilhões de euros anualmente para os cofres do país.
“É escandaloso ver a lixívia [composto químico usado para limpar e dissolver substâncias orgânicas] que está sendo derramada nas caixas de lixo dos supermercados, juntamente com alimentos comestíveis", declarou o idealizador da legislação, o deputado do Partido Socialista Guillaume Garot, que já foi ministro responsável pelo agronegócio entre 2012 e 2014.
Por sua vez, a Federação do Comércio e da Distribuição da França, que representa os supermercados, criticou o projeto. “A lei é incorreta, tanto em seu alvo, quando em seu intuito, já que as grandes lojas representam apenas 5% dos desperdícios de comida”, criticou o diretor do órgão, Jacques Creyssel.
A nova lei faz parte de um esforço nacional para resolver a questão do desperdício de comida em todo o território francês até 2025. No ano passado, os supermercados do país chegaram a promover uma campanha de consumo de frutas e legumes considerados “feios”, com descontos de até 30% do preço original, já que entre 10% e 30% desses produtos vão para os lixos.
Fonte: Opera Mundi

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Brasil fica em 60º em ranking mundial da educação

País ficou próximo de nações africanas - Thiago Lontra / Agência O Globo
Países asiáticos estão topo de um ranking mundial de educação divulgado nesta quarta-feira pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O primeiro lugar foi ocupado por Cingapura, seguido de Hong Kong (região administrativa especial da China) e Coreia do Sul. Entre os 76 países avaliados, o Brasil ficou na parte baixa da tabela, ocupando a 60ª posição, próximo de nações africanas. A última colocação ficou com Gana, na África.
Outros três países sul-americanos ficaram entre os 15 últimos colocados: Argentina (62ª), Colombia (67ª) e Peru (71ª). O ranking foi estabelecido com base em resultados de testes de matemática e ciências aplicados nesses países. Além dos resultados Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), foram levados em conta o TIMSS — dos EUA— e o TERCE, aplicado em países da América Latina.
“Esta é a primeira vez que temos uma escala verdadeiramente global sobre a qualidade da educação. A ideia é dar a mais países, ricos e pobres, a possibilidade de comparar a si mesmos com os líderes mundiais em educação para descobrir seus pontos fracos e fortes e ver o ganhos econômicos a longo prazo gerados pela melhoria da qualidade da educação”, afirmou o diretor educacional da OCDE, Andreas Schleicher.
De acordo com o relatório, os índices de educação de um país podem sinalizar os ganhos econômicos que essas nações terão a longo prazo. Além disso, o país que hoje ocupa o primeiro lugar da lista, Cingapura, já registrou altos níveis de analfabetismo na década de 60, o que é visto como um exemplo de que o progresso educacional é possível mesmo em pouco tempo.
“Políticas e práticas educativas deficientes deixam muitos países em um permanente estado de recessão econômica”, conclui o relatório.
O ranking será apresentado oficialmente na próxima semana, durante o Fórum Mundial de Educação, na Coreia do Sul, quando líderes mundiais irão se reunir para traçar novas metas para educação. Os últimos objetivos foram estabelecidos há 15 anos e alguns deles, como fornecer ensino primário a todas as crianças, ainda não foram atingidos.
Fonte: O Globo



Espanhol perde imunidade diplomática e vai responder pelo crime no Brasil

O Governo da Espanha suspendeu a imunidade diplomática do espanhol Jesús Figon, de 64 anos, que matou a esposa com cinco facadas na madrugada desta terça-feira (11). Com essa decisão, o diplomata vai responder pelo crime no Brasil. O comunicado do governo espanhol foi feito oficialmente na tarde desta quarta-feira ao Ministério das Relações Exteriores.
O delegado Adroaldo Lopes, titular da Delegacia de Homicídios e Proteção à Mulher, informou que já pediu a cassação do passaporte do diplomata e que está analisando pedir a prisão preventiva dele. O delegado disse ainda que recebeu a informação do Ministério das Relações Exteriores, sobre a suspensão da imunidade diplomática de Jesús Figon, via email. 
Jesús Figon é comissário de segurança da Embaixada da Espanha no Brasil. Ele confessou ter matado a esposa, Rosemary Justino Lopes, de 50 anos, dentro do apartamento do casal em Jardim Camburi.
O crime aconteceu na madrugada desta terça-feira (12) e ele se apresentou à polícia por volta das 6h30. O diplomata foi liberado às 18h30, após prestar depoimento.
Segundo a polícia, Jesús matou a esposa com cinco facadas, três no peito e duas nos braços. 
O casal estava junto há quase trinta anos e reside desde 2011 no Brasil. O irmão da vítima contou que Jesús conheceu Rosemary quando ela foi para a Espanha trabalhar como cabeleireira.
Fígon ocupava o cargo de conselheiro interior da embaixada em Brasília, mas passava alguns dias na residência que tinha com a esposa em Jardim Camburi.

A história do sul-coreano condenado à prisão perpétua desde o nascimento

Objetor de consciência, Song, In-ho |©Amnesty International
Objetor de consciência, Song, In-ho |©Amnesty International
Song In-ho, de 25 anos, está aguardando uma resolução judicial sobre sua decisão de se negar a prestar o serviço militar na Coreia do Sul e será preso enquanto se aprecia sua solicitação. Para comemorar o Dia Internacional da Objeção de Consciência, em 15 de maio, a Anistia conta como suas crenças religiosas moldaram sua vida.
Nasci delinquente. Toda a minha vida me senti como se estivesse na prisão, porque sabia que iriam me enviar ao cárcere. Era um futuro criminoso.
Ao crescer como testemunha de Jeová, minha consciência foi moldada pela Bíblia. Ensinaram-nos a amar inclusive nossos inimigos e que não devíamos responder violência com violência. Por isso me tornei objetor de consciência ao serviço militar. Fui declarado culpado em meu julgamento inicial e, se negarem meu recurso, ficarei preso por 18 meses. Mas não é aí que acaba minha história, nem mesmo onde começa.
Marcado como criminoso ao nascer
Na Coreia do Sul os objetores de consciência ao serviço militar são estigmatizados, quase como se estivéssemos marcados ao nascer. É como se a gente soubesse que uma criança está predestinada a ir para a prisão, então decidem trata-la como um futuro delinquente.
Minha mãe é testemunha de Jeová, mas no início meu pai era contra a minha religião. Sabia que seu querido filho iria acabar na prisão por negar-se a fazer o serviço militar e nenhum pai quer isso. Por essa razão sempre tentei com todas as minhas forças ser um bom filho, um filho diligente. Assim, meu pai mudou um pouco a forma de pensar. Foi o primeiro a apoiar minha apelação.
Quando estava na escola primária, me pediram que escrevesse na classe sobre minhas aspirações para o futuro, mas não escrevi nada porque sabia que não seria viável. Já que estava destinado à prisão de qualquer forma, de que adiantava sonhar? Mas não podia dizer isso para a minha mãe porque partia seu coração.
Marcado na escola
No início de cada ano escolar, professores e amigos me faziam a mesma pergunta: é verdade que você vai para a prisão? Tem certeza que quer ser testemunha de Jeová? Minha resposta sempre foi a mesma. Não é algo que eu pudesse negociar, porque é uma questão de fé, algo pelo que daria a vida. É uma carga que tenho que carregar até o final.
Os amigos perguntavam: sabe de todas as coisas negativas que falam sobre você? Esses momentos são muito amargos e tenho muitas recordações dolorosas.
A discriminação da universidade foi especialmente dura. Uma vez, meus amigos brincaram comigo: “Song In-ho, você não pode blasfemar, não pode lutar, não parece um homem e não estás a altura de um”. Havia muitas brincadeiras e, francamente, era muito desagradável. Ficava chateado. Passei muito tempo pensando: isso está certo? É próprio de um homem?
Desde que nasci sinto como se estivesse em um trem descontrolado que se precipitava para uma estação inevitável chamada prisão e me sentia totalmente impotente, incapaz de fugir.
Após a graduação, quis encontrar um bom trabalho, mas não consegui. Como objetor de consciência, conseguir um trabalho em uma respeitável empresa é quase impossível pela discriminação e prejuízos. Atualmente, ajudo meus país em sua empresa de limpeza.
Só peço alternativas
Para me preparar para meu julgamento, fui aos tribunais no mesmo dia todas as semanas e vi larápios, ladrões, vigaristas e estupradores, criminosos de todo tipo, todos apelando e dizendo que suas condenações eram exageradas. Pensei que se alguém devia apelar, esse alguém era eu.
Então, me decidi. Se me dessem uma oportunidade, não importava qual fosse, faria todo o possível para defender minha inocência, ainda que isso representasse um tempo na prisão.
Estou disposto e preparado para me dedicar a fazer qualquer serviço alternativo para meu país, não importa o quão difícil seja. Minha objeção de consciência ao serviço militar não tem nada a ver com evitar o serviço.
Sou um cidadão agradecido e desejo que permitam que eu contribua com a minha nação de algum modo que não seja fazendo o serviço militar. Seja qual for a alternativa, estou disposto a fazer, desde que não vá contra a minha consciência.
É só o que realmente pedimos.
Na Coreia do Sul, a maioria dos objetores de consciência são testemunhas de Jeová. O país prende mais pessoas por objeção de consciência ao serviço militar do que todo o restante do mundo; atualmente há pelo menos 600 homens presos, a maioria entre 20 e 24 anos.
Fonte: Anistia

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Desacato não é crime, diz Juiz em controle de convencionalidade

O Juiz Alexandre Morais da Rosa, no julgamento dos autos n. 0067370-64.2012.8.24.0023da comarca da Capital de Santa Catarina – Florianópolis -, efetuando controle de convencionalidade, reconheceu a inexistência do crime de desacato em ambiente democrático. Invocando a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, afastou a incidência do disposto no art. 331 do CP. A íntegra da decisão segue abaixo. Confira

Autos n. 0067370-64.2012.8.24.0023
Ação: Ação Penal – Procedimento Sumário/PROC
Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Acusado: A. S. dos S. F.

Vistos para sentença.
I – Relatório.
O representante do Ministério Público em exercício nesta Unidade ofereceu denúncia contra A. S. dos S. F., já qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do art. 329 e 331, tendo em vista os atos delituosos assim narrados na peça acusatória (fls. 02-03):
No dia 15 de janeiro de 2012, por volta das 04h48min, na Avenida das Nações, em frente à Base de Canasveiras, nesta Capital, policiais militares encontravam-se em policiamento ostensivo quando avistaram uma briga generalizada, envolvendo diversas pessoas, e que, diante da intervenção policial, a contenda foi apaziguada, acalmando-se os ânimos de todos, com exceção do denunciado A. S., que mostrava-se ainda agressivo e gritando muito. Ao ser-lhe solicitado que se acalmasse, o denunciado, em tom de deboche, afirmou “que não gostava de polícia e que eram todos lotes de bichos, arrogantes e que não serviam para nada”, negando-se a prestar qualquer esclarecimento sobre a briga, “muito menos para uma policial feminina, porque mulher era para estar em casa dormindo”. Ao ser informado de que estava preso em razão do desacato proferido, o denunciado tentou fugir, mas mesmo detido em seguida, resistiu fortemente à prisão, com socos e empurrões, sendo necessária a atuação de quatro policiais para contê-lo. Mesmo após detido e algemado, o denunciado apresentou resistência e continuou a ofender os policiais militares, tudo na presença de diversas pessoas que acudiram ao acontecimento.
Certificados os antecedentes criminais do acusado (fls. 10-11).
A denúncia foi recebida em 29 de abril de 2013.
Citado (fl. 43), o acusado, por meio de defensor público, apresentou resposta à acusação (fl. 50-51).
Recebida a resposta à acusação e, não sendo o caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento para o dia 10/09/2013, às 15h30min (fls. 53).
Realizada a instrução, foram ouvidas testemunhas e foi realizado o interrogatório do acusado, sendo os depoimentos gravados em meio audiovisual (fls. 74 e 86).
O Ministério Público, em alegações finais, requereu a condenação do acusado nas sanções dos art. 331 e absolvição da imputação do crime de resistência previsto no art. 329 do Código Penal (fls. 95-101 ). A defesa, por sua vez, postulou pela absolvição do acusado, aduzindo ausência de dolo (fls. 103-113).
Os autos vieram conclusos.
É o breve relatório.
II – Fundamentação
Trata-se de ação penal de iniciativa pública incondicionada promovida pelo Ministério Público em desfavor de A. S. dos S. F., na qual lhe é imputada a prática do crime de desacato, assim descrito no art. 331 do Código Penal: “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela”; trata-se, conforme assinala a doutrina, de crime formal, comum, unissubjetivo, unissubsistente e de menor potencial ofensivo, tendo como fundamento teleológico a proteção da dignidade da Administração Pública e do exercício do Serviço Público.
Isso posto, importa destacar, de início, que o controle de compatibilidade das leis não se trata de mera faculdade conferida ao julgador singular, mas sim de uma incumbência, considerado o princípio da supremacia da Constituição (http://www.conjur.com.br/2015-jan-02/limite-penal-temas-voce-saber-processo-penal-2015). Cabe ainda frisar que, no exercício de tal controle, deve o julgador tomar como parâmetro superior do juízo de compatibilidade vertical não só a Constituição da República (no que diz respeito, propriamente, ao controle de constitucionalidade difuso), mas também os diversos diplomas internacionais, notadamente no campo dos Direitos Humanos, subscritos pelo Brasil, os quais, por força do que dispõe o art. 5º, §§ 2º e 3º[1], da Constituição da República, moldam o conceito de “bloco de constitucionalidade” (parâmetro superior para o denominado controle de convencionalidade das disposições infraconstitucionais).
Nesse sentido, como bem anota Flavia Piovesan[2]:
O Direito Internacional dos Direitos Humanos pode reforçar a imperatividade de direitos constitucionalmente garantidos – quando os instrumentos internacionais complementam dispositivos nacionais ou quando estes reproduzem preceitos enunciados na ordem internacional – ou ainda estender o elenco dos direitos constitucionalmente garantidos – quando os instrumentos internacionais adicionam direitos não previstos pela ordem jurídica interna.
No que concerne especificamente ao chamado controle de convencionalidade das leis, inarredável a menção ao julgamento do Recurso Extraordinário 466.343, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, no qual ficou estabelecido o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal no que diz respeito à hierarquia das normas jurídicas no direito brasileiro. Assentou o STF que os tratados internacionais que versem sobre matéria relacionada a Direitos Humanos têm natureza infraconstitucional e supralegal – à exceção dos tratados aprovados em dois turnos de votação por três quintos dos membros de cada uma das casas do Congresso Nacional, os quais, a teor do art. 5º, §3º, CR, os quais possuem natureza constitucional.
Trata-se de entendimento pacífico do Pretório Excelso, como se pode inferir do seguinte julgado:
PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5o DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988.POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002). […] (RE 349703. Relator: Min. Carlos Ayres Britto) – grifo nosso.
Por conseguinte, cumpre ao julgador afastar a aplicação de normas jurídicas de caráter legal que contrariem tratados internacionais versando sobre Direitos Humanos, destacando-se, em especial, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de São José da Costa Rica), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 (PIDESC), bem como as orientações expedidas pelos denominados “treaty bodies” – Comissão Internamericana de Direitos Humanos e Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, dentre outros – e a jurisprudência das instâncias judiciárias internacionais de âmbito americano e global – Corte Interamericana de Direitos Humanos e Tribunal Internacional de Justiça da Organização das Nações Unidas, respectivamente.
Nesse sentido, destaque-se que no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos[3] foi aprovada, no ano 2000, a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, tendo tal documento como uma de suas finalidades a de contribuir para a definição da abrangência do garantia da liberdade de expressão assegurada no art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos. E, dentre os princípios consagrados na declaração, estabeleceu-se, em seu item “11”, que “as leis que punem a expressão ofensiva contra funcionários públicos, geralmente conhecidas como ‘leis de desacato‘, atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação.”
Considerada, portanto, a prevalência do art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos sobre os dispositivos do Código Penal, é inarredável a conclusão de Galvão[4] de que a condenação de alguém pelo Poder Judiciário brasileiro pelo crime de desacato viola o artigo 13 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, consoante a interpretação que lhe deu a Comissão Interamericana de Direitos Humanos”.
Em que pese reconhecer-se a inexistência, a priori, de caráter vinculante na interpretação do tratado operada pela referida instituição internacional, filio-me ao entendimento apresentado, considerando, antes de tudo, os princípios da fragmentariedade e da interferência mínima, os quais impõem que as condutas de que deve dar conta o Direito Penal são essencialmente aquelas que violam bens jurídicos fundamentais, que não possam ser adequadamente protegidos por outro ramo do Direito. Nesse prisma, tenho que a manifestação pública de desapreço proferida por particular, perante agente no exercício da atividade Administrativa, por mais infundada ou indecorosa que seja, certamente não se consubstancia em ato cuja lesividade seja da alçada da tutela penal. Trata-se de previsão jurídica nitidamente autoritária – principalmente em se considerando que, em um primeiro momento, caberá à própria autoridade ofendida (ou pretensamente ofendida) definir o limiar entre a crítica responsável e respeitosa ao exercício atividade administrativa e a crítica que ofende à dignidade da função pública, a qual deve ser criminalizada. A experiência bem demonstra que, na dúvida quanto ao teor da manifestação (ou mesmo na certeza quanto à sua lidimidade), a tendência é de que se conclua que o particular esteja desrespeitando o agente público – e ninguém olvida que esta situação, reiterada no cotidiano social, representa infração à garantia constitucional da liberdade de expressão.
É certo que, paulatinamente, o entendimento emanado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos deverá repercutir na jurisprudência interna dos Estados americanos signatários do Pacto de São José da Costa Rica – sobretudo em Estados que, como o Brasil, são também signatários da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, cujo art. 27 prescreve que “uma Parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o descumprimento de um tratado.” A título de exemplo, destaco que, precisamente pelos fundamentos alinhavados pela Comissão, a Suprema Corte de Justiça do Estado de Honduras, em 19 de maio de 2005, e a Corte de Constitucionalidade da República de Guatemala, em 1º de Fevereiro de 2006, julgaram inconstitucionais os tipos penais dos respectivos ordenamentos jurídicos correlatos ao crime de desacato previsto na legislação brasileira.
A respeito, convém destacar as razões invocadas pela Corte de Constitucionalidade da República de Guatemala[5]:
El texto de los artículos 411 y 412 impugnados es el siguiente:
“Artículo 411. (Desacato a los Presidentes de los Organismos de Estado) Quien ofendiere en su dignidad o decoro, o amenazare, injuriare o calumniare a cualquiera de los Presidentes de los Organismos de Estado, será sancionado con prisión de uno a tres años.
Artículo 412. (Desacato a la autoridad) Quien amenazare, injuriare, calumniare o de cualquier otro modo ofendiere en su dignidad o decoro, a una autoridad o funcionario en el ejercicio de sus funciones o con ocasión de ellas, será sancionado con prisión de seis meses a dos años.”
En ambas regulaciones se pueden advertir algunos puntos coincidentes, como lo son: a) sujeto activo o titular: funcionarios públicos, cuya denominación también abarca a los Presidentes de los Organismos de Estado; b) sujeto pasivo: un particular, que ostente capacidad de goce y ejercicio; y c) elemento material: ofensa a la dignidad y decoro, cuya determinación comporta aspectos plenamente subjetivos, sobre todo si el señalamiento o imputación se originan por la crítica política que siempre va a implicar juicios de valor heterogéneos; amenaza, que si se trata de intimación con la realización de un mal directamente a la persona, ya está sancionada como ilícito penal en el artículo 215 del Código Penal; e injuria o calumnia, que si se determina que éstas fueron dirigidas con evidente ánimo dañoso del honor de una persona, también se encuentran sancionadas penalmente en los artículos 159 y 161 del citado Código; y que si son punibles de la manera en la que están regulados en los artículos 411 y 412 antes citados, pueden ser utilizados como un método para reprimir la crítica y los juicios de valores y opiniones de personas que pudiera considerarse como adversarios políticos.
En consecuencia, no existe un bien jurídico que merezca la tutela que se pretende al instituir los tipos penales contenidos en los artículos 411 y 412 antes citados, generando una protección adicional respecto de críticas, imputaciones o señalamientos de la que no disponen los particulares y un efecto disuasivo en quienes deseen participar en el debate público, por temor a ser objeto de sanciones penales aplicadas conforme una ley que carece de la debida certeza entre los hechos y los juicios de valor. Es pertinente acotar que desde mil novecientos sesenta y cuatro la Corte Suprema de Justicia de los Estados Unidos, en su sentencia en el caso New York Times vs Sullivan (376 U.S. 254, 1964) estableció que el Estado debe garantizar la libertad de expresión, incluso en sus leyes penales, por “un compromiso nacional profundo con el principio de que el debate sobre los asuntos de interés público debe ser desinhibido, robusto, y absolutamente abierto, por lo que perfectamente puede incluir fuertes ataques vehementes, casuísticos y a veces desagradables contra el gobierno y los funcionarios públicos”. Dicha Corte sostuvo, en ese fallo, que las leyes que penalicen la difamación no se pueden referir a una crítica general al gobierno o de sus políticas, pues los ciudadanos son libres de divulgar información cierta sobre sus funcionarios, lo cual también es compartido por este Tribunal.
Tampoco es ajeno a esta Corte el que desde mil novecientos noventa y cinco, la Comisión Interamericana de Derechos Humanos haya considerado que las leyes que establecen el delito de Desacato son incompatibles con el artículo 13 de la Convención Americana de Derechos Humanos, al haberse determinado que no son acordes con el criterio de necesidad y que los fines que persiguen no son legítimos, por considerarse que este tipo de normas se prestan para abuso como un medio para silenciar ideas y opiniones impopulares y reprimen el debate necesario para el efectivo funcionamiento de las instituciones democráticas. (Vid. Informe sobre la Incompatibilidad entre las leyes de desacato y la Convención Americana sobre Derechos Humanos, OEA/Ser.L/V/II.88, Doc. 9 Rev. [1995] 17 de febrero de 1995).
Al atender las citas doctrinarias y jurisprudenciales antes citadas, y aplicar lo extraído de ellas en función de lo regulado en los artículos 411 y 412 del Código Penal, este tribunal concluye indefectiblemente que tal regulación no guarda conformidad con el contenido del artículo 35 constitucional; y de ahí que por tratarse aquéllos de normas preconstitucionales, se determina que estos contienen vicio de inconstitucionalidad sobrevenida, por lo cual deben ser excluidos del ordenamiento jurídico guatemalteco y así debe declararse al emitirse el pronunciamiento respectivo.
Por fim, cabe mencionar que a comissão de juristas brasileiros responsável pela elaboração do anteprojeto do Novo Código Penal deliberou, por maioria de votos, em sessão havida em 07 de maio de 2012, por sugerir a revogação do crime de desacato da legislação penal brasileira, ante a sua incompatibilidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos[6].
Em relação ao suposto crime de resistência, previsto no artigo 329 do Código Penal, considerando que a Constituição da República ao organizar a estrutura do Poder Judiciário e acometer ao Ministério Público o lugar de acusador no processo penal, com a defesa no oposto, com a finalidade de garantir o contraditório, deixou o juiz no lugar de espectador, ou seja, descabe qualquer pretensão probatória na gestão da prova[7]. E a realização do Processo Penal acusatório é acolhida como tarefa democrática inafastável, não se confundindo com as meras formas processuais, mas sim como procedimento em contraditório (Cordero eFazzalari), produzindo significativas alterações no modelo utilizado no Brasil[8] Neste pensar, o papel desempenhado pelo juiz e pelas partes deve ser acompanhado de “garantias orgânicas” e “procedimentais”, consistindo na diferenciação marcante entre os modelos, consoante acentua Ferrajoli[9]“pode-se chamar acusatório todo sistema processual que tem o juiz como um sujeito passivo rigidamente separado das partes e o julgamento como um debate paritário, iniciado pela acusação, à qual compete o ônus da prova, desenvolvida com a defesa mediante um contraditório público e oral e solucionado pelo juiz, com base em sua livre convicção. Inversamente, chamarei inquisitório todo sistema processual em que o juiz procede de ofício à procura, à colheita e à avaliação das provas, produzindo um julgamento após uma instrução escrita e secreta, na qual são excluídos ou limitados o contraditório e os direitos da defesa”. A separação das funções do juiz em relação às partes se mostra como exigida pelo ‘princípio da acusação’, não podendo se confundir as figuras, sob pena de violação da garantia da igualdade de partes e armas. Deve haver paridade entre defesa e acusação, violentada flagrantemente pela aceitação dessa confusão entre acusação e órgão jurisdicional. Entendida nesse sentido, a garantia da separação representa, de um lado, uma condição essencial do distanciamento do juiz em relação às partes em causa, que é a primeira das garantias orgânicas que definem a figura do juiz, e, de outro, um pressuposto do ônus da contestação e da prova atribuídos à acusação, que são as primeiras garantias procedimentais da jurisdição, conforme Ferrajoli. Acrescente-se que a acusação precisa ser “obrigatória” no sentido de evitar ponderações discricionárias – condições subjetivas de proceder – do órgão acusador, tutelando o ‘princípio da igualdade de tratamento’ estatal e, ainda, que esse órgão deve ser público e dotado das mesmas garantias orgânicas do julgador. A assunção do modelo eminentemente acusatório, segundo Binder[10], não depende do texto constitucional – que o acolhe, em tese, no caso brasileiro, apesar de a prática o negar –, mas sim de uma “auténtica motivación” e um “compromiso interno y personal” em (re)construir a estrutura processual sobre alicerces democráticos, nos quais o juiz rejeita a iniciativa probatória e promove o processo entre partes (acusação e defesa). Com isto bem posto, descabe qualquer possibilidade de o juiz condenar quando o representante do Ministério Público requer a absolvição. Assim proceder seria uma fraude ao sistema acusatório.
No caso presente, o representante do Ministério Público assim se manifestou (fls. 95-101):
De acordo com o conjunto probatório formado durante a instrução processual, não restou evidenciada prova suficiente para a condenação do acusado pelo crime descrito no artigo 329 do Código Penal.
Isso porque, apesar do termo circunstanciado de fls. 05/09 narrar que o réu resistiu à prisão com socos e empurrões, sendo necessário quatro policiais para contê-lo, F. L. dos S. não menciona nada sobre o ocorrido durante o seu depoimento judicial (CD de fl. 86).
Assim é que, sendo o Ministério Público o dono da ação penal e requerendo a absolvição, descabe qualquer consideração, já que o juiz não pode condenar nesta hipótese, devendo o acusado ser absolvido dessa imputação.
III – Dispositivo.
Por tais razões, JULGO IMPROCEDENTE A DENÚNCIA para ABSOLVER o acusado A. S. dos S. F., já qualificado nos autos, da imputação dos crimes descritos nos artigos 331 e 329, com base no art. 386, inciso III e VII, do Código de Processo Penal.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Transitada em julgado, arquivem-se.
Florianópolis (SC), 17 de março de 2015.
Alexandre Morais da Rosa
Juiz de Direito

 [1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] § 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
[2] PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.p. 170.
[3] A respeito das funções desempenhadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos no mecanismo interamericano de apuração de violação dos direitos humanos, destaca Ramos: A comissão é o órgão ao qual incumbe a promoção e a averiguação do respeito e a garantia dos direitos fundamentais. Pode elaborar estudos e ofertar capacitação técnica aos Estados. Pode também criar relatorias […], dirigidas pelos Comissários, cujos relatórios serão submetidos à Assembleia Geral da OEA. Além disso, pode efetuar visitas de campo, a convite do Estado interessado. Cite-se como exemplo, a visita da Comissão ao Brasil de 1995. Com efeito, a Comissão realizou, pela primeira vez em sua história, missão geral de observação in loco da situação de respeito aos direitos humanos no território brasileiro em 1995. Durante a permanência da missão no Brasil (de 27 de novembro a 9 de dezembro), os integrantes da Comissão reuniram-se com membros do goberno, da sociedade civil organizada, ouvindo depoimentos e coletando dados. A partir desse trabalho de campo, a Comissão elabora um relatório (dito geográfico, por abranger a análise da situação geral dos direitos humanos em um território, no caso, o brasileiro), emitindo suas recomendações para a promoção dos direitos humanos. […] O objetivo desse sistema é a elaboração de recomendação ao Estado para a observância e garantia de direitos humanos protegidos pela Carta da OEA e pela Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013. pp. 210-211)
[4] GALVÃO, Bruno Haddad. O crime de desacato e os direitos humanos. Publicado no site<www.conjur.com.br>, acessado em 14/01/2015.
[5] Julgado extraído do site da Corte de Constitucionalidade da República de Guatemala. Link:<http://www.sistemas.cc.gob.gt/Sjc/frmSjc.Aspx>, expediente nº 1122-2005, acesso em 27/01/2015
[6] Informação extraída da reportagem “Desacato: muito além da falta de educação”, publicada no site do Superior Tribunal de Justiça. Link:
<http://stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106170>, acessado em 23/01/2015
[7] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica à teoria geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
[8] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
[9] Direito e Razão. São Paulo: RT, 2001, p. 452.
[10] BINDER, Alberto M. Iniciación al Proceso Penal Acusatorio. Campomanes: Buenos Aires, 2000, p. 07.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Zara é autuada por não cumprir acordo para acabar com trabalho escravo

A grife Zara, que produz e vende roupas masculinas e femininas e pertence ao grupo espanhol Inditex, foi autuada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) por descumprir o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em 2011 para corrigir condições degradantes que caracterizaram trabalho escravo na cadeia produtiva da empresa. 
De acordo com a superintendência do órgão federal em São Paulo, uma auditoria com 67 fornecedores da marca mostrou 433 irregularidades em todo o país, como excesso da jornada de trabalho, atraso nos pagamentos, aumento dos acidentes, trabalho infantil, além de discriminação pela exclusão de imigrantes da produção, o que pode resultar em multa de mais de R$ 25 milhões.
Há quatro anos, a Zara foi autuada por manter 15 trabalhadores de nacionalidades bolivianos e peruanos em condição análogos à de escravo na atividade de costura. As oficinas subcontratadas pela marca receberam 52 autos de infração. Entre as irregularidades, foram constatadas jornada de trabalho excessiva, servidão por dívida e situação precária de higiene.
Na época, a empresa disse desconhecer esse tipo de exploração. Pelo TAC, assinado com o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Zara deveria ter detectado e corrigido novas violações, por meio de auditoria interna, melhorando as condições gerais de trabalho na empresa.
O relatório mostra que mais de 7 mil trabalhadores foram prejudicados pelas irregularidades em fornecedoras da Zara. Entre eles, 46 empregados estavam sem registro em carteira, 23 empresas estavam em débito de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e 22 tinham jornadas excessivas, irregulares ou fraudadas.
Em relação aos acidentes de trabalho, verificou-se um aumento de 73, em 2012, para 84 casos, no ano passado. A auditoria foi solicitada a partir da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de São Paulo que investigou trabalho escravo. As fiscalizações ocorreram entre agosto de 2015 a abril deste ano.
Para o Ministério do Trabalho e Emprego, a empresa não só continuou a cometer infrações à lei trabalhista como utilizou as informações da auditoria para excluir imigrantes da produção. “Utilizou-se das ferramentas de fiscalização de natureza privada para identificar fornecedores com risco potencial de exploração de trabalho análogo à de escravo, excluindo-os unilateralmente de sua cadeia produtiva, em vez de identificar situações reais de lesão aos direitos humanos, corrigi-las e comunicar às autoridades, de acordo com o que determinava o TAC”, diz relatório da superintendência regional. Por conta da fiscalização, a empresa transferiu parte de sua produção para outros estados, como Santa Catarina.
Pelos cálculos do ministério, a empresa deve pagar R$ 25 milhões pelo descumprimento do acordo e R$ 850 mil pela atitude discriminatória. “Trabalhadores migrantes, notadamente de origem boliviana, foram excluídos de sua cadeia produtiva, razão pela qual a empresa foi autuada por restringir o acesso ao trabalho por motivos de origem e etnia do trabalhador”, explica o relatório do órgão. A estimativa do MTE é que 157 imigrantes que trabalhavam em 35 oficinas foram desligados. O relatório aponta ainda que cerca de 3,2 mil postos foram fechados em São Paulo por causa do deslocamento da produção da empresa para outros estados.
O ministério destacou ainda que a Zara foi omissa quando da contratação de uma oficina, onde se constatou trabalho escravo em novembro do ano passado. Foram flagrados 37 trabalhadores em situação degradante, que costuravam para as Lojas Renner. “A fiscalização constatou que, no período de 14 de agosto de 2013 a 23 de setembro de 2013, esse grupo de oficinas também havia produzido 8.450 peças de roupas da Zara”, diz o documento. A grife espanhola, no entanto, apesar do acordo firmado com o MPT, não informou aos órgãos competentes as irregularidades deste fornecedor. A Zara não foi responsabilizada por causa da ausência do flagrante.
Em resposta à organização não governamental Repórter Brasil, que publicou reportagem sobre o caso, a Inditex informou que está contestando legalmente os autos de infração, pois considera que acusações infundadas e que não contêm fato específico que viole o TAC.
Em relação à prática discriminatória, a multinacional diz que não intervem no recrutamento dos empregados de companhias com as quais mantém relacionamento comercial. Acrescenta que a Zara é apenas um entre os vários clientes desses fornecedores e que a empresa representa menos de 15% da produção desses fabricantes.
Sobre o fornecedor que foi flagrado posteriormente empregando mão de obra escrava, a Inditex diz que ele foi submetido a auditoria interna e não foram constatadas situações de trabalho comparáveis a de escravidão. Para a empresa, contestar esse fato é colocar em dúvida companhias especializadas em autoria privada de “reconhecido prestígio internacional”.
As demais violações, como trabalho infantil e funcionários sem registro em carteira, são contestadas. Sobre jornadas excessivas e débitos de FGTS, alega que medidas corretivas foram adotadas.
Fonte: JusBrasil

XII Congresso Internacional de Direitos Humanos

Convidamos a todos/as para participarem, inscrevendo seus resumos, no XII Congresso Internacional de Direitos Humanos, que se realizará entre os dias 01 a 04 de setembro de 2015, na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campo Grande – MS / BRASIL. 

terça-feira, 12 de maio de 2015

Em nome da “segurança” a França violará sua Constituição?

No cenário político global da atualidade, a palavra segurança tem dado o tom a inúmeras decisões governamentais em diferentes países. Ela tornou-se uma “palavra ônibus” por envolver significados distintos mas que é assumida, de maneira geral, por um significado mais ou menos comum que traceja senão uma uniformidade ao menos uma tentativa de harmonização política que repercute na produção legislativa e na adoção de mecanismos de controle de massa, como se verá.
Minimamente podemos identificar quatro dimensões na palavra segurança. A primeira é que ela pode expressar um estado de alma, uma disposição mental em que o sujeito tem seu espírito sereno e tranquilo.
A segunda diz respeito a uma situação objetiva em que o sujeito não se sente e não está sujeito a nenhum perigo em razão das condições econômicas, materiais e políticas que desfruta pessoalmente. Não se trata mais de uma situação interior derivada do estado de espírito mas, ao contrário, de uma situação objetiva de ausência de risco e de perigo.
A terceira é da ordem do público, isto é, caracteriza-se pelo dever dos Estados de garantir a proteção dos direitos fundamentais à liberdade, à propriedade privada e à vida, por exemplo. Então, ela destaca o papel ainda muito centrado na responsabilidade estatal que, como unidade política, deve resguardar a segurança pública, vale dizer, das pessoas e dos bens.
A quarta é aquela que é traduzida por um conjunto de medidas para assegurar o bom funcionamento de uma operação ou de um conjunto de operações conectadas e que, desse modo, o que faz é assegurar a continuidade e o pleno funcionamento de um processo. Trata-se de dispor de um “estoque de segurança” que tem por finalidade principal controlar os “fluxos”[1] e que pode ser identificada hoje em expressões e práticas como “segurança das informações”; “segurança energética”, “segurança da saúde”, etc. Aqui é de biossegurança que se trata.
As três primeiras dimensões não são novas. As obras de filosofia política a partir do Século XVIII demonstram que a segurança já era foco da atenção de inúmeros pensadores. No que diz respeito à segurança como garantia de proteção e direitos fundamentais, a literatura jurídica destes últimos setenta anos pós Segunda Guerra Mundial comprova os esforços para criar marcos normativos protetivos e atribuir aos Estados a primeira responsabilidade em dar-lhes segurança de proteção e garantia de efetivação.
Chama-se a atenção para a quarta dimensão, a da segurança de fluxos. De surgimento mais recente que as anteriores, ela domina na atualidade as políticas estatais e globais. Os parlamentos de diversos países têm sido desafiados a criar leis novas destinadas a esse fim. Influenciados pelo discurso global de controle e repressão ao terrorismo e à macrocriminalidade variada, os novos textos legislativos podem contribuir para reduzir enormemente os parâmetros protetivos da segurança de terceira dimensão relativa aos direitos fundamentais. Inevitavelmente, como inúmeros casos já o demonstram, as justiças dos Estados, bem como os tribunais regionais de proteção aos direitos do homem serão demandados a render decisões com vistas à proteção dos direitos humanos violados.
Em nosso País, em nome dos princípios democráticos garantidos pela Constituição e, sob estímulo do conhecido “episódio Snowden”[2], o Marco Civil da Internet foi aprovado e, como referido em outro texto aqui publicado, trata-se de uma lei inovadora tomada como referência por inúmeros outros países justamente porque afinada aos textos internacionais protetivos dos direitos humanos, cujo conteúdo resultou da abertura à participação popular que, agora, é renovada para a criação do regulamento do Marco Civil.
O mesmo se passa com o projeto de lei de proteção de dados pessoais com relação ao qual também é evidente a preocupação do Estado brasileiro em reconhecer, de um lado, a relevância em combater a macrocriminalidade mas também respeitar os direitos fundamentais.
A análise do direito comparado sempre é bem-vinda para que percebamos a realidade de nosso sistema jurídico no que diz respeito às suas evoluções e involuções. Com efeito, no dia 5 de maio foi aprovado pela Assembleia nacional francesa[3]projeto de lei sobre o sistema de informação/vigilância. Embora tal projeto tenha sido criado em período anterior ao atentado contra o jornal Charlie Hebdo, a aprovação do texto do projeto por uma expressiva maioria de parlamentares de diversos partidos, retrata o significado que a “segurança dos processos e dos fluxos” assumiu para as instituições públicas.
Em poucas palavras, esse projeto de lei estabelece as situações e os contextos que podem justificar ações de controle e vigilância por parte do Estado, em nome da defesa nacional, independência nacional, da integridade do território, da prevenção do terrorismo, dos interesses da política exterior, do atentado à forma republicana e, finalmente, da criminalidade e da delinquência organizadas. No entanto, o que inquieta a sociedade civil é justamente a possibilidade de que em nome da “segurança” e do “combate ao terror”, o que ocorra é a vigilância dos ativistas, dos manifestantes defensores de direitos humanos e da sociedade como um todo.
Nesse sentido, o que chama a atenção no conteúdo do projeto de lei é a possibilidade atribuída aos fornecedores de acesso à internet de “identificar uma ameaça terrorista sobre a base de um tratamento automatizado”, em outras palavras, poderá ocorrer a instalação pelas empresas fornecedoras de acesso de uma “caixa preta” de vigilância do tráfico de informações e comunicações. Embora seja dito que o conteúdo das comunicações restará anônimo, pois serão objeto da vigilância apenas os chamados “metadados” (identificação da origem e destino da mensagem, endereço de IP de um site visitado, duração das conversas ou da conexão), especialistas na matéria dizem que haverá possibilidade de controle total sobre as informações e comunicações dos internautas franceses.
A CNIL – Comissão Nacional de Informática e das Liberdades da França lançou severas críticas ao projeto de lei. Embora seja sabido que esse projeto teve por objetivo claro dar legalidade a várias ações de vigilância e controle que já eram praticadas a despeito de previsões legais, a CNIL chamou a atenção para o fato de que ele representa uma verdadeira mudança de paradigma na medida em que viabiliza a adoção de técnicas de vigilância novas que instituirão graves repercussões sobre a vida privada e sobre os dados pessoais[4].
Caso o projeto venha a ser aprovado pelo Senado francês, essas novas práticas permitirão a obtenção de uma quantidade relevante de dados de pessoas que não têm qualquer relação com as motivações legais que justificam o exercício da vigilância. No bom português: será exercida contra quem “nada tem a ver com isso”, cujas comunicações poderão ser violadas pelo simples fato de alguém estar geograficamente próximo a um suspeito de terrorismo que seja alvo de vigilância pela operação das modernas antenas que imitam – e sofisticam – aquelas concernentes aos aparelhos celulares. Esse dispositivo permitirá a coleta “sistemática e automática”[5] de dados relativos às pessoas indiscriminadamente. O projeto de lei enuncia a criação de um sistema complexo de práticas ocultas de obtenção massiva de dados pessoais de nacionais franceses e também de estrangeiros que permanecerão estocados e sob o exclusivo controle dos serviços oficiais de vigilância.
Essa dimensão da segurança mostra bem que os seres humanos são considerados como indefinidamente “permeáveis”, pois nossas existências são profundamente atravessadas pelos “fluxos” mundiais[6], como por exemplo das informações e da vigilância que, obviamente, não deixam de expressar o forte componente paranóico das sociedades de controle em que vivemos hoje, não distante do desejo de “dominação total”, como remarcou Hannah Arendt.
Pela possibilidade flagrante de violação de direitos fundamentais é que esse projeto poderá ser submetido ao controle prévio de constitucionalidade junto ao Conselho constitucional francês a fim evitar, inclusive, que os cidadãos recorram ora Corte Européia de Direitos Humanos, ora ao Tribunal de Justiça da União Europeia. Assim, as Cortes constitucionais e supremas vêem-se hoje confrontadas a dar respostas a novos e intrincados problemas de constitucionalidade quanto também de convencionalidade. No limite, os problemas jurídicos não são mais limitados às esferas territoriais, pois de par com a globalização dos negócios e também dos crimes, há a mundialização do direito. Os juízes, assim, contribuem significativamente para a elaboração do direito global.
Na hora em que a consulta pública relativa ao projeto de lei de proteção de dados do Brasil ainda se encontra aberta à participação da sociedade, é importante saber o que se passa do lado de cá do Atlântico pois, afinal, nós somos o “auditório universal” de que falou Perelman que será o destinatário desse conjunto de novas leis. Para isso, precisamos continuar a levar os direitos humanos a sério.
Jânia Maria Lopes Saldanha é Doutora em Direito. Realiza estudos de pós-doutorado junto ao IHEJ – Institut des Hautes Études sur la Justice quanto também junto à Université Sorbonne Paris II – Panthéon-Assas. Bolsista CAPES Proc-Bex 2417146. Professora Associada do PPG em Direito da UFSM. Advogada.

[1] Aprofundamento dessas ideias estão em: GROSS, Frédéric. Le principe sécurité. Paris: Gallimard, 2012, p. 12-13.
[2] Sobre ele veja-se Citizenfour, o excelente documentário de Laura Poitras.
[3] A próxima fase é a votação pelo Senado francês.
[4] Disponível em: http://www.lemonde.fr/pixels/article/2015/03/18/les-critiques-de-la-cnil-contre-le-projet-de-loi-sur-le-renseignement_4595839_4408996.html
[5] Id.
[6] GROSS, Frédéric. Le principe sécurité, op. cit., p. 177-178.

Fonte: Justificando